INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE

 

 

Autos n. 179.396-0/8-00

Suscitante: Sexta Câmara de Direito Público

Leis impugnadas: 3.270/99 e 3.505/00 do município de Americana

 

 

Incidente de inconstitucionalidade.   1) Lei que permite o fechamento de loteamento aberto.   Impossibilidade.  Afronta ao art.180, inc.II da Constituição Estadual.   Inconstitucionalidade constatada.   2) Lei que regulamenta o loteamento criado originariamente fechado.   Possibilidade.   Constitucionalidade verificada.

 

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

Colendo Órgão Especial

 

                           

         Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado quando do julgamento da Apelação Cível n. 282.268-5/9-00, em que é apelante (...) e apelado Prefeito Municipal de Americana.

         Ocorre que, iniciado o julgamento da apelação, foi questionada a validade jurídico-constitucional das Leis ns. 3.270/99 e 3.505/00 daquele município.

         Por força de ser considerada prejudicial à questão da eventual inconstitucionalidade, bem como por força do princípio da reserva de plenário esculpido no art. 97 da Lei Maior, suscitou-se o incidente de inconstitucionalidade previsto nos arts. 480/482 do CPC.

         Sustenta a apelada que referidos diplomas não trazem qualquer inconstitucionalidade.

         Este é o breve relato do que consta dos autos.

         Com a advertência de que o parecer se restringe à questão prejudicial, tem-se que a Lei n. 3.505/00 é contaminada pela inconstitucionalidade, ao passo que o mesmo não ocorre com a Lei n. 3.270/99, como a seguir se verá.

         A questão pontual que toca à verificação da constitucionalidade das duas normas é relativa ao momento da criação do loteamento fechado.

         Na Ação Direta de Inconstitucionalidade de lei que tomou o n. 87.654.0/0, movida pela Procuradoria Geral de Justiça contra o Presidente da Câmara Municipal de Jundiaí e outro, reconheceu-se no V. Acórdão que:

“Indiscutível é a possibilidade de criação originária de loteamento fechado ‘em terreno onde não houver edificação’ (Lei n. 4.591, de 16.12.64, art. 8º, R.T 691/98, 645/166 e 734/466)”

         Este é o entendimento hodiernamente pacífico, qual seja, o de que é perfeitamente possível que seja criado um loteamento fechado, desde que esta característica o acompanhe desde o nascedouro.   O loteamento há de ter originariamente a forma de fechado.   Um condomínio fechado.

         Por outro lado, não é possível o fechamento de um loteamento aberto.   Se for editada lei para regularizar o fechamento de tal espécie de parcelamento do solo para fins urbanos, o diploma se ressentirá, inexoravelmente, da inconstitucionalidade.

         Esta fórmula resolve a questão dos dois diplomas legais em foco.

         A Lei n. 3.270/99 do município de Americana regulamenta, a partir do artigo 48, o loteamento fechado, que é o interessante, para os fins do que ora se questiona, em cujo “caput” se lê:

 Considera-se loteamento fechado o parcelamento do solo realizado em área fechada, podendo ter o seu acesso controlado, porém não impedido, por associação dos proprietários do loteamento, constituída sob forma de pessoa jurídica.   Para fins de aprovação e registro, conceitua-se o loteamento fechado como a subdivisão de gleba em lotes destinados à edificação, com abertura de novas vias de circulação e/ou prolongamento de vias existentes, assim como de logradouros públicos, devendo a gleba ser fechada no todo ou em parte do seu perímetro, de modo a permitir o controle de acesso à parte fechada, cabendo aos proprietários o custeio da manutenção das obras e dos serviços urbanos realizados nessa área.”   original sem grifos e saliências

         Portanto, no que toca a este pormenor, a própria lei já impõe que o loteamento fechado nasça com esta característica, ao prever que seja “realizado em área fechada”.

         Quanto às demais disposições relativas a esta forma de constituição de loteamento fechado nada de relevo se verifica que colidisse com qualquer norma superior, quer de ordem constitucional, quer infraconstitucional federal ou estadual.

         Daí a conclusão de que a Lei n. 3.270/99 do município de Americana é constitucional, ao menos no que tange ao assunto em pauta.

         Por outro lado, o mesmo não ocorre com a Lei n. 3.505/00 da mesma localidade.

         Este é o texto do aludido diploma legal:

“Artigo 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a aprovar e regularizar como Loteamento Fechado o Plano de Loteamento denominado ‘Loteamento Fechado Residencial Portal dos Nobres I’, localizado na Estrada Intermunicipal Americana Nova Odessa, no Bairro da Lagoa, nesta cidade, compreendendo a área superficial total de 290.000,00 m², consubstanciado no procedimento administrativo PMA nº 22.861, de 14 de junho de 2000 e Processo CM nº 221, de 07 de dezembro de 2000.

Artigo 2º - As vias públicas e as áreas destinada ao sistema de lazer do loteamento de que trata o artigo 1º serão objeto de permissão de uso outorgada à associação dos proprietários, obedecido o disposto no artigo 50 e seguintes da Lei Municipal nº 3.270, de 15 de novembro de 1999.”

         A lei em tela autoriza o Poder Executivo a aprovar a regularização de um loteamento fechado, criado originariamente aberto, o que afronta o art.180, VII da Constituição Estadual, assim redigido:

“No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:

 

VII - as áreas definidas em projeto de loteamento como áreas verdes ou institucionais não poderão, em qualquer hipótese, ter sua destinação, fim e objetivos originariamente estabelecidos alterados.”

 

Portanto, lícita não é a legislação que venha, em sentido diametralmente oposto ao regramento constitucional, permitir que se altere a destinação de áreas institucionais, arruamentos e demais aparelhamentos urbanos, para, com o fechamento do loteamento, beneficiar pequena parcela da sociedade, em detrimento de toda comunidade, que ficará subtraída do uso de tais bens de uso comum, além de, no caso do arruamento, terá cerceado seu direito de livre trânsito.

Veja-se que nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 087.654.0/0-00, proposta por esta Procuradoria Geral de Justiça, foi o pedido julgado procedente e o julgado restou assim ementado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI – Loteamento de forma fechada – adoção para loteamento já existente – Impossibilidade – Transgressão à regra do artigo 180, VII, da Constituição Estadual.

“Considera-se ofensivo ao artigo 180, VII, da Constituição do estado dispositivo de lei municipal que autoriza a formação de loteamento fechado para o loteamento já existente, de modo que possa ocorrer o desvirtuamento das funções das áreas verdes ou institucionais especificadas no projeto original do loteamento.”

 

         Mais uma vez, ressalte-se que o artigo 180, VII, da Constituição Estadual impede alteração da destinação, do fim e dos objetivos das áreas de loteamentos consideradas verdes ou institucionais, integradas ao domínio público do município (cf. Dec-lei nº 271, de 28.2.67, art.4º; Lei nº 6.766/79, art.22; R.T. 600/67, 615/89 e 755/189), que devem estar ao dispor da coletividade.     Todos estes bens possuem utilidade pública inerente à sua existência e utilização.   E por isso não se concebe que sejam objeto de cessão ao uso privado.   Devem estar sob o domínio de entidades públicas e num regime em que seja permitido o seu destino (MARCELO CAETANO, Princípios Fundamentais do Direito Administrativo, 2ª Edição, n. 181, págs. 412/413).

         Ocorreria, no caso, desafetação de bens públicos juridicamente inalienáveis (Código Civil de 1916, art.67; Código Civil de 2002, art.100).

         Por tudo quanto exposto, o parecer é pela parcial procedência da ação, com a declaração de inconstitucionalidade tão somente da Lei n.3.505/00 do município de Americana.

São Paulo, 18 de junho de 2009.

 

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

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