Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 178.892-0/4-00

6ª Câmara de Direito Público

Apelante: (...)

Apelado: Superintendente do Instituto de Previdência Municipal de Praia Grande

Objeto: art. 83, § 3º, III da Lei Orgânica do Município de Praia Grande

 

Ementa:

1)Incidente de inconstitucionalidade. Art. 83, § 3º, III da Lei Orgânica do Município de Praia Grande.

2)Impossibilidade de instauração do incidente. Ausência de apreciação do recurso de apelação pelo órgão colegiado fracionário do tribunal (art. 481 caput do CPC).

3)Incidente de inconstitucionalidade. Cisão de competência para o julgamento da causa ou recurso. Competência do Pleno ou Órgão Especial limitada ao exame da quaestio iuris relativa à constitucionalidade da norma. Competência do órgão colegiado fracionário para (a) conhecer do recurso, (b) suscitar o incidente, e (c) prosseguir, após o julgamento do incidente pelo Pleno ou Órgão Especial, no julgamento do caso, aplicando o direito à espécie (art. 481 e 482 do CPC).

4)Impossibilidade de supressão do procedimento acima, sob pena de nulidade, por violação das regras mencionadas, e incompetência absoluta do Órgão Especial para o julgamento do recurso.

5)Parecer no sentido da não admissão do incidente, com devolução dos autos ao colegiado fracionário do tribunal.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

1)Relatório.

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade, suscitado pela 6ª Câmara de Direito Público desse E. Tribunal de Justiça de São Paulo, nos termos do v. acórdão de fls. 273/275, rel. Des. José Habice, proferido nos autos da apelação cível com revisão nº 658.750-5/4-00, na sessão de julgamento realizada em 10.11.2008.

Por força da referida decisão, foi remetido o feito a esse C. Órgão Especial, para apreciação quanto à possível inconstitucionalidade do art. 83, § 3º, III da Lei Orgânica do Município de Praia Grande.

O mandado de segurança foi proposto por Luiz Guapo e outros, sustentando que ao não aplicar o preceito legal acima referido, a autoridade coatora deixou de promover a elevação dos respectivos proventos e pensões, posto que os impetrantes são aposentados e pensionista, respectivamente.

Ao remeter o feito a esse C. Órgão Especial, a C. 6ª Câmara de Direito Público assentou que:

“O recurso não deve ser conhecido.

A matéria em questão – inconstitucionalidade de lei municipal – é de competência do Órgão Especial, nos termos do art. 177, inciso VI, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça.

Ante o exposto, determina-se a remessa dos autos ao Colendo Órgão Especial desse E. Tribunal de Justiça” (fls. 275).

É o relato do essencial.

2)Não admissão do incidente.

Como se sabe, o procedimento relativo ao incidente de inconstitucionalidade tem por escopo, em última análise, a observância da denominada “cláusula de reserva de plenário”, prevista no art. 97 da CR/88, pela qual “somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.

Essa regra define a competência funcional e absoluta do Tribunal (Pleno ou Órgão Especial), bem como o quorum mínimo para a deliberação, quando for o caso de reconhecimento de incompatibilidade entre determinado ato normativo e o texto constitucional.

Em razão disso é que o Código de Processo Civil estabelece o procedimento previsto nos seus art. 480 a 482.

Ocorre que o procedimento relativo ao incidente de inconstitucionalidade é dividido em três fases: (a) a primeira, com a manifestação do órgão colegiado fracionário, admitindo o recurso e determinando a instauração do incidente por vislumbrar a possibilidade de declaração da inconstitucionalidade do ato normativo; (b) a segunda perante o Tribunal ou respectivo Órgão Especial, para exame efetivo da questão constitucional; (c) a terceira, com o retorno dos autos ao órgão fracionário, para conclusão do julgamento do recurso, com aplicação do direito à espécie.

Isso é decorre expressamente do CPC, na medida em que: (a) o art. 481 caput prevê que se for acolhida, no órgão fracionário, a alegação de inconstitucionalidade, “será lavrado acórdão, a fim de ser submetida a questão ao tribunal pleno”; e (b) tratar o art. 482 e §§ do procedimento relativo ao julgamento do incidente no Tribunal Pleno ou Órgão Especial.

Esse sistema estabelece, nesse caso, o julgamento como um ato complexo, na medida em que o resultado final será formado pela manifestação de vontade de diferentes órgãos, todos eles com competência funcional e absoluta: (a) primeiro, a deliberação do colegiado fracionário, imprescindível à instauração do incidente; (b) depois, a deliberação do Tribunal, que se limita a examinar a quaestio iuris consubstanciada na discussão constitucional; (c) por último, o retorno dos autos com o acórdão relativo ao incidente ao colegiado fracionário, a quem caberá concluir o julgamento.

A supressão dessas fases, v.g. com declaração de inconstitucionalidade diretamente pelo órgão fracionário, ou julgamento do recurso pelo Tribunal Pleno diretamente, significa violação da regra procedimental, e, mais que isso, da regra de competência funcional e absoluta relativa ao julgamento complexo previsto para a hipótese nos art. 481 a 482 do CPC.

Esse é o ensinamento de José Carlos Barbosa Moreira (Comentários ao CPC, vol.V, 12ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2005, p. 42), para quem:

“(...) Ocorre uma cisão funcional da competência: ao plenário, ou ao ‘órgão especial’, caberá pronunciar-se sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade, e ao órgão fracionário, depois, decidir a espécie, à luz do que houver assentado quanto à prejudicial. Suspende-se, portanto, o julgamento do recurso ou da causa pelo órgão fracionário, sem prejuízo daquilo que já se tenha decidido independentemente da argüição.”

Entretanto, ressalta o mesmo autor que:

“Incumbe ao plenário ou ao ‘órgão especial’ pronunciar-se acerca da prejudicial de inconstitucionalidade da lei ou ato do poder público, ou da parte de uma ou de outro, a cujo respeito lhe houver sido submetida a argüição pelo órgão fracionário. O plenário (ou o ‘órgão especial’) não tem competência para manifestar-se sobre o que não haja sido acolhido na argüição (...) Da própria redação do art. 481, caput, 2ª parte, claramente ressalta que o acolhimento da argüição pelo órgão fracionário é pressuposto inafastável do conhecimento da questão pelo tribunal.”(obra citada, p. 46).

Acrescente-se que para o acolhimento da argüição é necessário que tenha sido admitido o recurso interposto, pois, sem a admissão deste, não é viável a instauração do incidente.

No mesmo sentido Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Código de Processo Civil comentado, 9ª ed., São Paulo, RT, 2006, p. 669, nota n. 2 ao art. 481 do CPC).

Essa solução – cisão funcional de competência, para formação de julgamento complexo – também tem sido reconhecida pelo E. STF. Confira-se, por exemplo, julgados recentes: AI 591.373-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18-9-07, DJ de 11-10-07; AI 577.771-AgR, Rel. Min. Celso De Mello, julgamento em 18-9-07, DJE de 16-5-08; RE 509.849-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 4-12-07, DJE de 1º-2-08.

Aliás, esse raciocínio, realizado de forma completa, reconhecendo a divisão de competências entre o órgão fracionário do Tribunal e o Pleno ou Órgão Especial, foi que acabou rendendo ensejo à edição da súmula vinculante nº 10 do E. STF.

Nesse contexto, em síntese, não deve ser admitida a instauração do incidente de inconstitucionalidade, devendo os autos ser devolvidos à C. 6ª Câmara de Direito Público, a fim de que seja apreciado e admitido o recurso de apelação, e, se for o caso, com pronunciamento da maioria de seus integrantes no sentido da eventual inconstitucionalidade da norma em debate, ser lavrado o acórdão.

Caso esse C. Órgão Especial se manifeste diretamente, julgando o próprio recurso de apelação – solução proposta pela i. Des. relator, ao remeter os autos a esse colegiado –, com a devida vênia, estará presente hipótese de nulidade do julgamento, por contrariedade ao disposto nos art. 480 a 482 do CPC.

Em síntese: são esses os fundamentos pelos quais se opina pelo não conhecimento do incidente, devolvendo-se os autos ao colegiado fracionário competente para a apreciação do recurso.

3)Conclusão.

Diante de todo o exposto, nosso parecer é no sentido do não conhecimento do incidente.

São Paulo, 09 de junho de 2009.

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

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