Processo nº
148.022.0/0
Recorrente: Associação dos Aposentados,
Pré-Aposentados e Pensionistas da CETESB-AAPP
Recorrida: Fazenda do Estado de São Paulo
Objeto: expressão contida no art. 1º , da Lei
Complementar Estadual nº 954, de 31 de dezembro de 2003.
Parecer em
recurso extraordinário
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Presidente
Colendo Supremo
Tribunal Federal
Insignes
Ministros.
Trata-se de recurso extraordinário interposto pela
Associação dos Aposentados, Pré-Aposentados e Pensionistas da CETESB-AAPP (fls. 472/495), em face do v. acórdão de fls.
430/438, que julgou improcedente o incidente de inconstitucionalidade suscitado
pela Terceira Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, que buscava a declaração da inconstitucionalidade da expressão contida
no art. 1º, da Lei Complementar Estadual n. 954, de 31 de dezembro de 2003, sob
o argumento de violação do disposto nos arts. 40, § 18, e 149,§1º, da
Constituição Federal, fundamentando o inconformismo no permissivo contido no
art.102, III, a, da CR.
Sustenta o recorrente a necessidade de
reforma da decisão, na medida em que: (a) teria ocorrido ofensa ao direito adquirido,
como também, ao ato jurídico perfeito
(art.5º XXXVI da CR), (b) redução de proventos, vedado pela conjugação do art.
37, inc. XV, com o art. 40,§3º, ambos da CR.
Foram
ofertadas contra-razões pela Fazenda do Estado de São Paulo (fls.511/521),
sustentando: (a) o não conhecimento do recurso, por ausência de repercussão
geral e por não cabimento; (b) ou, alternativamente, seu não provimento.
Este é o
breve relato do que consta dos autos.
1)Não
admissibilidade do recurso extraordinário.
O recorrente se insurge contra o v. acórdão de fls.430/438,
proferido pelo E. Órgão Especial do Tribunal de Justiça, que julgou
improcedente o incidente de inconstitucionalidade.
A
insurgência veiculada no recurso extraordinário volta-se, portanto, contra o
acórdão que julgou improcedente o incidente de inconstitucionalidade.
A
conclusão que se pode extrair de tal situação, destarte, é de que o recurso não
é cabível.
Em
primeiro lugar insta observar, que a pretensa violação à Carta Política decorre
de infringência às Leis Estaduais 1386/51 e 4.819/58, que são normas de direito
local insusceptíveis de revisão na via extraordinária.
Desta
feita, em conformidade com entendimento reiterado da Suprema Corte, a violação
ao texto constitucional, necessita ser direta e frontal, para autorizar o
recurso extraordinário.
Assim
sendo, nos moldes da Súmula n. 280, do
Supremo Tribunal Federal, o presente recurso não deve ser conhecido.
2)Mérito.
Admitindo, por apego à argumentação, que o recurso
extraordinário venha a ser conhecido, não merecerá provimento.
Como já mencionado anteriormente, a
questão cinge-se a saber se a locução do artigo 1.º da Lei 954/03 “os servidores que recebem
complementação de aposentadoria e pensão incluídas suas autarquias e fundações” é ou não constitucional, frente aos
dispositivos da Constituição da
República. A Lei Complementar Estadual tem a seguinte
redação:
'LEI COMPLEMENTAR Nº. 954, DE 31 DE DEZEMBRO DE
2003
Dispõe sobre a contribuição previdenciária mensal
de inativos e pensionistas do Estado e dá providências correlatas
Artigo 1º -
Os servidores inativos e os pensionistas do Estado, os Militares reformados e
os da reserva, bem como os servidores que recebem complementação de aposentadoria e
pensão, incluídas suas autarquias e
fundações, passam a contribuir, para o custeio do regime de que
trata o artigo 40 da Constituição Federal, com a alíquota de 11% (onze por
cento) sobre o valor dos proventos, das pensões, das aposentadorias, das
vantagens pessoais e demais vantagens de qualquer natureza, excetuados o
salário-esposa e o salário-família.
§ 1º -
Aplica-se o disposto neste artigo aos membros da Magistratura, do Ministério
Público e do Tribunal de Contas do Estado.
§ 2º - O
décimo-terceiro salário será considerado para fins de incidência da
contribuição a que se refere esta lei complementar.
§ 3º - Para
os casos de acumulação remunerada, considerar-se-á, para fins de contribuição,
o somatório das remunerações percebidas, observado o disposto no
"caput" deste artigo.
§ 4º - A
contribuição previdenciária a que se refere o "caput" incidirá apenas
sobre a parcela dos proventos e das pensões que supere a 50% (cinqüenta por
cento) do limite estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência
social de que trata o artigo 201 da Constituição Federal.
Artigo 2º -
Considera-se incluído na alíquota de 11% (onze por cento) a que se refere o
artigo 1º o percentual de 6% (seis por cento) relativo à contribuição prevista
no artigo 137 da Lei Complementar nº 180, de 12 de maio de 1978.
Parágrafo
único - Fica mantida a contribuição pela alíquota de 6% (seis por cento)
prevista no artigo 137 da Lei Complementar nº 180, de 12 de maio de 1978, até
que seja iniciada a cobrança da nova contribuição instituída pelo artigo 1º
desta lei complementar.
Artigo 3º -
Os contribuintes obrigatórios referidos no artigo 2º da Lei Complementar nº
943, de 23 de junho de 2003, continuam sujeitos à alíquota total de 11% (onze
por cento), que compreende a alíquota de 5% (cinco por cento) instituída pela
mesma lei complementar e a contribuição de 6% (seis por cento) prevista no
artigo 137 da Lei Complementar n.º
180, de 12 de maio de 1978.
Parágrafo
único - Vetado.
Artigo 4º -
Os recursos arrecadados nos termos desta lei complementar, da Lei Complementar
n.º 943, de 23 de junho de 2003, e da Lei Complementar nº 180, de 12 de maio de
1978, são classificados como receitas de contribuições sociais no orçamento do
Instituto de Previdência do Estado - IPESP, quando referentes aos servidores
públicos, e na Caixa Beneficente da Polícia Militar - CBPM, quando referentes
aos militares, devendo ser destinados ao pagamento de aposentadorias ou
pensões.
Parágrafo
único - As disposições deste artigo aplicam-se inclusive aos recursos já
arrecadados com fundamento na Lei Complementar nº 943, de 23 de junho de 2003.
Artigo 5º -
Fica vedada a existência de mais de um regime próprio de previdência social
para os servidores titulares de cargos efetivos, e de mais de uma unidade
gestora do respectivo regime em cada ente estatal, ressalvado o disposto no
artigo 142, § 3º, inciso X, da Constituição Federal.
Artigo 6º -
Esta lei complementar entra em vigor na data de sua publicação, produzindo
efeitos, quanto ao artigo 1º, após decorridos 90 (noventa) dias da data da
publicação desta lei complementar.'
O desconto da contribuição social
previdenciária de aposentados e pensionistas, inclusive daqueles que recebem complementação pelo Erário de benefícios do regime geral,
tem substrato na Constituição da
República, especialmente, nos artigos 40, 194 e ss. e 202 e ss. Em primeiro lugar, pelo fato de que tais beneficiários recebem a título de complemento de aposentadoria, com fundamento nas
Lei Estadual n.º 1.386,
de 19 de dezembro de 1951 e Lei
n.º 4.819, de 26 de agosto de
1958 -- recebem a título de
previdência social -- e não mera liberalidade do Erário. Por
tal razão, e até pela
interpretação histórica da legislação
que criou tais benefícios, somente pode-se entender que tais
complementos de aposentadorias e
pensões existam a título
previdenciário, exclusivamente.
Sabe-se que o Brasil tem hoje três
modalidades de regimes de previdência sendo duas públicas e obrigatórias e uma privada e
facultativa. As duas
primeiras, públicas e obrigatórias: a) o regime geral da previdência social (INSS) obrigatório para os trabalhadores da iniciativa privada, aos servidores dos
entes públicos que não tenham regimes
públicos próprios e aos empregados públicos; e b) o regime de previdência
destinados aos servidores titulares de cargos efetivos dos entes políticos (inclusive os mais de
2.000 municípios que criaram regimes próprios de previdência para seus
servidores). A terceira modalidade, regime
de previdência privada
complementar facultativo divide-se em duas subespécies: a) as operadas
por entidades abertas da previdência complementar (com fins
lucrativos); e b) as operadas
por entidades fechadas de previdência complementar sem fins lucrativos (fundos de pensão).
Não há outro sistema possível, inclusive para estados e
municípios (ver a clara redação do
art. 149, §1.º, da Constituição). Somente,
pois, pode-se entender a complementação recebida pelos associados da impetrante como benefícios previdenciários.
Estão inseridos no sistema previdenciário, este com
seus princípios e fontes de custeio,
como qualquer outros beneficiários de
tal sistema. Assim estabelece a Constituição da República,
no que interessa:
“Art. 40. Aos
servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é
assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário,
mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e
inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio
financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.
(...)
§ 3º Para o
cálculo dos proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão
consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do
servidor aos regimes de previdência de que tratam este artigo e o art. 201, na
forma da lei.
§ 4º É vedada
a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de
aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados,
nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:
I portadores
de deficiência;
II que
exerçam atividades de risco;
III cujas
atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a
integridade física.
§ 12 - Além
do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos
titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios
fixados para o regime geral de previdência social.
§ 13 - Ao
servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre
nomeação e exoneração bem como de outro
cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de
previdência social.
§ 14 - A
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que instituam
regime de previdência complementar para os seus respectivos servidores
titulares de cargo efetivo, poderão
fixar, para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime
de que trata este artigo, o limite máximo estabelecido para os benefícios do
regime geral de previdência social de que trata o art. 201.
§ 15. O regime de previdência complementar de
que trata o § 14 será instituído por lei de iniciativa do respectivo Poder
Executivo, observado o disposto no art. 202 e seus parágrafos, no que couber,
por intermédio de entidades fechadas de previdência complementar, de natureza
pública, que oferecerão aos respectivos participantes planos de benefícios
somente na modalidade de contribuição definida.
§ 16 -
Somente mediante sua prévia e expressa opção, o disposto nos §§ 14 e 15
poderá ser aplicado ao servidor que tiver ingressado no serviço público até a
data da publicação do ato de instituição do correspondente regime de
previdência complementar.
§ 18.
Incidirá contribuição sobre os proventos de aposentadorias e pensões concedidas
pelo regime de que trata este artigo que superem o limite máximo estabelecido
para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art.
201, com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de
cargos efetivos.
DA SEGURIDADE
SOCIAL
Art.
Parágrafo
único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade
social, com base nos seguintes objetivos:
I -
universalidade da cobertura e do atendimento;
II -
uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e
rurais;
III -
seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV -
irredutibilidade do valor dos benefícios;
V - eqüidade na forma de participação
no custeio;
VI -
diversidade da base de financiamento;
VII - caráter democrático e descentralizado da administração,
mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos
empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.
Art. 202. O regime de previdência privada, de
caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime
geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício
contratado, e regulado por lei complementar.
§ 1° A lei
complementar de que trata este artigo assegurará ao participante de planos de
benefícios de entidades de previdência privada o pleno acesso às informações
relativas à gestão de seus respectivos planos.
§ 2° As
contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas
nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência
privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à
exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos
participantes, nos termos da lei.”
O Colendo STF assim decidiu o tema da previdência social -- no
julgamento referente à Emenda n.º 41/03 -- (Informativo
STF-357):
'O Tribunal concluiu julgamento de
ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas pela Associação Nacional dos
Membros do Ministério Público - CONAMP e pela Associação Nacional dos
Procuradores da República - ANPR contra o art. 4º, da EC 41/2003, que impõe aos
servidores públicos aposentados e aos pensionistas, em gozo de benefícios na
data de publicação da referida Emenda, bem como aos alcançados pelo disposto no
seu art. 3º, a obrigação tributária de pagar contribuição previdenciária com
percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos
efetivos (...) Ressaltou-se,
inicialmente, que as contribuições
são tributos, sujeitas a regime
jurídico próprio, e cuja propriedade decorre da destinação constitucional das receitas e da submissão às finalidades
específicas estabelecidas pelo art. 149, da CF, do qual se extrai que as mesmas
podem ser instituídas pela União e pelos Estados e Municípios como instrumento
de atuação na área social. Daí, por força do disposto no art. 195, da CF, com a
redação da época da edição da EC 41/2003, a atuação estatal nas áreas da saúde,
previdência e assistência social, cujos
direitos são o conteúdo objetivo da seguridade social, deve ser custeada por
toda a sociedade, de forma
direta e indireta, nos termos da lei, por meio dos recursos provenientes
dos orçamentos dos entes federados e das contribuições sociais previstas nos
incisos I a III do referido artigo. Em
relação ao caput do art. 4º da EC 41/2003, as ofensas alegadas pelos
requerentes foram afastadas por estas razões: a) por serem as contribuições
espécie de tributo, não há como opor-lhes a garantia constitucional ao direito
adquirido: a.1) a norma que institui ou majora tributos incide sobre fatos
posteriores à sua entrada em vigor; a.2) não consta do rol dos direitos subjetivos inerentes à situação de servidor
inativo o de imunidade tributária absoluta dos proventos correlatos. Assim,
sendo a percepção de proventos de
aposentadorias e pensões fato
gerador da contribuição previdenciária (EC 41/2003, art. 4º, parágrafo único), não obstante a condição de
aposentadoria, ou inatividade, representar situação jurídico-subjetiva
sedimentada que, regulando-se por normas jurídicas vigentes à data de sua
consolidação, é intangível por lei superveniente no núcleo substantivo desse
estado pessoal, não se poderia conferir ao servidor inativo nem ao pensionista
verdadeira imunidade tributária
absoluta, sem previsão constitucional, quanto aos fatos geradores
ocorridos após a edição da EC 41/2003, observados os princípios constitucionais
da irretroatividade e da anterioridade (CF, art. 150, III, a e art. 195, §6º); b) o princípio constitucional de irredutibilidade
da remuneração dos servidores públicos não se estende aos tributos porque não
implica imunidade tributária; c) a utilização da percepção de proventos
como fato gerador da contribuição previdenciária não configura ‘bis in
idem’ de imposto sobre a renda: as
contribuições previdenciárias não constituem imposto. Para discerni-las, além
do fato gerador e da base de cálculo, há de se levar em consideração os fatores
distintivos constitucionais da finalidade da instituição e da destinação das
receitas (CF, arts. 149 e 195). Também não consubstancia bitributação o fato de as contribuições apresentarem a mesma
base de cálculo do imposto sobre a renda em relação aos inativos, haja vista a
existência de autorização constitucional expressa (CF, art. 195, II); d) a
contribuição instituída não se faz sem causa, razão por que não se há de
falar em confisco ou discriminação sob o fundamento de que "não atende aos
princípios da generalidade e da universalidade (art. 155, parágrafo 2º, I), já
que recai só sobre uma categoria de pessoas": d.1) a EC 41/2003 transmudou a natureza do
regime previdencial que, de solidário e distributivo, passou a ser meramente
contributivo e, depois, solidário e contributivo, por meio da previsão
explícita de tributação dos inativos, "observados critérios que preservem
o equilíbrio financeiro e atuarial", em face da necessidade de se resolver
o colapso havido no sistema, em decorrência, dentre outros fatores, da queda da
natalidade, do acesso aos quadros funcionais públicos, do aumento da
expectativa de vida do brasileiro e, por conseguinte, do período de percepção
do benefício; d.2) o sistema
previdenciário, objeto do art. 40 da CF nunca foi de natureza
jurídico-contratual, regido por normas de direito privado. O valor pago pelo
servidor a título de contribuição previdenciária nunca foi nem é prestação
sinalagmática, mas tributo destinado ao custeio da atuação do Estado na área da
previdência social; d.3) o regime previdenciário público visa garantir
condições de subsistência, independência e dignidade pessoais ao servidor idoso
por meio do pagamento de proventos da aposentadoria durante a velhice e, nos
termos do art. 195 da CF, deve ser custeado por toda a sociedade, de forma
direta e indireta, o que se poderia denominar princípio estrutural da
solidariedade; d.4) o regime previdenciário assumiu caráter contributivo para
efeito de custeio eqüitativo e equilibrado dos benefícios, sem prejuízo da
observância dos princípios do parágrafo único do art. 194 da CF:
universalidade, uniformidade, seletividade e distributividade,
irredutibilidade, equidade no custeio e diversidade da base de financiamento.
Assim, os elementos sistêmicos figurados no "tempo de contribuição",
no "equilíbrio financeiro e atuarial" e na "regra de
contrapartida" devem ser interpretados em conjunto com os princípios
supracitados; e) a cobrança, em si, da contribuição dos inativos não ofende o
princípio da isonomia: e.1) o advento da EC 41/2003 estabeleceu, em tese, a
existência de três grupos de sujeitos passivos distintos: os aposentados até a
data da publicação da Emenda (que se aposentaram com vencimentos integrais); os
que se aposentarão após a data de sua edição, mas que ingressaram no serviço
público antes dela (que, numa fase de transição, poderão aposentar-se com proventos
integrais, observadas as regras do art. 6º da EC 41/2003); os que ingressaram e
se aposentarão após a publicação da Emenda (que poderão, no caso do §14 do art.
40 da CF, sujeitar-se ao limite atribuído ao regime geral da previdência - CF,
art. 201 - e equivalente a dez salários mínimos); e.2) o fato de já estarem
aposentados à data da publicação da Emenda não pode retirar a responsabilidade
social pelo custeio, já que seu tratamento previdenciário é diverso do
reservado aos servidores da ativa; e.3) o caráter contributivo e solidário da
previdência social impede essa distorção, que implicaria ofensa ao princípio da
"equidade na forma de
participação de custeio" (CF, art. 194, IV). De outro lado, em
relação ao parágrafo único do art. 4º da norma impugnada, entendeu-se
configurada a violação ao princípio
da igualdade por estes fundamentos: a) o fato de alguns serem inativos ou pensionistas dos Estados, do DF ou
dos Municípios não legitima o tratamento diferenciado dispensado aos servidores
inativos e pensionistas da União, que se
encontram em idêntica situação jurídica; b) o fato de ter-se aposentado o
servidor antes ou depois da publicação da Emenda não justifica tratamento
desigual quanto à sujeição do tributo. Salientou-se que o parágrafo único do
art. 4º da EC 41/2003, ao criar exceção à imunidade prevista no §18 do art. 40
da CF, com a redação dada pela própria Emenda, faz exceção, da mesma forma, à
imunidade do inciso II do art. 195 da CF, aplicável, por extensão, aos
servidores inativos e pensionistas, por força da interpretação teleológica e do
disposto no §12 do art. 40 da CF ("Art. 40. Aos servidores titulares de
cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de
caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente
público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados
critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste
artigo.... §12. Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos
servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os
requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social....
§18. Incidirá contribuição sobre os proventos de aposentadorias e pensões
concedidas pelo regime de que trata este artigo que superem o limite máximo
estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que
trata o art. 201, com percentual igual ao estabelecido para os servidores
titulares de cargos efetivos."; "Art.
ADI 3.105/DF E ADI 3.128/DF, REL. ORIG. MIN.
ELLEN GRACIE, REL. P/ ACÓRDÃO
MIN. JOAQUIM BARBOSA, 18.8.2004 (ADI 3.105) (ADI 3.128)"
Assim, o sistema previdenciário, hoje,
implica na obrigatoriedade da
contribuição social.
Conclusão que o método lógico-sistemático de
interpretação, ao preconizar o
exame da lei em seu conjunto orgânico e no sistema jurídico vigente, faz reforçar. Sem
que se possa analisar as normas isoladamente, já que, "não
se pode conhecer, de modo algum, o Direito, levando em conta uma norma, senão
um sistema" (CELSO ANTÔNIO
BANDEIRA DE MELLO, “Considerações em
torno dos Princípios Hermenêuticos”, in
“RDP”, 21/143). Na interpretação das
leis, leciona CARLOS MAXIMILIANO, é "... dever do aplicador comparar e procurar
conciliar as disposições várias sobre o mesmo objeto, e do conjunto,
assim harmonizado, deduzir o sentido e alcance de cada uma"
(“Hermenêutica e Aplicação do Direito”, n.439, 9a. ed., pág. 356). Consoante PIERANDREI,
"le norme, una volta poste in essere
dalla loro fonte di produzione, non rimangono isolate l'una nei
confronti dell'altra, e como chiuse in la loro attribuire dalla fonte; invece
si inveriscono nel sistema complessivo,
e sono soggette alle influgenze che nei loro confronti viene ad exercitare
l'evoluzione dell'ordinamento, a seguito degli sviluppi della vita
sociale" (“Corte
Costituzionale”, Enciclopedia dell Diritto”, vol.I, 982).
E os Estados federados podem legislar sobre previdência
social, como fez o Estado de São
Paulo com o artigo 1.º da Lei 954/03, autorizado pela Constituição da
República e seguindo os princípios do
atual sistema previdenciário
pátrio, de caráter solidário:
“Art. 24.
Compete à União, aos Estados
e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
XII - previdência social, proteção e
defesa da saúde (...)
§ 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União
limitar-se-á a estabelecer normas gerais.
§ 2º - A
competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência
suplementar dos Estados.
§ 3º -
Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência
legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º - A
superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei
estadual, no que lhe for contrário.”
Lembre-se novamente que as
leis estaduais ns. 1.386/51 e 4.819/58 pretenderam equiparar a previdência dos
empregados públicos com a dos
(então chamados) funcionários públicos.[1] Hoje
os sistemas previdenciários são
apenas três e bem definidos
(supra); o princípio da solidariedade -- princípio geral da previdência social
-- indica que os aposentados devem suportar a
contribuição social, um tributo, nada mais.
Não se pode negar o caráter
previdenciário da complementação de
aposentadorias e pensões tratada nos autos,
extinta em 1974, mas ainda com beneficiários anteriores (e até posteriores, devido a decisões
judiciais), e sujeita à contribuição social.
Ora, ao
lado da contribuição de melhoria,
a Constituição da República
prevê a instituição de outras
contribuições. Como assente dizer, a
hipótese de incidência dessas contribuições está na atividade estatal indiretamente
referida ao obrigado, tendo por referência: a) a conseqüência ou efeito da
ação estatal, estabelecido o nexo que
vincula o obrigado à referida ação; ou
b) decorrência de situação ou atividade do obrigado que provoca ação estatal e estabelece o nexo entre
esta e aquele.
Tais tributos, espécies de
imposições vinculadas ao lado das taxas, têm como particularidade o fato
de a Constituição, apartando a chamada
'contribuição de melhoria', chamar de
'sociais' algumas delas, insinuando suas
hipóteses de incidência (art. 195, I, e §8.º) e no que concerne às demais, referir-se apenas às finalidades a que podem
atender. Tarefa magna ficou, pois, ao
legislador ordinário, que tem maior liberdade
para criá-las e definí-las, sendo que, evidentemente, deverá ater-se aos
pressupostos que a Constituição giza,
como por exemplo, fazer recair a base de cálculo no chamado elemento
intermediário e também na eleição
dos seus contribuintes, substancialmente diversos dos impostos e taxas.
Sem dúvida, devem receber os valores os aposentados
e pensionistas associados da impetrante, pela garantia do seu direito adquirido, mas
a Constituição não previu imunidade
tributária alguma para essa categoria de
cidadãos. Entendimento diverso
qual seja, o que nega o caráter previdenciário a esses
complementos de aposentadoria
levaria à falta de
fundamento constitucional para
as complementações, eis que não é dado à
Fazenda Pública efetuar
liberalidades.
Diante
do exposto, aguarda esta Procuradoria-Geral de Justiça o não conhecimento do
recurso extraordinário, ou então, alternativamente, caso seja conhecido, seu
não acolhimento, mantendo-se o v. acórdão recorrido por seus próprios e
adequados fundamentos.
São Paulo, 30 de junho de
2008.
MAURÍCIO AUGUSTO
GOMES
PROCURADOR DE JUSTIÇA
no exercício de
função delegada
Pelo
Procurador-Geral de Justiça
[1] Lei n.º 4.819/58. “Art. 1.º Fica criado o ‘Fundo de Assistência Social do Estado’ com a finalidade de conceder aos servidores das autarquias, das sociedades anônimas em que o estado seja detentor da maioria das ações e dos serviços industriais de propriedade de administração estadual, as seguintes vantagens já a concedidas aos demais servidores públicos: (...)
II – complementação das aposentadoria e concessão de pensões nos termos das leis 1.386/58 (...)”