Parecer
Autos nº. 181.213-0/4-00
Suscitante: 8ª. Câmara de Direito Público
Objeto: Lei Municipal n. 1.226/98, de São Sebastião
Ementa: 1) Lei Municipal n. 1.226/98, de São Sebastião, que concede aumento de remuneração aos ocupantes de cargos, funções ou empregos públicos da administração direta e autárquica. 2) Lei de iniciativa parlamentar. 3) Vício de iniciativa constatado. 4) Parecer pela decretação da inconstitucionalidade.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se
de Acórdão proferido pela Colenda Oitava Câmara de Direito Público do Egrégio
Tribunal de Justiça, no julgamento da Apelação Cível n. 189.386-5/9-00, que
determinou a remessa dos autos, para distribuição, ao Excelso Órgão Especial.
Ocorre
que o Acórdão vislumbrou a inconstitucionalidade por vício de iniciativa e, por
força da Súmula Vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal, determinou a
remessa dos autos para serem distribuídos perante o Órgão Especial do Egrégio
Tribunal de Justiça.
É
o breve relatório.
Com
a advertência de que o parecer se restringe à questão prejudicial, tem-se que é
inconstitucional a legislação impugnada.
Vejamos:
A
Lei em questão deriva de projeto parlamentar.
E através da
legislação em exame concedeu-se aumento de remuneração aos ocupantes
de cargos, funções ou empregos públicos da administração direta e autárquica.
Contudo,
referido dispositivo torna-se inconstitucional
por contrariar os artigos 5.º, 24
e §§ e 144, da Constituição do Estado de
São Paulo eis que contém evidente vício
de iniciativa. A dicção de tais
dispositivos é a seguinte:
"Art.
5.º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Art.
24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro
ou Comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de
Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos
previstos nesta Constituição.
§2.º
- Compete, exclusivamente, ao Governador
do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:
(...)
1
- criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração
direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;
(...)
4
- servidores públicos do Estado, seu
regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de
civis, reforma e transferência de
militares para a inatividade;
Art.
144 - Os Municípios, com autonomia
política, legislativa, administrativa e financeira se auto organizarão por Lei
Orgânica, atendidos os princípios
estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição."
A lei em
questão trata indiscutivelmente do regime do regime jurídico-remuneratório de servidores públicos -- concede
aumento de remuneração aos ocupantes de cargos, funções ou empregos públicos da
administração direta e autárquica.
O dispositivo da Constituição Paulista
anteriormente citado repete o artigo 61, § 1º, II, “c”, da Constituição
Federal, que conferiu ao Presidente da República a iniciativa privativa das leis que disponham sobre os servidores
públicos federais e seu regime jurídico. Trata-se de questão relativa ao
processo legislativo, cujos princípios são de observância obrigatória pelos Municípios, em face do artigo 144, da
Constituição do Estado.
Com efeito, as regras de fixação de competência
para a iniciativa do processo legislativo têm como corolário o princípio da separação dos poderes, que
nada mais é do que o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado,
definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas
entre esses mesmos órgãos (cf. Manoel
Gonçalves Ferreira Filho, em “Do Processo Legislativo”, ed. Saraiva, pp.
111/112).
E o processo legislativo estabelecido pela
Constituição do Estado (em norma repetida da Constituição Federal) prevê que,
na criação de leis que tratem de servidores públicos e seu regime
jurídico-remuneratório, a iniciativa é
privativa do chefe do Poder Executivo. Isso porque, sendo a matéria
referente aos servidores públicos de interesse preponderante desse Poder, é
importante que a ele se reserve a iniciativa de leis que tratem dessa matéria.
Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho
“o aspecto fundamental da iniciativa reservada está em resguardar a seu titular
a decisão de propor direito novo em matérias confiadas à sua especial atenção,
ou de seu interesse preponderante” (ob. cit., p. 204).
Desatendida essa exclusividade, como no caso em
exame, fica patente a inconstitucionalidade,
em face de vício de iniciativa.
Sobre isso, ensinou Hely Lopes Meirelles
que se “a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses
projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao Prefeito
vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas
e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam de vício
inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais
inerentes às suas funções, como não pode delegá-las aquiescer em que o Legislativo
as exerça” (em “Direito Municipal Brasileiro”, 7º ed., 1990, págs.
544/545).
Assim decidiu o Colendo Supremo Tribunal Federal,
'verbis':
Por ofensa
ao art. 61, § 1º, II, a, da CF -
que atribui com exclusividade ao chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis
que disponham sobre aumento da remuneração de servidores públicos -, o Tribunal
julgou procedente o pedido formulado na inicial de ação direta ajuizada pelo
Governador do Distrito Federal para declarar a inconstitucionalidade da Lei 1.007/96,
de iniciativa da Câmara Legislativa do DF, que previa a concessão de reajuste
aos servidores públicos locais observados, no mínimo, os percentuais concedidos
aos servidores federais. ADIn 1.438-DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 5.9.00.
Informativo STF n.º 280.
Esta Alta Corte de Justiça
estadual também assim entende, vide ADin
n.º 62.726-0/7, São José do Rio Pardo,
Rel. Des. Paulo Shintate, j. em 09.08.00:
“Lei
n. 2.291, de 22 de março de 1999, do Município de São José do Rio Pardo. Lei
decorrente de projeto de iniciativa do Legislativo, aprovado pela Câmara,
vetado integralmente pelo Prefeito, e mediante rejeição do veto, transformada
em lei e promulgada pela presidente da edilidade. Lei que regula a forma que
deve ser atendida nas promoções de servidores municipais. Matéria cuja
legislação está reservada à iniciativa privativa do Chefe do Executivo.
Violação do § 2º, do artigo 24, da Constituição do Estado, e do artigo 144, da
mesma Constituição. Procedência da ação.”
Segundo JOSÉ
ADÉRCIO LEITE SAMPAIO (A Constituição Reinventada pela Jurisdição Constitucional,
Del Rey, p. 490 e ss.) o Poder Legislativo:
"...não deve imiscuir-se na
programação financeira da Administração
Pública, através da definição de
política remuneratória do pessoal (Supremo Tribunal Federal. Pleno. ADInMC
n. l .381-AL. Rel. Min. Celso de Mello - ISTF 16), da obrigação de se proceder à atualização de proventos
(Supremo Tribunal Federal. Pleno. ADInMC n. l .478-SC. Rel. Min. Sydney
Sanches. DJ de 22/11/1996, p. 45.686), ou vencimentos dos servidores, elegendo
o índice a ser utilizado (Supremo Tribunal Federal. Pleno. ADTnMC n. 541-PB.
Rel. Min. Marco Aurélio. RTJ. 140, t.1, p. 26;
ADInMC n. 840-AM. Rel. Min. Paulo Brossard. RTJ\. 146, p. 487; ADInMCn.
I.475-DF. Rel. Min. Octavio Gallotti. RTJ v. 161, t. 2, p. 457), ou corrigindo tabelas existentes (Supremo Tribunal
Federal. Pleno. ADInMC n. 973-AP. Rel. Min. Celso de Mello. DJ de 1/2/1994, p. 395; ADInMC n. l
.304-SC. Rel. Min. Maurício Corrêa. RTJv.
158, t. 3, p. 795), definindo data-base (Não pode lei ordinária vincular a
iniciativa do Presidente da República, para proposição do reajuste, "pois,
neste caso, estaria contornando aquela prerrogativa que a Constituição Federal,
no art. 61, § l.°, II, a, outorgou exclusivamente ao Chefe do Poder
Executivo": Pleno. MS n. 22.689-CE. Rei. Min. Octavio Gallotti. RTJv. 164, t. 2, p. 591-593. "A lei que
instituiu a data-base (Lei n.
7.706/88) e as outras que a repetem não são normas auto-aplicáveís no sentido
de que obriguem o Chefe do Poder Executivo Federal a expedir estendendo aumento
de uma categoria Rel. Min. Marco Aurelio. DJ
de 14/8/1992, p. 12.224; permitindo a contagem de tempo de serviço para
efeito de aposentadoria, de modo a levar-se em conta, proporcionalmente, o
período em que o servidor prestou serviços sob o regime de aposentadoria
especial), a outras (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Pleno. ADInMC n. l.
127-RN. Rel. Min. Francisco Rezek. RTJv.
155, t. 3, p. 771; ADInMC n. l. 196-RO. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. DJ de 24/3/1995, p. 6.804. Também na
equiparação feita pelo Tribunal de Contas estadual de seus auditores aos do
Tribunal de Contas do Município: ADInMC n. l .249-AM. RTJv. 155, t. 2, p. 477; e mérito: DJ de 20/2/1998, p.
13), reconhecendo isonomia (Pelo Tribunal
de Contas do Estado do Amazonas, que assegurara aos auditores assistentes do
referido Tribunal a isonomia de vencimentos com os ocupantes do
mesmo cargo no Tribunal de Contas dos
Municípios, por afronta ao art. 61, § l.°, II, a, da CF, que confere ao Presidente da República e, por força do
disposto no art. 25, caput, da
CF, também aos Governadores de Estado, a iniciativa privativa das leis que
disponham sobre "criação de cargos, funções ou empregos públicos na
administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração". ADIn n.
l .249-AM. Rel. Min. Maurício Corrêa. DJ
l de 20/2/1998, p. 13) e equiparação (Equiparando procurador do Estado e
procurador de autarquias: ADInMC n. l .434-SP. Rei. Min. Celso de Mello. DJ
22/11/1996, p. 45.684), garantindo
pagamento do valor de um vencimento integral aos ocupantes de cargos em
comissão, quando exonerados, se não forem titulares de outro cargo ou função
pública (Supremo Tribunal Federal. Pleno. ADInMC n. 182-RS. Rei. Min. Sydney
Sanches. DJ de 14/12/1990, p. 15.108; ADInMC n. 199-PE. Rel. Min.
PauloBrossard. DJ de 30/3/1990, p. 2.339; aqui também se suspendeu a eficácia
de normas que asseguravam conversão em dinheiro de parte das férias e
licença-prêmio. Mérito: DJ de
7/8/1998, p. 19), ou a incorporação de suas vantagens pecuniárias (Supremo
Tribunal Federal. Pleno. ADInMC n. 843-MS. Rel. Min. Ilmar Galvão. DJ de 28/4/1993, p. 7.378), e sua definição
como vantagem individual (Supremo Tribunal Federal. Pleno. ADInMC n. l .353-RN.
Rei. Min. Maurício Corrêa. DJ de 22/8/1997, p. 38.759), fixando o salário
mínimo como piso de parcelas remuneratórias (Supremo Tribunal Federal. Pleno.
ADInMC n. 290-SC. Rel. Min. Celso de Mello. RTJv. 138, t. 2, p. 396; ADInMC n. 668-AL. Rel. Min. Celso de
Mello. RTJ v. 141,1.1,p. 77;
ADInMC n. l.064-MS. Rel. Min. Ilmar Galvão. RTJv. 156, t. 3, p. 788-791; e mérito; DJ de 26/9/1997, p.
47/475), embora não haja mácula alguma
na estipulação de que a percepção do vencimento básico do funcionalismo não seja inferior ao salário mínimo
(Supremo Tribunal Federal. Pleno. ADInMC n. 751 -GO. Rel. Min. Octavio
Gallotti. 142,1.1, p. 86).
Prossegue o autor com a
relação de incosntitucionalidades praticadas pelo Legislativo quando açambarca
a iniciativa do Executivo: "(...) continua-se na série de
inconstitucionalidade, perpetrada pelo Legislativo, por desatender à iniciativa
reservada do Chefe do Executivo, a previsão de diversas gratificações, gerais
ou específicas pancertos cargos ou funções, de adicionais (Definindo
remuneração especial de trabalho que exceda 40 horas semanais e trabalho notumo
aos servidores da política civil e aos servidores militares do Estado: ADInMC
n. 766-RS. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. RTJ
v. 157, t. 2, p. 460; mérito: DJ de
11/12/1998, p. l; adicional de produtividade de servidores do fisco, com
valores, forma e condições de percepção ficados pelo Governador através de
Decreto: ADInMC n. 1644-PI. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. DJ
de 31/10/1997, p. 55.541; ainda: ADIn n. l.396-SC. Rei. Mun. Marco
Aurélio. RTJ v. 167, t. 2, p.
397), de verbas como auxílio-moradia,
auxílio-alimentação (Supremo Tribunal Federal. Pleno. ADhiMCn. 1.701-SC. Rel.
Min. Carlos Veloso. DJ
de 12/12/1997, p. 65.564), vale-transporte (Supremo Tribunal Federal. Pleno.
ADInMC n. l .809-SC. Rel. Min. Carlos Veloso.
D/22/5/1998, p. 2; também: ADInMC n. 844-MS. Rel. Min. Marco Aurélio. DJ l de 2/4/1993, p. 5.617; ADInMC n.
856-RS. Rel. Min. Celso de Mello. DJ de 22/4/1993, p. 6.829; ADInMC n. 858-RJ.
Rel. Min. Marco Aurélio. DJ de 8/6/1993, p. 12.110; ADInMC n. 872-RS. Rel.
Min. Sepúlveda Pertence. RTJ.
151, t. 2, p. 425-428; ADInMC n. 919-PR. Rel. Min. limar Galvão. RTJ v. 150, t. 3, p. 732; ADInMC n.
l.201-RO. Rel. Min. Moreira Alves,
9/6/1995, p. 17.227; ADInMC n. l .448-RJ. Rel. Min. Maurício Corrêa. RTJ v. 162, t. 3, p. 875-877), a
determinação do pagamento em dobro de férias acumuladas e não gozadas (Supremo
Tribunal Federal. Pleno. ADInMC n. 380-RO. Rel. Min. Carlos Veloso. DJ
de 27/5/1991, p. 6.905; ADInMC n. 376-RO. Rel. Min. Néri da Silveira. RTJ v. 134, p. 1.039; licença-prêmio
não gozada: ADInMC n. l. 197-RO. Rel.
Min. Carlos Veloso. DJ de
31/3/1995, p.7.773), a fixação do
"abono de férias" dos servidores em 50% (BRASIL. Supremo Tribunal
Federal. Pleno. ADInMC n. 757-MS. Rel. Min. limar Galvão. RTJ v. 145, t. 2, p. 498), ou a concessão de um abono mensal no valor
de um salário mínimo por quinquénio de
efetivo exercício, para servidores públicos estaduais aposentados por invalidez
permanente (Supremo Tribunal Federal. Pleno. ADInMC n. 711 - AM. Rel. Min.
Néri da Silveira. DJ de 7/5/1993, p. 8.327; ADInMC n. l .955-RO.
Rd. Min. Néri da Silveira. DJ de 6/4/1999, p. 2), também a obrigação do ressarcimento de
diferenças pecuniárias resultantes do não cumprimento da legislação trabalhista,
ocorridas a partir de fevereiro de 1987,
aos servidores e empregados públicos da administração indireta (BRASIL.
Supremo Tribunal Federal. Pleno. ADInMC n. 270-MG. Rei. Min. Paulo Brossard. RTJ v. 139, t. 2, p. 415), e a previsão
de conversão em pecúnia de licença especial."
Em
tais circunstâncias, o parecer é no sentido do reconhecimento da inconstitucionalidade
da Lei Municipal n. 1.226/98, de São Sebastião, na parte pertinente à
remuneração dos servidores públicos.
São Paulo, 12 de agosto de 2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
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