Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 179.144-0/9-00

Requerente: 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Objeto: inconstitucionalidade do § 2º do art. 262 do Código de Trânsito Brasileiro

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade. § 2º do art. 262 do Código de Trânsito Brasileiro. Liberação de veículo apreendido condicionada ao pagamento das despesas de estada e remoção. Inexistência de inconstitucionalidade. O tratamento jurídico a tributos e multas devidos pelo infrator inculca cobrança pela via executiva (se a tanto não bastar a administrativa) não se estende a despesas de estada e remoção, cuja exigência, como condição para liberação de veículo apreendido, não ofende o direito de propriedade nem o devido processo legal em toda a sua extensão, porque não tem como escopo o adimplemento daquelas senão o ressarcimento dos custos de serviço público.

 

Colendo Órgão Especial:

 

1.                A colenda 12ª Câmara de Direito Público do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo suscitou no julgamento de apelação interposta em face de sentença parcialmente concessiva em mandado de segurança incidente de inconstitucionalidade do § 2º do art. 262 do Código de Trânsito Brasileiro conforme venerando acórdão assim ementado:

Mandado de segurança – argüição incidental de inconstitucionalidade do § 2º, do art. 262, do Código de Trânsito Brasileiro – indevida vinculação da liberação do veículo ao prévio pagamento das ‘taxas’ de estadia e remoção – potencial violação do princípio da supremacia e unicidade da jurisdição, incisos XXXV e XXII, do art. 5º, da CF – vulneração do princípio da ampla defesa e da garantia da propriedade, concebidos pelos incisos XXII, LIV e LV, do mesmo art. 5.

Súmula Vinculante n° 10 – declaração INCIDENTAL de inconstitucionalidade, deve vir afirmada ou negada pelo Colendo Órgão Especial do E. Tribunal de Justiça (princípio da reserva de plenário) – suspensão do julgamento e remessa dos autos para análise da inconstitucionalidade reconhecida em tese” (AC 304.957-5/1-00, Campinas, Rel. Des. Venício Sales, v.u., 21-01-2009 – fls. 144/164).

2.                O art. 262 do Código de Trânsito Brasileiro assim dispõe:

“Art. 262. O veículo apreendido em decorrência de penalidade aplicada será recolhido ao depósito e nele permanecerá sob custódia e responsabilidade do órgão ou entidade apreendedora, com ônus para seu proprietário, pelo prazo de 30 dias, conforme critério a ser estabelecido pelo CONTRAN.

§ 1º. No caso de infração que seja aplicável a penalidade de apreensão do veículo, o agente de trânsito deverá, desde logo, adotar a medida administrativa de recolhimento do Certificado de Licença Anual.

§ 2º. A restituição dos veículos apreendidos só ocorrerá mediante o prévio pagamento das multas impostas, taxas e despesas com remoção e estada, além de outros encargos previstos na legislação específica”.

3.                Como se verifica, a restituição do veículo apreendido está condicionada ao prévio pagamento de multas, impostos, taxas e despesas com remoção e estada, além de outros encargos previstos em legislação específica.

4.                Segundo o venerando acórdão, o condicionamento da liberação do bem ao adimplemento das despesas com remoção e estada já teve sua inconstitucionalidade declarada, em argüição igualmente incidental, pelo colendo Órgão Especial do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, e, ademais, com “o propósito de forçar o pagamento de multa e taxas, tem o preciso sentido de cobrança coercitiva, que somente poderia ser desenvolvida pelo Poder Judiciário” (fl. 164).

5.                Em torno do assunto, a jurisprudência orienta-se por expressar que “na hipótese de veículos apreendidos, o art. 262, § 2º, do CTB autoriza o agente público a condicionar a restituição ao pagamento da multa e dos encargos, previsão legal que inexiste para os veículos somente retidos” (STJ, AgRg no REsp 1.065.543-RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, 16-10-2008, v.u., DJe 06-11-2008), bem como que “é firme o entendimento de ambas as Turmas que compõem a Primeira Seção desta Corte no sentido de que, na hipótese de apreensão do veículo como modalidade autônoma de sanção prevista no art. 262 caput e parágrafos do CTB, é possível condicionar a restituição do automóvel ao pagamento da multa e demais despesas decorrentes da apreensão” (STJ, REsp 797.473-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 04-09-2008, v.u., DJe 06-10-2008), “desde que as infrações tenham sido aplicadas regularmente” (STJ, AgRg no REsp 999.788-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, 08-04-2008, v.u., DJe 08-05-2008).

6.                A espécie foi bem sumariada nas ementas a seguir transcritas:

“1. O enunciado 127 da súmula desta Corte dispõe que é ilegal a exigência do pagamento de multas como condição para restituição do veículo ao proprietário, exceto se houver a devida notificação das infrações.

2. Notificado o infrator, é legítima a exigência do pagamento da multa e demais despesas decorrentes da apreensão do veículo como condição para a sua devolução ao proprietário infrator, consoante disciplina o art. 262, § 2º, do Código de Trânsito Brasileiro” (STJ, REsp 996.315-RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, 18-03-2008, v.u., DJe 01-04-2008).

1. A autoridade de trânsito não pode exigir, como condição para liberar veículo apreendido, o pagamento de multas das quais o interessado ainda não tenha sido notificado, em razão da garantia do devido processo legal e da ampla defesa. Entretanto, se as multas em cobrança já foram devidamente notificadas, abrindo-se ao infrator a possibilidade de defesa, nada impede que a autoridade condicione a liberação do veículo à respectiva quitação” (STJ, REsp 965.338-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, 11-09-2007, v.u., DJ 25-09-2007, p. 231).

7.                Esse entendimento manifesta a exigência da observância de formalidade essencial consistente na prévia notificação do proprietário para quitação das multas e despesas com remoção e estada de veículo apreendido, sem perder de mira o assentamento de que a apreensão pode constituir modalidade autônoma de sanção e que, de outra banda, a hipótese normativa do § 2º do art. 262 não se aplica a veículo retido, como já historiado acima.

8.                A auto-executoriedade do ato administrativo é prevista expressamente nesse dispositivo legal, exigente, todavia, do respeito ao due processo of law.

9.                Questiona o acórdão prolatado pela colenda Turma Julgadora exatamente a pertinência constitucional da exigência, salientando, em suma, a necessidade de intervenção judiciária para privação da propriedade, pois, a Administração Pública para se ressarcir das despesas com estada e remoção deve promover a inscrição do débito na dívida ativa e executá-lo na forma da Lei n. 6.830/80.

10.              Ora, o que seria vedado, em linha de princípio, seria o poder público utilizar a conditio iuris referente às despesas de remoção e estada como meio indireto para o administrado solver obrigações tributárias e multas por infração de trânsito. Neste sentido, asseverou o eminente Ministro Castro Meira que:

“O art. 262, § 2º, do CTB, dispositivo sobre o qual paira presunção de constitucionalidade, já que não foi, pelo menos até o momento, declarado inconstitucional pela Suprema Corte, dispõe que ‘a restituição dos veículos apreendidos só ocorrerá mediante o prévio pagamento das multas impostas, taxas e despesas com remoção e estada, além de outros encargos previstos na legislação específica’.

O Superior Tribunal de Justiça, por meio de interpretação conforme a Constituição Federal, entende que a autoridade de trânsito não pode exigir o pagamento de multas das quais o interessado ainda não foi notificado, em razão da garantia do devido processo legal e da ampla defesa. Entretanto, se as multas em cobrança já foram devidamente notificadas, restando escoado o prazo para defesa, nada impede que a autoridade de trânsito condicione a liberação do veículo à respectiva quitação” (STJ, REsp 965.338-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, 11-09-2007, v.u., DJ 25-09-2007, p. 231).

 

11.              Não desalinha desta compreensão precedente desse colendo Órgão Especial que, direta ou indiretamente, abordou o tema:

“Ressalve-se, contudo, que a multa tem caráter punitivo, e não se confunde com as despesas de remoção e estadia. O reembolso destas últimas (quando previstas) pode ser exigido de imediato, no ato da liberação, firmando-se a jurisprudência no sentido de que a Administração só pode condicionar a liberação do veículo ao pagamento das despesas com remoção e estadia. Diversamente, quanto às multas, a cobrança deve se dar pelas vias próprias (Apelações Cíveis ns. 262.674-1/0, rel.. Des. ANTÔNIO VILLEN; 80.108-5/7, rel.. Des. TOLEDO SILVA; 257.831-1/7, rei. Des. JOSÉ SANTANA; 265.250-1, rel. Des. JACOBINA RABELLO; 226.004-1, rei. Des. TOLEDO CÉSAR)” (ADI 163.824-0/0-00, Rel. Des. Paulo Travain, m.v., 15-10-2008).

 

12.              Pondero que a exigência tem relação com o custo da execução de serviço público, divisível e específico, e não pelo exercício da polícia administrativa, razão pela qual se o tratamento jurídico a tributos e multas devidos pelo infrator inculca cobrança pela via executiva (se a tanto não bastar a administrativa) não se estende a essas despesas, cuja exigência, como condição para liberação de veículo apreendido, não ofende o direito de propriedade nem o devido processo legal em toda a sua extensão, porque não tem como escopo o adimplemento daquelas senão o ressarcimento dos custos de serviço público.

 

13.              Opino pelo desacolhimento do incidente de inconstitucionalidade.

 

         São Paulo, 08 de junho de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

        - Assuntos Jurídicos -

 

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