Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº.  178.022.0/5-00

Suscitante: Décima Terceira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça   

Objeto:  Lei n. 2.894/91 e 3.596/97, do Município de Assis.

 

Parecer do Ministério Público

 

Ementa:  Lei  n.  2.894/91 e 3.596/97, do Município de Assis, que autorizam o Executivo a conceder direito real de uso de área pública. Especificação do destinatário e ausência de licitação. Violação do princípio da impessoalidade (art. 111 da Constituição Paulista) e do princípio da licitação (art. 117 da Constituição Paulista). Parecer pela admissão e acolhimento do incidente de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

1) Relatório

O Ministério Público de São Paulo, ajuizou Ação Civil Pública contra o Município de Assis, a Câmara Municipal dos Vereadores de Assis, (...) e (...), substituído por se espólio, porque o Município, representado por (...), seu então Prefeito e após aprovação legislativa, autorizou o último a explorar atividade no terminal Rodoviário, sem licitação, o que constitui dano ao erário e improbidade.

A ação foi julgada parcialmente procedente pela r. Sentença de fls. 799/815, declarando-se que o ato praticado constitui improbidade administrativa e condenando-se (...) ao pagamento de multa equivalente a cinco vezes o valor da remuneração percebida pro ele, sendo julgado improcedente o pedido contra os demais requeridos.

 O Prefeito Municipal interpôs recurso de apelação, pleiteando a improcedência da ação, com o reconhecimento da inexistência de ato de improbidade, com a absolvição das condenações principais e acessórias, inclusive com a fixação do ônus da sucumbência, fls. 824/871.

O Ministério Público, igualmente, interpôs recurso de apelação objetivando a reforma da r. decisão recorrida para o fim de ser acolhido totalmente o seu pleito inicial, fls.883/893.

Contra-Razões de apelação às fls. 894/902 e 917/963.

 Parecer da E. Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos pelo não provimento do recurso interposto pelo apelante (...) e pelo provimento parcial do recurso interposto pelo D. Promotor de Justiça, de primeira instância, fls. 965/976.

Pelo v. Acórdão de fls. 986/988, a Décima Terceira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça determinou a remessa dos autos a este Colendo Colegiado para atendimento da cláusula do artigo 97 da Constituição da República e da recente Súmula Vinculante n. 10, do Supremo Tribunal Federal.

Eis, em breve síntese, o relatório.

2) Da admissibilidade do incidente de inconstitucionalidade.

A questão de direito deve ser solucionada para que seja possível concluir-se o julgamento das apelações interpostas pelo Prefeito Municipal de Assis e pelo nobre Promotor de Justiça.

Como anota José Carlos Barbosa Moreira, comentando o parágrafo único do art. 481 do CPC, “são duas as hipóteses em que se deixa de submeter a argüição ao plenário ou ao órgão especial: (a) já existe, sobre a questão, pronunciamento de um desses órgãos do tribunal em que corre o processo; (b) já existe, sobre a questão, pronunciamento do plenário do STF. A redação alternativa indica que é pressuposto bastante da incidência do parágrafo a ocorrência de uma delas” (Comentários ao CPC, vol.V, 13ªed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p.44).

No caso em exame, salvo eventual equívoco, a quaestio iuris – que se restringe à verificação da constitucionalidade da Lei  n. 2.894/91 e 3.596/97, do Município de Assis – não foram examinadas pelo Plenário ou Órgão Especial.

De outro lado, e, de acordo com pesquisa informatizada, não há notícia    de     que a   validade dessas normas foram julgadas pelo Supremo Tribunal Federal ou analisada por esse Sodalício sob a perspectiva aqui abordada.      

Assim, considerando que (a) a solução da quaestio iuris é imprescindível para o julgamento dos recursos de apelação, e (b) ainda não houve declaração de inconstitucionalidade a seu respeito pelo E. STF ou por esse E. Tribunal de Justiça, é de ser admitido o processamento do presente incidente de inconstitucionalidade.

Com base nas referidas leis que autorizam a concessão administrativa para a exploração de atividades comercias do Terminal Rodoviário de Passageiros  “Thiago Ribeiro”, foram concedidas pela Prefeitura do Município de Assis várias permissões de uso às firmas e pessoas especificadas nas mencionadas leis, sendo que para tanto não houve realização de licitação.

Em primeiro lugar insta observar que as referidas leis violaram o princípio da impessoalidade, previsto no art. 111 da Constituição do Estado, aplicável ao Município por força do art. 144 da mesma Carta, na medida em que indicaram os beneficiários do ato de permissão de direito real de uso do bem imóvel público nela discriminado (Terminal Rodoviário).

Note-se que ao indicar os beneficiários das permissões, os atos normativos não deixaram qualquer espaço para decisão por parte da Administração, violando a impessoalidade que deve imperar na esfera da atividade legislativa.

 

 

A respeito do princípio da impessoalidade, anota Edmir Netto de Araújo que seu sentido é o da “imparcialidade, significando que a Administração não pode agir motivada por interesses particulares, interesses políticos, de grupos, por animosidades ou simpatias pessoais, políticas, ideológicas, etc., implicando sempre em regra de agir objetiva para o administrador” (Curso de direito Administrativo, São Paulo, Saraiva, 2005, p. 56).

Ou então, como pontua Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “o princípio estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda a atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento” (Direito administrativo, 19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 85).

É assente no E. STF, ser imperativo o respeito aos princípios constitucionais da Administração, tendo ficado assentado que:

"A Administração Pública é norteada por princípios conducentes à segurança jurídica — da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. A variação de enfoques, seja qual for a justificativa, não se coaduna com os citados princípios, sob pena de grassar a insegurança." (MS 24.872, voto do Min. Marco Aurélio, julgamento em 30-6-05, DJ de 30-9-05).

E mutatis mutandis, os princípios constitucionais da Administração Pública são aplicáveis ao Poder Legislativo quando da elaboração de leis. Não é aceitável que determinado diploma legal estabeleça cláusula que crie favorecimento a particular determinado.

Daí a inconstitucionalidade da regra, tomando como parâmetro o art. 111 da Constituição do Estado.

Houve também,  violação ao princípio constitucional da licitação, que decorre do art. 117 da Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta.

O art. 117 da Constituição Paulista, que reproduz o art. 37 XXI da Constituição da República, é bem verdade, faz ressalva quanto à possibilidade de não realização de licitação, “nos casos especificados na legislação”.

Entretanto, cabendo à União legislar a respeito de regras gerais sobre licitação e contratos da Administração Pública direta e indireta (art. 22 XXVII da CR/88), regula a matéria a Lei nº 8.666/93.

As hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação, como é cediço, estão previstas no art. 24 e no art. 25 da Lei nº 8.666/93, e, quando presentes, exigem a justificação formal, em processo administrativo, nos termos do art. 26 da referida lei, a partir de hipóteses de dispensa ou inexigibilidade previstas na própria Lei de Licitações.

Previsões contidas em outros diplomas, estaduais ou municipais, no sentido da dispensa ou inexigibilidade da licitação, calcados, por exemplo, no “interesse público”, ou na “existência de destinatário certo”, só podem ser compreendidas e interpretadas, de forma sistemática, em conjunto com os dispositivos da Lei nº 8.666/93 que contemplam os casos de dispensa ou inexigibilidade do certame. São apenas essas hipóteses, da lei federal, que podem configurar o “interesse público”, para fins de não realização da licitação.

Contrario sensu, ao simplesmente determinar a realização de contrato de permissão de direito real de uso com determinados beneficiários, criando uma hipótese sui generis de dispensa, o legislador fere diretamente o próprio princípio da licitação, assente no ordenamento constitucional.

É o que anota José Afonso da Silva, ao afirmar que “o princípio da licitação significa que essas contratações ficam sujeitas, como regra, ao procedimento de seleção de propostas mais vantajosas para a Administração Pública. Constitui um princípio instrumental de realização dos princípios da moralidade administrativa e do tratamento isonômico dos eventuais contratantes com o Poder Público” (Curso de Direito Constitucional Positivo, 28ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 672).

Anote-se que o E. STF tem reconhecido a inconstitucionalidade de leis que ferem o princípio da impessoalidade, que deve imperar na atividade estatal. Confiram-se os seguintes precedentes: ADI 3.853, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 12-9-07, DJ de 26-10-07; ADI 1267/AP, Rel. Min. Eros Grau, j. 30/09/2004, DJ 10-08-2006; ADI 100/MG, Rel. Min. Ellen Grace, j. 09/09/2004, DJ 01-10-2004.

 

 

 

 

  Por essas razões, o parecer é pela inconstitucionalidade  das Leis n. 2.894/91 e 3.596/97.

 

                          São Paulo, 12 de maio de 2009.

 

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

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