Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

 

Processo n. 181. 310-0/7-00

Requerente: 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Objeto: inconstitucionalidade da Lei Complementar Estadual n. 943/03

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade. Alegação de violação aos arts. 40, caput, e § 12, 167, XI, 194, V a VII e 195, da Constituição Federal, na instituição de contribuição previdenciária dos servidores públicos estaduais prevista na Lei Complementar Estadual n. 943, de 26 de junho de 2003. Inexistência de afronta aos arts. 40 e 149 na redação da Emenda n. 20/98 vigente à época. Superveniência das Leis Complementares Estaduais n. 954/03 e n. 1.012/07. Contribuição estatal para o custeio pré-existente. Parecer pelo desacolhimento do incidente de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial:

 

1.                A colenda 13ª Câmara de Direito Público do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no julgamento de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente ação ordinária para abstenção da exigência da contribuição previdenciária prevista no art. 4º da Lei Complementar Estadual n. 943/03 e restituição de valores pagos suscitou incidente de inconstitucionalidade de referida lei (fls.126/131).

2.                Registro, inicialmente, que não obstante como reconhece o acórdão (fl. 130), o colendo Órgão Especial já exerceu o controle abstrato, concentrado, direto e objeto da constitucionalidade da Lei Complementar Estadual n. 943, de 2003. E nos pronunciamentos mencionados, inclinou-se pela negativa de declaração da inconstitucionalidade da lei em foco.

 

3.                Se a espécie tratasse do exame incidental de constitucionalidade (arts. 480 a 482, Código de Processo Civil; art. 97, Constituição Federal) dúvida não haveria acerca do conhecimento do presente incidente, pois, consoante advertência doutrinária, tem eficácia intraprocessual:

 

“A decisão do plenário (ou do ‘órgão especial’), num sentido ou noutro, é naturalmente vinculativa para o órgão fracionário, no caso concreto (...) Nenhuma regra legal existe, porém, que a torne obrigatória ad futurum Se não se declarou a inconstitucionalidade, nenhum dispositivo do Código obsta a que, noutro feito, volte a argüição a ser suscitada, acolhida pelo órgão fracionário e, eventualmente, pelo próprio tribunal pleno, ou pelo ‘órgão especial’(...)” (J.C. Barbosa Moreira. Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1985, 5ª ed., vol. V, pp. 50-51, n. 38).

 

4.                Mas, a situação é diversa. O pronunciamento de constitucionalidade pelo órgão judiciário competente em ação direta de inconstitucionalidade – ou seja, a improcedência da ação – tem eficácia geral e vinculante afirmada pelo parágrafo único do art. 28 da Lei n. 9.868/99, verbis:

 

“A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal”.

 

5.                Em verdade, harmoniza-se esta conclusão com o sentido dúplice indicado no art. 24 da Lei n. 9.868/99, verbis:

 

“Proclamada a constitucionalidade, julgar-se-á improcedente a ação direta ou procedente eventual ação declaratória; e, proclamada a inconstitucionalidade, julgar-se-á procedente a ação direta ou improcedente eventual ação declaratória”.

 

6.                Neste sentido:

“Para efeito de controle abstrato de constitucionalidade de lei ou ato normativo, há similitude substancial de objetos nas ações declaratória de constitucionalidade e direta de inconstitucionalidade. Enquanto a primeira destina-se à aferição positiva de constitucionalidade a segunda traz pretensão negativa. Espécies de fiscalização objetiva que, em ambas, traduzem manifestação definitiva do Tribunal quanto à conformação da norma com a Constituição Federal” (STF, Rcl 1.880-AgR-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 07-11-2002, m.v., DJ 19-03-2004, p. 17).

 

7.                Assevera o venerando acórdão que:

 

“Todavia, nessa seara concentrada, dito Colegiado Superior tem competência apenas para a proclamação da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estaduais ou municipais diante da Constituição do Estado, não para reconhecer a constitucionalidade (art. 90 da Constituição Bandeirante), mormente ante a Carta Federal, sucedendo que aqueles julgados não vinculam os demais órgãos fracionários da Corte, tanto mais que não são unânimes, a ponto de justificarem a incidência, por assimilação, do parágrafo 2º do art. 658 do RITJ” (fl. 83).

 

8.                O argumento impressiona em função da diferença de parâmetro de controle de constitucionalidade. Por isso, merece aguda reflexão. Assentada a premissa de que “a decisão que afirma a constitucionalidade da norma ou que indefere o pedido de declaração de sua inconstitucionalidade também não será objeto de reexame em outra ação direta de inconstitucionalidade em que se discute norma de idêntico teor” (STF, ADI 307-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 13-02-2008, DJe 20-06-2008), bem como o pacífico entendimento enunciando que não se elimina a jurisdição constitucional estadual em face de preceito repetido ou reproduzido (por sua observância obrigatória) da Constituição Federal (RTJ 147/404), a admissibilidade do presente incidente está vinculada ao exame da causa petendi dos precedentes do colendo Órgão Especial invocados no venerando acórdão.

 

9.                Pois, se sua causa petendi for substancialmente idêntica aos fundamentos da inconstitucionalidade suscitados no incidente em exame, torna-se inadmissível seu conhecimento.

 

10.              Certo é de há muito já superada a distinção, para efeito do foro (competência jurisdicional) do controle concentrado de constitucionalidade, entre normas de imitação e normas de reprodução (RTJ 147/404), e que no incidente de inconstitucionalidade (art. 480, Código de Processo Civil), como reflexo do controle difuso, não prevalece a exigência estrita de parametricidade extraída dos arts. 102, I, a, e 125, § 2º, da Constituição Federal. Ainda é impositivo obtemperar que alijado está do contexto eventual divórcio entre norma municipal e Constituição Federal – cujo conhecimento é viabilizado no controle difuso e inviabilizado no controle concentrado – porque a hipótese deste incidente (controle difuso) coloca em confronto lei estadual e Constituição Federal e, como bem observado no acórdão, os pronunciamentos precedentes do colendo Órgão Especial tiveram esteio no contraste entre lei estadual e Constituição Estadual.

 

11.              Mas, é exatamente nisto que reside o fator de preocupação porque a leitura conectada dos arts. 102, I, a, e 125, § 2º, da Carta Magna de 1988, revela ponto de intersecção no controle concentrado de constitucionalidade de lei estadual cujo parâmetro pode ser tanto a Constituição Federal quanto a Constituição Estadual, respeitada a competência jurisdicional em cada caso. Embora a causa de pedir seja o elemento de definição da competência jurisdicional, observa a doutrina que é:

“irrelevante se, no caso de controle abstrato em face da Constituição Estadual, o Tribunal de Justiça tiver que declarar a (i)legitimidade de norma perante dispositivos constitucionais estaduais que são mera reprodução de normas constitucionais federais de observância obrigatória para os Estados” (Léo Ferreira Leoncy. Controle de Constitucionalidade Estadual, São Paulo: Saraiva, 2007, p. 125).

 

12.              Também é certo que se o Supremo Tribunal Federal dispensou ao tema uma determinada interpretação em julgamento objetivo de controle de constitucionalidade não será lícito ao Tribunal de Justiça no controle concentrado – seja norma de imitação ou de reprodução – ou no difuso devotar-lhe corolário diverso ut parágrafo único do art. 28 da Lei n. 9.868/99.

 

13.              Constituem fundamentos deste incidente as normas constitucionais dos arts. 40 e § 12, 167, XI, 194, 195 e 201, da Constituição Federal, em especial a existência de sistema previdenciário próprio sob gestão compartilhada, custeio eqüitativo e preservação do equilíbrio financeiro e atuarial.

 

14.              Impõe-se, destarte, o exame de eventual identidade da causa petendi deste incidente com os julgamentos precedentes do colendo Órgão Especial, que têm as seguintes ementas:

 

“Ação direta de inconstitucionalidade - Lei complementar estadual que instituiu a contribuição previdenciária para custeio de aposentadoria dos servidores públicos, com a alíquota de 5% sobre os vencimentos ou salários, com vantagens - Lei que não nega vigência ao art. 174, § 9º, II, da Constituição Estadual e, por possuir natureza de ‘contribuição social’, a ela não se aplica o principio insculpido no art. 150, II, CF - Ação improcedente” (TJSP, ADI 107.124-0/6-00, Órgão Especial, Rel. Des. Flávio Pinheiro, 27-10-2004, m.v.).

 

“Inconstitucionalidade - Ação Direta – Lei Complementar n°954, de 31 de dezembro de 2003 - Contribuição mensal previdenciária de inativos e pensionistas - Alegada ofensa ao art. 5°, inciso XXXVI, da Constituição Federal - Constitucionalidade da Emenda Constitucional n° 41/03, aplicadas também as leis municipais, estaduais e distritais nela fundada - Ação Direta de Inconstitucionalidade improcedente” (TJSP, ADI 110.440-5-00, Órgão Especial, Rel. Des. Barbosa Pereira, 19-01-2005, m.v.).

 

15.              Portanto, constata-se que não se pronunciou o colendo Órgão Especial sobre a causa petendi deste incidente.

 

16.              Outrossim, insatisfatório o debate sobre a revogação ou não da Lei Complementar Estadual n. 943, de 23 de junho de 2003, pela Lei Complementar Estadual n. 954, de 31 de dezembro de 2003. Essa situação não implica de per si causa bastante para não conhecimento do presente incidente. Pois, se para efeito de controle concentrado de constitucionalidade, a revogação da lei o inviabiliza, assim não ocorre no controle difuso, na medida em que a decisão do julgamento do mérito do recurso pelo órgão fracionário no duplo grau de jurisdição dela depende, considerando sua vinculação ao caso concreto, e, ainda, a necessidade da tutela jurisdicional sobre a eficácia temporal limitada da lei no ambiente jurídico.

 

17.              No mérito, o art. 40 da Constituição Federal, na redação da Emenda n. 41, de 19 de dezembro de 2003, assegura aos servidores titulares de cargos públicos federais, estaduais e municipais da Administração Direta e suas autarquias e fundações regime de previdência próprio, com caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios de preservação de seu equilíbrio financeiro e atuarial. Seu § 12 estende condicionalmente a esse regime os requisitos e critérios do regime geral da previdência social, de modo a incidir, no que interessa e nos limites do incidente suscitado, a equidade na participação do custeio, a diversidade da base de financiamento, o caráter democrático da gestão (art. 194, V a VII). No mais, as cabeças dos arts. 195 e 201 reproduzem o art. 40 caput, e, por fim, o inciso XI do art. 167, proíbe o uso dos recursos provenientes de contribuições sociais para cobertura de despesas alheias ao regime previdenciário.

 

18.              O venerando acórdão, lastreado em julgamento do Supremo Tribunal Federal (ADI 3.105-DF), estima conditio sine quae non a organização estatal com equilíbrio financeiro e atuarial e a participação do custeio do regime, bem como aponta ofensa à vedação do inciso XI do art. 167 quando a lei destina os recursos captados ao erário.

 

19.              Dos arts. 40 caput e 149, § 1º, da Constituição Federal de 1988, na redação dada pela Emenda n. 41/03, se percebe a legitimidade da instituição pelo poder público, mediante lei específica, de contribuição para o custeio do regime próprio de previdência social dos servidores públicos estaduais, com contribuição igualmente exigível do ente público e observância da unicidade de regime próprio e de unidade gestora (art. 40, § 22). Note-se que sob a égide da Emenda n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a redação do caput do art. 40 era a seguinte:

“Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo”.

20.              Era essa a norma constitucional vigente à época da Lei Complementar Estadual n. 943, de 26 de junho de 2003, pois, a Emenda n. 41 foi promulgada em 19 de dezembro de 2003 e publicada em 31 de dezembro de 2003. De qualquer modo, a contribuição previdenciária dos servidores públicos já estava prevista na redação original da Carta de 1988:

“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

Parágrafo único. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social.

21.              Com a Emenda n. 33/01, esse parágrafo único foi renumerado para § 1º e, depois, pela Emenda n. 41/03, sua redação foi alterada, in verbis:

“§ 1º. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União”.

22.              A mudança do texto se deveu entre à imperfeição da I Reforma da Previdência (Emenda n. 20/98): a incidência da contribuição sobre os proventos e pensões de inativos e beneficiários foi repelida pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 181/73) e, não obstante, após a correção, parcial inconstitucionalidade de leis foi declarada em razão da necessidade de uniformidade de alíquota (RTJ 193/137).

23.              No entanto, essa tributação já era possível em relação aos servidores ativos e estava embutida no raio de projeção do art. 150, II, mencionado nos arts. 37, XV, 95, III, 128, § 5º, I, c, da Carta Magna de 1988 desde sua redação original (STF, AI-AgR 357.012-PA, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, 12-12-2006, v.u., DJ 02-02-2007, p. 118; STF, AI-AgR 680.328-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Eros Grau, 11-12-2007, v.u., DJe 21-02-2008; STF, ADI-MC 08-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 10-09-1999, m.v., DJ 04-04-2003, p. 38). Neste sentido:

 “1. Inconstitucionalidade. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Ofensa a direito adquirido no ato de aposentadoria. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Emenda Constitucional nº 41/2003 (art. 4º, caput). Regra não retroativa. Incidência sobre fatos geradores ocorridos depois do início de sua vigência. Precedentes da Corte. Inteligência dos arts. 5º, XXXVI, 146, III, 149, 150, I e III, 194, 195, caput, II e § 6º, da CF, e art. 4º, caput, da EC nº 41/2003. No ordenamento jurídico vigente, não há norma, expressa nem sistemática, que atribua à condição jurídico-subjetiva da aposentadoria de servidor público o efeito de lhe gerar direito subjetivo como poder de subtrair ad aeternum a percepção dos respectivos proventos e pensões à incidência de lei tributária que, anterior ou ulterior, os submeta à incidência de contribuição previdencial. Noutras palavras, não há, em nosso ordenamento, nenhuma norma jurídica válida que, como efeito específico do fato jurídico da aposentadoria, lhe imunize os proventos e as pensões, de modo absoluto, à tributação de ordem constitucional, qualquer que seja a modalidade do tributo eleito, donde não haver, a respeito, direito adquirido com o aposentamento. 2. Inconstitucionalidade. Ação direta. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária, por força de Emenda Constitucional. Ofensa a outros direitos e garantias individuais. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Regra não retroativa. Instrumento de atuação do Estado na área da previdência social. Obediência aos princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial, bem como aos objetivos constitucionais de universalidade, equidade na forma de participação no custeio e diversidade da base de financiamento. Ação julgada improcedente em relação ao art. 4º, caput, da EC nº 41/2003. Votos vencidos. Aplicação dos arts. 149, caput, 150, I e III, 194, 195, caput, II e § 6º, e 201, caput, da CF. Não é inconstitucional o art. 4º, caput, da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, que instituiu contribuição previdenciária sobre os proventos de aposentadoria e as pensões dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações. 3. Inconstitucionalidade. Ação direta. Emenda Constitucional (EC nº 41/2003, art. 4º, § únic, I e II). Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Bases de cálculo diferenciadas. Arbitrariedade. Tratamento discriminatório entre servidores e pensionistas da União, de um lado, e servidores e pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de outro. Ofensa ao princípio constitucional da isonomia tributária, que é particularização do princípio fundamental da igualdade. Ação julgada procedente para declarar inconstitucionais as expressões ‘cinquenta por cento do’ e ‘sessenta por cento do’, constante do art. 4º, § único, I e II, da EC nº 41/2003. Aplicação dos arts. 145, § 1º, e 150, II, cc. art. 5º, caput e § 1º, e 60, § 4º, IV, da CF, com restabelecimento do caráter geral da regra do art. 40, § 18. São inconstitucionais as expressões ‘cinqüenta por cento do’ e ‘sessenta por cento do’, constantes do § único, incisos I e II, do art. 4º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, e tal pronúncia restabelece o caráter geral da regra do art. 40, § 18, da Constituição da República, com a redação dada por essa mesma Emenda” (STF, ADI 3.105-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 18-08-2004, m.v., DJ 18-02-2005, p. 04, RTJ 193/137).

24.              Pois bem, fixadas estas balizas, a Lei Complementar Estadual n. 943/03 instituiu contribuição previdenciária dos servidores públicos estaduais lato sensu, destinada ao custeio de aposentadoria e reforma (arts. 1º a 3º, 6º) de 5% sobre a remuneração grosso modo (art. 4º), mediante desconto em folha (art. 5º), observada a noventena (art. 8º).

25.              Em seguida, veio a Lei n. 954/03, com observância da noventena (art. 6º), majorando a alíquota para 11% (art. 1º) e explicitando que ela incluía o percentual de 6% relativo à contribuição do art. 137 da Lei Complementar Estadual n. 180/78 até sua eficácia (art. 2º). A leitura de seus arts. 1º a 3º revela a unificação de duas contribuições, cujos recursos abasteceriam o pagamento de proventos e pensões (art. 4º), inclusive os oriundos da Lei Complementar Estadual n. 943/03 (art. 4º, parágrafo único).

26.              Posteriormente, em 05 de julho de 2007, foi editada a Lei Complementar Estadual n. 1.012, instituindo contribuição para o custeio de proventos e pensões, de 11%, observada a noventena (art. 8º).

27.              Como destacado em acórdão da colenda 13ª Câmara de Direito Público do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, “os servidores estaduais sempre contribuíram apenas para formação de um fundo destinado a futuro pagamento de pensão. Assim inequivocamente, dispunham os artigos 132 e 133 da Lei Complementar Estadual n° 180” (TJSP, AC 416.836-5/1, São Paulo, 13ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Oliveira Passos, m.v., 28-11-2007). Deste modo, quando as leis estaduais enfocadas elevaram o percentual para 11%, tiveram como escopo a mesma contribuição, destinando o excesso, agora, para o custeio dos proventos, que, antes, era suportado única e exclusivamente pelo erário, devendo-se essa transição normativa à criação de autarquia estadual para gestão nos termos do § 22 do art. 40 da Constituição Federal.

28.              Tanto é assim que o colendo Órgão Especial do egrégio Tribunal de Justiça repudiou a alegação de inconstitucionalidade da Lei n. 943/03 (ADI 107.124-0/6-00), decisão esta perfilhada pelas Câmaras de Direito Público (AC 773.720-5/7-00, São Paulo, Rel. Des. Leme de Campos, v.u., 20-10-2008), e abonada por julgados do Superior Tribunal de Justiça:

“TRIBUTÁRIO – RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA – SISTEMA DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS DO ESTADO DE SÃO PAULO – LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL 943/2003 – INSTITUIÇÃO DE ALÍQUOTA ADICIONAL DE 5% – INEXISTÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE.

1. De acordo com o art. 40, § 12, da CF/88, o regime de previdência dos servidores públicos de cargo efetivo é regido apenas subsidiariamente pelos requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social previsto no art. 201 da Carta Constitucional, nos limites da sua compatibilidade com este.

2. A Lei Complementar do Estado de São Paulo 943/03, apesar de imperfeita em sua redação, visou adequar a realidade estadual às novas exigências constitucionais, buscando incluir no custeio do seu regime de previdência, ao lado da contrapartida do Estado, a participação dos seus principais beneficiários, os servidores públicos civis e militares estaduais.

3. Deve-se interpretar a expressão ‘compor’, inserida no art. 6º da lei complementar estadual, de forma a lhe dar compatibilidade com a nova redação do art. 40 da CF/88, dada pela EC 41/03, que passou a prever textualmente a contrapartida do Estado no sistema de previdência dos servidores públicos, primeiro porque assim assegurar-se-á a presunção de constitucionalidade que milita em favor da norma legal, que na Constituição busca seu fundamento de validade, e também porque estar-se-á prestigiando o princípio constitucional da segurança jurídica.

4. A alíquota adicional de 5% (cinco por cento) compatibiliza-se, ainda, com a nova redação dada ao art. 149, § 1º, da Carta Magna de 1988, pela EC 41/03, que autoriza os Estados a instituir contribuição previdenciária sobre os vencimentos de seus servidores, para custeio em benefícios destes e do sistema de previdência, em alíquota não inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União, atualmente fixada em 11% (onze por cento)” (STJ, RMS 19.933-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, 20-09-2005, v.u., DJ 10-10-2005, p. 270).

“TRIBUTÁRIO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. LEI COMPLEMENTAR DO ESTADO DE SÃO PAULO Nº 943/2003. INSTITUIÇÃO DE ALÍQUOTA DE 5%. SERVIDORES ATIVOS. INEXISTÊNCIA DE IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS. ADIN Nº 790/DF. CONSTITUCIONALIDADE.

1. Mandado de segurança impetrado no intuito de reformar acórdão que denegou ordem mandamental objetivando a cessação do desconto de 5% nos vencimentos dos associados da impetrante, a título de contribuição previdenciária, criada pela Lei Complementar do Estado de São Paulo nº 943/2003.

2. O art. 149 da Carta Magna de 1988 autoriza os Estados a instituir contribuição previdenciária sobre os vencimentos de seus servidores, para custeio em benefícios destes e do sistema de previdência.

3. Manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial do Estado de forma a garantir futuramente os benefícios aos aposentados e pensionistas.

4. A LC Estadual nº 943/2003 nada mais fez do que adequar a alíquota de contribuição previdenciária dos servidores públicos estaduais ao comando constitucional estatuído no art. 149, § 1º (alterado pela Emenda Constitucional nº 41/2003), o qual previu não fossem as alíquotas de contribuições previdenciárias dos Estados, Distrito Federal e Municípios menores que as dos servidores públicos titulares de cargos efetivos da União.

5. No julgamento da ADIn nº 790/DF, o colendo STF sedimentou entendimento de que a majoração da alíquota não fere o princípio da irredutibilidade de vencimentos” (STJ, RMS 19.513-SP, 1ª Turma, Rel. Min. José Delgado, 24-05-2005, v.u., DJ 27-06-2005, p. 226).

29.              Essa é a jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça, conforme se verifica da transcrição do seguinte aresto, cuja fundamentação aqui incorporada tem o condão de enfrentar a quaestio posta à prova neste incidente:

“No mérito, irresigna-se o impetrante, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, contra a instituição de alíquota adicional de 5% (cinco por cento) sobre os seus vencimentos pelo Estado de São Paulo sob o argumento de que a Lei Complementar 94303 não observou os princípios constitucionais específicos da seguridade social, particularmente no que toca à obrigatoriedade da participação estatal para o custeio do sistema de previdência social dos servidores estaduais.

Nesse particular, ressalta que a Mensagem de encaminhamento do projeto de lei complementar do Governador denunciou a intenção do Estado de participar do custeio das aposentadorias e reformas através de sua contrapartida sempre que necessário para a manutenção do sistema, mas que, a despeito disso, não se fez constar do texto da lei a sua participação como contribuinte obrigatório, resultando na interpretação de que o custeio seria feito, exclusivamente, pela contribuição dos servidores, liberando o Estado de sua contrapartida.

A irresignação do recorrente não merece acolhida.

A Constituição Federal de 1988, desde a sua promulgação, optou, politicamente, por diferenciar o regime de previdência dos servidores públicos, previsto no art. 40, do regime de previdência dos trabalhadores em geral, constante do art. 201.

De forma geral, o regime de previdência dos servidores, antes da EC 2098, integrava a sistemática do regime jurídico único dos servidores civis públicos de cargo efetivo, sendo que não existia qualquer participação destes para o seu custeio. Isso porque as aposentadorias e pensões eram pagas integralmente com recursos dos entes públicos respectivos.

Com a EC 2098 surgiu a figura do ‘regime de previdência de caráter contributivo’ e os critérios de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, modificando-se, no mais, os requisitos para a concessão das aposentadorias e pensões.

Importante salientar que, de acordo com o parágrafo 12 do art. 40, da CF88, ficou estabelecido que o regime de previdência dos servidores públicos de cargo efetivo seria  regido apenas subsidiariamente pelos requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social previsto no art. 201 da Carta Constitucional, nos limites da sua compatibilidade com este.

Recentemente, a EC 41, de 19 de dezembro de 2003, deu nova redação aos arts. 40 e 149, § 1º, da CF88, trazendo, no que toca à solução do presente caso, inovações textuais, como a previsão expressa de contribuição do ente público, dos servidores inativos e dos pensionistas e, ainda, a determinação de limite mínimo para a alíquota das contribuições devidas pelos servidores estaduais, municipais e do Distrito Federal para o custeio do respectivo regime de previdência, que não poderá ser menor que a devida pelos servidores titulares de cargos efetivos da União. Eis a redação dos citados dispositivos:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

Art. 149. ...............................................................

§ 1º. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União.

Feitas essas considerações quanto à ordem constitucional federal, temos que a Lei Complementar Estadual 94303, apesar de imperfeita em sua redação, visou adequar a realidade estadual às novas exigências constitucionais, buscando incluir no custeio do seu regime de previdência, ao lado da contrapartida do Estado, a participação dos seus principais beneficiários, os servidores públicos civis e militares estaduais.

Nesse ponto, saliento que não há como se entender, como insiste o impetrante, que teria o Estado se desobrigado em relação ao custeio do sistema, seja porque, historicamente, sempre foi ele o seu principal e único sustentáculo, seja porque a EC 4103 passou a prever textualmente a sua contrapartida, antes omitida pela redação dada ao art. 40 pela EC 2098.

De fato, o próprio Estado reconhece, na Mensagem de encaminhamento do projeto de lei complementar, o seu dever de contribuir conjuntamente com os servidores para o regime previdenciário, devendo-se nesse sentido, dar à expressão ‘compor’, prevista no seu art. 6º, interpretação que se compatibilize com o texto da norma insculpida no art. 40, da CF88, com a nova redação dada pela EC 4103, ora porque, desta forma, assegurar-se-á a presunção de constitucionalidade que milita em favor da norma legal, que na Constituição busca se fundamento de validade, ora porque estar-se-á prestigiando o princípio da segurança jurídica também preconizado na CF88.

Transcrevo, apenas para melhor compreensão, o texto do art. 6º, da Lei Complementar Estadual 94303:

Art. 6º - Os recursos provenientes da contribuição instituída por esta lei complementar serão destinados, exclusivamente, para compor o custeio dos proventos das aposentadorias dos servidores públicos e das reformas dos militares do Estado, consignados em rubrica própria do orçamento.

Concluindo, deve-se entender que buscou a citada lei complementar, de fato, materializar os princípios da contributividade e da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial de que tratou o art. 40 da CF88, bem como dar fiel cumprimento à Lei de Responsabilidade Fiscal - Lei Kandir-, trazendo, com isso, uma maior base de sustentação ao sistema de previdência público do Estado.

Nesse passo, como mencionado no acórdão recorrido, saliente-se que a Lei Complementar 94303 foi posteriormente modificada pela Lei Complementar Estadual 95403, a qual lhe deu melhores contornos, principalmente no que diz respeito à destinação dos recursos arrecadados com a contribuição adicional para o orçamento do IPESP - Instituto de Previdência do Estado de São Paulo e do CBPM - Caixa Beneficente da Polícia Militar.

Por fim, muito embora tenha sido editada antes da EC 4103, a citada lei complementar está plenamente compatibilizada também no que se refere à nova exigência quanto ao limite mínimo da alíquota da contribuição a cargo dos servidores, tendo como referência os servidores públicos de cargos efetivos da União (art. 149, § 1º), que contribuem, atualmente, com 11% sobre seus vencimentos.

A jurisprudência desta Corte tem reconhecido como legítima a instituição da alíquota adicional determinada pela Lei Complementar 9432003, do Estado de São Paulo. Vejamos:

TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INATIVOS E PENSIONISTAS. LEGITIMIDADE DA EXAÇÃO. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 412003. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL. ALÍQUOTA ADICIONAL DE 5%. CONSTITUCIONALIDADE.

1. O STF,  no julgamento das Ações Direta de Inconstitucionalidade ns. 3.105DF e 3.128DF, relator para acórdão Min. Cezar Peluso, DJ de 18.02.2005, reconheceu, com eficácia vinculante e erga omnes: (a) a constitucionalidade da cobrança da contribuição previdenciária sobre os proventos ou pensões auferidos pelos servidores públicos inativos e pensionistas,  instituída pelo caput do art. 4º da referida EC 41⁄2003; e (b) a inconstitucionalidade da instituição de alíquotas diferenciadas para a contribuição de servidores dos Estados, Municípios e Distrito Federal (50%) e de servidores da União (60%), por  afronta o princípio da igualdade,  devendo o valor referencial de não-incidência da contribuição ser idêntico para todos os inativos e pensionistas, alcançando apenas a parcela dos proventos e pensões no que exceder o teto estabelecido no artigo 5º da EC 41⁄03.

2. Não há qualquer vício de inconstitucionalidade na contribuição previdenciária adicional instituída pela LC 9432003, complementada pela LC 9542003 do Estado de São Paulo, porquanto criada para atender ao disposto no art. 149, caput e § 1º, da Constituição Federal. Precedentes: RMS 19513SP, Min. José Delgado, 1ª T., DJ 27.06.2005 e RMS 19933SP, Min. Eliana Calmon, 2ª T., DJ 10.10.2005.

3. Recurso ordinário a que se nega provimento.

(RMS 20.717SP, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08.08.2006, DJ 17.08.2006 p. 312)

(...) 

Com essas considerações, nego provimento ao recurso ordinário, mantendo-se íntegro o acórdão recorrido” (STJ, RMS 20.172-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, 23-10-2007, v.u., DJ 07-11-2007, p. 216).

30.              Os fundamentos acima expostos demonstram que não está tisnada por inconstitucionalidade a lei estadual enfocada. A lei objeto da impugnação não mais subsistiu quando editada a Emenda n. 41, porque substituída pela Lei Complementar Estadual n. 954.

 

31.              Opino pelo desacolhimento do incidente de inconstitucionalidade.

 

         São Paulo, 30 de julho de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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