Parecer em incidente de Inconstitucionalidade

Autos nº. 180.881-0/4

Suscitante: 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

Objeto: art. 2º da Lei Complementar Estadual nº 899/2001

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade do art. 2º da Lei Complementar Estadual nº 899/2001, que institui a “Gratificação de Suporte à Atividade Penitenciária” – GSAP. Caráter genérico da vantagem incompatível com o conceito de gratificação. Aumento vencimental disfarçado. Expressões “a Gratificação de Suporte à Atividade Penitenciária – GSAP não se incorporará aos vencimentos e salários para nenhum efeito” e “não será considerada para o cálculo de quaisquer vantagens pecuniárias”, contidas no art. 2º, incompatíveis com o art. 37, XV, da Constituição Federal e com o art. 129 da Constituição do Estado. Parecer pela declaração da inconstitucionalidade parcial da norma questionada.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

(...) E OUTROS, Agentes de Segurança Penitenciária do Estado de São Paulo, em exercício, ajuizaram ação ordinária em face da FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, pleiteando a incorporação da Gratificação de Suporte à Atividade Penitenciária – GSAP aos vencimentos mensais, com o recálculo das demais vantagens pecuniárias e o pagamento das diferenças pagas a menor nos últimos anos, com a declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 2º da Lei Complementar Estadual nº 899/2001, nas partes em que estabelece que “a Gratificação de Suporte à Atividade Penitenciária – GSAP não se incorporará aos vencimentos e salários para nenhum efeito” (por ofensa ao art. 37, inc. XV, da Constituição Federal) e que “não será considerada para o cálculo de quaisquer vantagens pecuniárias” (por violar o artigo 129 da Constituição Estadual).

Pela r. Sentença de fls. 188/190, a ação foi julgada improcedente.

Os autores, inconformados com a Decisão monocrática, interpuseram apelação (fls. 195/200).

O recurso foi regularmente processado, com contra-razões a fls. 207/214, sendo distribuído à Colenda 9ª. Câmara de Direito Público.

O v. Acórdão de fls. 223 determinou a suspensão do julgamento da apelação, para que, em atenção à cláusula da reserva de Plenário (Súmula vinculante nº 10), o E. Órgão Especial se pronuncie sobre a constitucionalidade do art. 2º da Lei Complementar nº 899/2001, nas partes destacadas.

Este é resumo do que consta dos autos.

A Gratificação de Suporte à Atividade Penitenciária – GSAP foi criada pela Lei Complementar nº 899/2001 e, nos termos do art. 1º, beneficia todos os integrantes da carreira de Agente de Segurança Penitenciária em efetivo exercício.

O art. 2º da mesma lei estabelece que “a Gratificação de Suporte à Atividade Penitenciária - GSAP não se incorporará aos vencimentos e salários para nenhum efeito, bem como não será considerada para cálculo de quaisquer vantagens pecuniárias, exceto no cômputo do décimo terceiro salário, nos termos do § 1º do artigo 1º da Lei Complementar nº 644, de 26 de dezembro de 1989, e do acréscimo de 1/3 (um terço) das férias”.

Nos estreitos limites deste incidente, esse artigo deve ser cotejado com as seguintes dispositivos das Constituições Federal e Estadual:

Art. 37, XV, CF: “o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)”.

Art. 129, CE: “ao servidor público estadual é assegurado o percebimento do adicional por tempo de serviço, concedido no mínimo por qüinqüênio, e vedada a sua limitação, bem como a sexta-parte dos vencimentos integrais, concedida aos vinte anos de efetivo exercício, que se incorporarão aos vencimentos para todos os efeitos, observado o disposto no art. 115, XVI, desta Constituição”.

Depreende-se da lei estadual que a Gratificação de Suporte à Atividade Penitenciária – GSAP foi instituída em caráter geral. Todos os integrantes da carreira em efetivo exercício passaram a percebê-la, independentemente da função exercida.

Essa abrangência revela que a GSAP tem a natureza de vencimentos e não de gratificação.

Gratificações são, para a doutrina, a “retribuição de um serviço comum prestado em condições especiais”.

Cuidam-se de “vantagens pecuniárias atribuídas precariamente aos servidores que estão prestando serviços comuns da função em condições anormais de segurança, salubridade ou onerosidade (gratificações de serviço), ou concedidas como ajuda aos servidores que reúnam as condições pessoais que a lei especifica (gratificações especiais). As gratificações – de serviço ou pessoais – não são liberalidades puras da Administração; são vantagens pecuniárias concedidas por recíproco interesse do serviço e do servidor, mas sempre vantagens transitórias, que não se incorporam automaticamente ao vencimento, nem geram direito subjetivo à continuidade de sua percepção. Na feliz expressão de Mendes de Almeida, ‘são partes contingentes, isto é, partes que jamais se incorporam aos proventos, porque pagas episodicamente ou em razão de circunstâncias momentâneas’” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 1998, p. 396/397).

No caso dos autos, o benefício instituído não se enquadra no conceito de gratificação.

É disfarçado aumento vencimental que, como tal, sofre a incidência do art. 37, inc. XV, da Constituição Federal e do art. 129 da Constituição do Estado.

Essa tem sido a orientação do STF, inclusive em relação à gratificação ora estudada, como demonstra recentíssimo Acórdão:

Trata-se de recurso extraordinário, com fundamento na alínea “a” do inciso III do art. 102 da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 2. Da leitura dos autos, observo que o Tribunal de origem negou aos recorrentes – pensionistas de ex-servidores públicos falecidos - a percepção das seguintes vantagens: Gratificação de Assistência e Suporte à Saúde - GASS, instituída pela Lei Complementar paulista nº 871/2000; Gratificação de Suporte às Atividades Escolares - GSAE, instituída pela Lei Complementar paulista nº 872/2000; Gratificação por Atividade de Polícia – GAP, instituída pela Lei Complementar paulista nº 873/2000; Gratificação por Trabalho Educacional – GTE, instituída pela Lei Complementar paulista nº 874/2000; Gratificação de Suporte Administrativo – GASA, instituída pela Lei Complementar paulista nº 876/2000 e Gratificação de Suporte à Atividade Penitenciária – GSAP, instituída pela Lei Complementar paulista nº 898/2001. Isso por entender que se trata de vantagens devidas exclusivamente a servidores ativos. 3. Pois bem, os recorrentes apontam violação ao § 8o do artigo 40 da Constituição Federal de 1988. 4. Tenho que o apelo extremo merece acolhida. Isso porque o aresto impugnado destoa da jurisprudência desta Corte. 5. Com efeito, ao examinar casos semelhantes ao presente, também oriundos de São Paulo e com o mesmo objeto, o Supremo Tribunal Federal assentou o caráter genérico das gratificações em comento. Daí a sua extensão aos inativos e pensionistas, por força do § 8o do artigo 40 da Lei Maior. 6. No mesmo sentido: AI 432.584-AgR, da relatoria do ministro Sepúlveda Pertence, AI 505.221-AgR, da relatoria do ministro Cezar Peluso, AI 599.582 da relatoria do ministro Gilmar Mendes e REs 510.576 e 523.022 de minha relatoria. Isso posto, e frente ao § 1º-A do art. 557 do CPC, dou provimento ao recurso. Ficam invertidos os ônus da sucumbência. Publique-se. Brasília, 30 de outubro de 2008 (RE 575899 – SP, rel. MIN. CARLOS BRITTO).

Os fundamentos da Corte Constitucional, mutatis mutandis, ajustam-se à hipótese em análise e revelam a inconstitucionalidade das expressões “a Gratificação de Suporte à Atividade Penitenciária – GSAP não se incorporará aos vencimentos e salários para nenhum efeito” e “não será considerada para o cálculo de quaisquer vantagens pecuniárias”, contidas no art. 2º da Lei Complementar Estadual nº 899/2001.

Diante do exposto, o parecer é pela declaração da inconstitucionalidade parcial da Lei Complementar (Estadual) nº 977/2005.

 

São Paulo, 20 de julho de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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