Parecer
Autos nº 181.795.0/9
Suscitante: 9ª
Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo
Apelante: Helbor
Empreendimentos Imobiliários LTDA e Prefeitura Municipal de Bertioga
Apelado: Ministério
Público de São Paulo
Objeto: Leis
Municipais de Bertioga ns. 431/00 e 432/00
Ementa:
1) Incidente de inconstitucionalidade. Leis Municipais de Bertioga nºs 431/00 e 432/00, que alteraram, respectivamente, as Leis nºs 316/98 (Código de Obras e Edificações) e 317/98 (Lei de Uso e Ocupação do Solo). Alteração no gabarito de “verticalização” na orla marítima.
2) Alegação de inconstitucionalidade por ausência de participação da comunidade na discussão e elaboração das leis. Ofensa aos seguintes dispositivos: § 2º do art. 154 da Lei Orgânica de Bertioga; arts. 180, II e 181 da Constituição Bandeirante; arts. 30, VIII e 182 da Constituição Federal de 1988. Inconstitucionalidade reconhecida: ausência de gestão democrática da cidade por intermédio da participação popular. Necessidade, ademais, de prévio estudo de impacto ambiental previamente à edição das Leis ns. 431/00 e 432/00.
3)Parecer no sentido do conhecimento e provimento do incidente.
Colendo Órgão
Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator
Trata-se de incidente de inconstitucionalidade, suscitado pela 9ª Câmara de Direito Público desse E. Tribunal de Justiça de São Paulo, nos termos do v. acórdão de fls. 1519/1524, rel. Des. Antonio Rulli, proferido nos autos da apelação cível nº 181.795.0/9, na sessão de julgamento realizada em 27.05.2009.
Ao suscitar a instauração do incidente, a C. 9ª Câmara de Direito Público desse E. Tribunal de Justiça afirmou:
“ (...)
Em face da
Súmula Vinculante n. 10 do C. STF, impõe-se a remessa dos autos para o Colendo
Órgão Especial para apreciação da constitucionalidade das Leis Municipais
versadas nestes autos.
Havendo desate
de questão constitucional, os autos deverão retomar para julgamento do mérito
recursal.
Pelo meu voto,
determina-se a remessa dos autos ao Colendo Órgão Especial a fim de que a
questão constitucional seja apreciada, como acima constou” (fls. 1.524).
É o relato do essencial.
O incidente de inconstitucionalidade deve ser conhecido e merece acolhimento.
A legislação colocada sob suspeita (Leis Municipais ns. 431/00 e 432/00) assume, presentemente, a seguinte redação:
LEI Nº 431/00
“Modifica dispositivos que especifica da Lei Municipal nº
317, de 29 de setembro de 1998.”Autor: Arquiteto Luiz Carlos Rachid – Prefeito
do Município. Arquiteto LUIZ CARLOS RACHID, Prefeito do Município de
Bertioga, faço saber que a Câmara Municipal
de Bertioga aprovou em Sessão realizada no dia 19 de dezembro de 2000 e eu
sanciono e promulgo a seguinte Lei.
Art. 1º. Esta lei modifica dispositivos da Lei Municipal nº
317, de 29 de setembro de 1998, corrigindo elementos técnicos e aperfeiçoando
as regras que especifica.
Art. 2º. Os dispositivos abaixo passam a ter a seguinte
redação:
“Art. 5º................
............................
§ 3º. As áreas livres, destinadas a
preservação de cobertura vegetal ou de florestamento com espécies nativas
regionais, deverão ser proporcionais à superfície total dos terrenos a
urbanizar, conforme a seguinte fórmula:
0,24 b = 1,1 X a
onde:
a = área total da gleba
b = percentual de áreas livres
.............................”
“Art. 13. ..............
I – declarar, expressamente, que se
obriga a executar a urbanização do terreno em absoluta conformidade com o plano
urbanístico e os necessários projetos específicos aprovados pelos órgãos
públicos competentes;
.............................”
“Art. 18. A licença para executar a
urbanização de terrenos vigorará pelo período de 02 (dois) anos, prorrogável
por mais 02 (dois) anos.”
“Art. 20. O processo de aprovação de
modificação de plano urbanístico e projeto topográfico atenderão aos seguintes
procedimentos.(NR)
I – recolhimento dos tributos
devidos; (NR)
II - vistoria no terreno e
apresentação de relatório pormenorizado, sobre a possibilidade física e técnica
de se realizar as modificações pretendidas;( NR)
III – exame e anuência de todos os
órgãos municipais que foram ouvidos no processo original; (NR)
IV – decisão final do prefeito do
Município, que subscreverá as plantas modificadas;( NR)”
“Art. 21............................
“Parágrafo único. Constada através de
vistoria a conclusão das obras de urbanização e sua integridade estrutural, o
reconhecimento da urbanização e a aceitação da entrega dos logradouros públicos
permitirá a liberação dos lotes caucionados.”
“Art. 43. A licença para executar urbanização
em glebas vigorará pelo período de 02 (dois) anos, prorrogável por mais 02
(dois) anos.”
“Art. 47. .............
§ 1º. ....................
............................
VII – Zona de Especial Interesse
Histórico e Cultural – ZHC, destina-se a localização de edificações uni e
pluri-habitacionais, equipamentos náuticos e turísticos, comércio e serviços
compatíveis com o uso residencial, mantendo-se a harmonização urbanística com o
patrimônio histórico e cultural existente; (NR)
............................”
“Art. 48. ............
...........................
13 – passagem coberta ou abrigo de
auto poderão ser edificados no recuo lateral, com extensão máxima de 6,00m
(seis metros) junto a divisa, com larguras mínimas de 1,50m (um vírgula
cinqüenta metros) e 2,50m (dois vírgula cinqüenta metros), respectivamente, e
altura máxima de 3,50m (três vírgula cinqüenta metros), na categoria de uso
“H1”.(NR)
Lei nº 431/00 –
Proc. Adm. nº 7976/00
14 – pergulados poderão ocupar os
recuos, desde que não ultrapassem 6,00m (seis metros) de extensão e 3,50m (três
vírgula cinqüenta metros) de altura, não sendo computado no cálculo da taxa de
ocupação e no índice de aproveitamento. (NR)”
...........................”
Art. 3º. Ficam acrescidos os seguintes dispositivos:
I – o § 6º ao art. 10, com a seguinte redação:
“§ 6º. Poderá ser requerida a
revalidação do pré-plano urbanístico, por mais 12 (doze) meses, mediante nova
análise do projeto, precedida do recolhimento dos tributos, de acordo com a
legislação vigente.(AC)”
II – O inciso V, ao art. 20, com a seguinte
redação:
“V – edição de decreto aprovando o
plano e projeto modificativo, que deverá ser custeado pelo requerente;(AC)”
III – os itens 13A e 20 a 30 às observações
do art. 48:
“13.A - edículas poderão ser
edificadas em toda a extensão da divisa de fundo, desde que não ultrapasse 1/3
(um terço) da construção principal e tenham altura máxima de 4,50m (quatro
vírgula cinqüenta metros), na categoria de uso “H1”.(AC)”
“20 – para o corredor comercial – CC,
a categoria de uso S5 é permitida com área mínima de 800m² (oitocentos metros
quadrados), observados os requisitos de segurança do Departamento Nacional de
Combustíveis;(AC)
21 – o comércio varejista de gás
domestico (GLP) é permitida em lotes de área mínima de 400m² (quatrocentos
metros quadrados), nas Zonas de Suporte Urbano e Corredor Comercial, observados
os requisitos de segurança do Departamento Nacional de Combustíveis;(AC)
22 – no loteamento Chácaras
Itapanhaú, o zoneamento ZSU passa a incluir integralmente as quadras 01, 03,
04, 05 e 06;(AC)
23 – no loteamento Chácaras Vista
Linda, o zoneamento ZSU passa a incluir integralmente as quadras F, I e H, no
1º setor, e as quadras C, M
e N, no 4º setor;(AC)
24 - no loteamento Jardim Vista
Linda, o zoneamento ZSU passa a incluir integralmente as quadras R, S1, S, T1 e
T, excluindo a quadra Q2 e a área de uso institucional;(AC)
25 – na ZT1 a categoria de uso H2
passa a ter os mesmos índices urbanísticos, descritos na Tabela A, adotados
para a ZT2, exclusivamente nos terrenos com testada para ruas com largura igual
ou superior a 15,00m (quinze metros), mediante prévia vistoria e conferência do
Poder Público para o logradouro;(AC)
26 – no cômputo de número de
pavimentos previstos na Tabela A, o térreo é considerado pavimento;(AC)
27 – para os terrenos definidos como
lotes anteriormente a promulgação do PPDS - Bertioga, que tenham dimensões
inferiores a dos lotes mínimos previstos, prevalecerá os usos estabelecidos
pela Tabela A desta lei, respeitados os recuos laterais mínimos de 1,50m (um
vírgula cinqüenta metros) e limite máximo de 02 (dois) pavimentos;(AC)
28 – a Vila Itatinga e seus acessos
passam a integrar a ZHC;(AC)
29 – a categoria de uso E3 passa a
ser permitida em lotes com área mínima de 300m² (trezentos metros quadrados) na
ZT1;(AC)
30 – frente do lote, para fins de
emplacamento, é a testada por onde a edificação possui acesso à via pública. No
caso de acessos múltiplos, considera-se a testada onde houver maior número de
acessos e, nos casos de acesso duplo, o de maior largura. (AC)
Art. 4º. Ficam revogados os seguintes dispositivos:
I – o inciso II, do art. 13;
II – o inciso IV, do art. 15;
III – o § 1º, do art. 18;
IV – o inciso I, do art. 29;
V – o inciso III, do art. 42;
VI – os §§ 1º e 2º, do art. 43.
Art. 5º. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação,
revogando as disposições em contrário, especialmente a Lei Municipal nº 409, de
13 de julho de 2000.
LEI Nº 432/00
“Modifica dispositivos que especifica da Lei Municipal nº
316, de 29 de setembro de 1998”. Autor: Arquiteto Luiz Carlos Rachid – Prefeito
do Município Arquiteto LUIZ CARLOS RACHID, Prefeito do Município de
Bertioga, faço saber que a Câmara Municipal
de Bertioga aprovou em Sessão realizada no dia 19 de dezembro de 2000 e eu
sanciono e promulgo a seguinte
Lei.
Art. 1º. Esta lei modifica dispositivos da Lei Municipal nº
316, de 29 de setembro de 1998, corrigindo elementos técnicos e aperfeiçoando
as regras que especifica.
Art. 2º. Os dispositivos abaixo passam a ter a seguinte redação:
“Art. 10. Decorridos 12 (doze) meses,
não sendo requerida a licença para edificar ou não atendidas as exigências para
a sua expedição, o alvará de aprovação perderá a sua validade e o processo será
arquivado, após constatação pela fiscalização de obras que nenhuma edificação
se fez no local. (NR)
Parágrafo único. Será admitida a
revalidação do alvará de aprovação por mais 12 (doze) meses, mediante nova
análise do projeto, precedida do recolhimento dos tributos, de acordo com a legislação
vigente.(NR)”
“Art. 14. As obras executadas em
desacordo com o projeto aprovado, estarão sujeitas às sanções legais prevista
na legislação para os proprietários e responsáveis técnicos.(NR)
..............................”
“Art. 15. A paralisação da obra ou
serviço, inclusive a demolição, por período igual ou superior a 12 (doze)
meses, implicará em intimação para fechamento do terreno e demais providências
determinadas em laudo de vistoria administrativa.(NR)
..............................”
“Art. 20. Verificada qualquer irregularidade
na execução de serviço ou obra, a fiscalização municipal intimará o responsável
técnico ou proprietário quanto as providências legais.(NR)
§ 1º. Não encontrados o proprietário
ou o responsável técnico no local, a intimação será entregue a qualquer
trabalhador da obra e formalizada através de edital a ser afixado no quadro de
avisos da Secretária de Planejamento e Obras do Município.(NR)
..............................”
“Art. 56. ......................
.....................................
§ 4º. A somatória dos acostamentos em
cada uma das divisas laterais, quando permitidos, não poderá ultrapassar 10,00m
(dez metros), respeitada a altura máxima de 3,50m (três vírgula cinqüenta
metros) e observada a regra do § 2º.(NR)”
“Art. 60. ......................
.....................................
II - ...............................
.....................................
b) corresponder a uma testada mínima
de 12,00m (doze metros) de terreno, excetuando-se o disposto no § 3º deste
artigo.(NR)
.....................................”
“Art. 61. ......................
.....................................
IV – cada unidade residencial deverá
possuir testada mínima de edificação de 7,00m (sete metros);(NR)
..............................”
“Art. 63. ......................
I – terem cada unidade residencial
compartimentos destinados a sala, dormitório, sanitário com banho, cozinha e
área de serviço, permitida uma única conjugação de dois pavimentos;(NR)
.....................................
§ 9º. A obrigatoriedade da instalação
de elevadores deverá atender ao previsto no art. 48 desta lei.(NR)
..............................”
“Art. 64. ......................
.....................................
d) as rampas existentes não poderão
ter inclinação acima de 12% (doze por cento) e deverão ser revestidas com
material antiderrapante quando a inclinação for superior a 6% (seis por cento);(NR)
..............................”
“Art. 65. ......................
.....................................
A2 – nos vestíbulos, corredores,
rampas ou passagens de uso comum ou coletivo, largura mínima de 2,00m (dois
metros);(NR)
..............................”
“Art. 67. .....................
....................................
§ 4º. ............................
I – índices urbanísticos formulados
para a categoria de uso “H2”;(NR)
II – dispositivos de serviços
formulados no § 3º deste artigo.”(NR)
“Art. 71. ....................
...................................
§ 2º. Extensão máxima de acostamento
na divisa de 6,00m (seis metros).(NR)
..............................”
“Art. 78. .....................
....................................
§ 5º. Devem ser utilizados sistemas
de caixa de registro, válvulas e outros equipamentos destinados a economizar
água.(NR)”
“Art. 83. ....................
...................................
§ 3º. O recurso, apresentado no prazo
de cumprimento da intimação, não terá efeito suspensivo nos casos que envolvam segurança
pública, cujas medidas urgentes deverão ser executadas.(NR)”
“Art. 84. ....................
...................................
§ 3º. Para cada reincidência
específica, com o mesmo objeto de infração, o valor da multa será dobrado, com
relação ao valor da multa anterior, até o limite de 800 (oitocentas) UFIR.(NR)”
Art. 85. ..................
§ 1º. 100 (cem) UFIR por não
cumprimento de intimação no prazo legal, sendo que a reincidência especifica,
com o mesmo objeto de infração, o valor da multa será dobrado, com relação ao
valor da multa anterior, até o limite de 800 (oitocentas) UFIR.(NR)”
..............................”
Art. 3º. Fica criada a “Seção IX – Do
abrigo de autos”, no Capítulo VI, que
trata das obras complementares das edificações, abrangendo o art. 79 da Lei
316/98.
Art. 4º. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação,
revogando as disposições em contrário, especialmente a Lei Municipal nº 409, de
13 de julho de 2000.
A legislação acima referida implicou, indiretamente, na alteração do Plano Diretor de Bertioga.
Com efeito, a Lei Municipal n. 431/00 modificou dispositivos da Lei Municipal nº 317, de 29 de setembro de 1998, “corrigindo elementos técnicos e aperfeiçoando as regras que especifica”. A Lei Municipal de Bertioga n. 432/00, por sua vez, modificou dispositivos da Lei Municipal nº 316, de 29 de setembro de 1998, “corrigindo elementos técnicos e aperfeiçoando as regras que especifica”.
Nota-se que as Leis ns. 316/98 e 317/98 regulamentam, respectivamente, o Código de Obras e Edificações e a Lei de Uso e Ocupação do Solo do Município de Bertioga, matéria afeta ao Plano Diretor.
É fato inegável que, no caso em exame, não ocorreu o indispensável planejamento urbanístico quando da aprovação das Leis ns. 431/00 e 432/00.
A Constituição do Estado de São Paulo prevê, objetivamente, a necessidade de planejamento em matéria urbanística. O art. 180, caput, da Carta Bandeirante, ao tratar do tema, indica os critérios a serem observados, pelo Estado e pelos Municípios, no “estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano”. Entre eles, de conformidade com o inciso II do referido artigo, encontra-se a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução de problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes.
Conforme observou a sentença de primeiro grau, “uma vez que não foi dada a prévia e necessária publicidade às alterações legais promovidas pelas Leis n. 431/00 e 432/00, como exigido pelo art. 154, § 2º, da LOM, padecem referidos institutos legais de vício de formação, de modo que todos os atos administrativos, praticados no caso concreto e que neles se ampararam, são nulos de pleno direito, por derivação, substituindo o interesse público em detrimento do particular. E, por conseqüência, uma vez que não houve a prévia e necessária publicidade, tolheu-se o direito de participação efetiva da comunidade/coletividade nas discussões acerca das alterações legais em proposição, como exigido pelo art. 180, II, da Constituição do Estado de São Paulo, e pelo art. 80, caput, da LOM”(fls. 982).
O art.181 da Constituição Estadual, por sua vez, prescreve que a “lei municipal estabelecerá, em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes”, enquanto o respectivo §1º estabelece que “os planos diretores, obrigatórios a todos os Municípios, deverão considerar a totalidade do território Municipal”.
No caso dos autos, deve-se enfatizar que a alteração provocada pelas Leis n. 431/00 e 432/00 afetou o Plano Direito de Bertioga, sendo certo que isso ocorreu sem observância do art. 154, § 2º da Lei Orgânica do Município de Bertioga, que assevera: “Dar-se-á publicidade às alterações propostas ao Plano Diretor em jornais locais, no prazo mínimo de 30(trinta) dias antes da aprovação da proposição”.
Não ocorreu, também, a participação da comunidade na discussão e elaboração das Leis n. 431/00 e 432/00, mormente quando permitiram a construção de edificações com dez andares à frente da praia.
Anote-se que o art. 182, caput, da Constituição Federal de 1988 disciplina que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”. .
Recorde-se, também, que o inciso VIII do art. 30 da Constituição Federal prevê a competência dos Municípios para “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento, e da ocupação do solo urbano”.
É possível extrair dos dispositivos acima apontados a seguinte conclusão:
(a) a adequada política de ocupação e uso do solo é valor que conta com assento constitucional (federal e estadual);
(b) a política de ocupação e uso adequado do solo se faz mediante planejamento e estabelecimento de diretrizes através de lei;
(c) as diretrizes para o planejamento, ocupação e uso do solo devem constar do respectivo plano diretor, cuja elaboração depende de avaliação concreta das peculiaridades de cada Município;
(d) a legislação específica sobre uso e ocupação do solo deve pautar-se por adequado planejamento.
A sistemática constitucional - relativa à necessidade de planejamento, diretrizes, e ordenação global da ocupação e uso do solo - evidencia que o casuísmo, nessa matéria, não é em hipótese alguma admissível.
O ato normativo que altera sensivelmente as condições, limites e possibilidades do uso do solo urbano, alterando, por exemplo, o número de pavimento das edificações localizadas a beira-mar, sem realização de qualquer planejamento ou estudo, viola diretamente a sistemática constitucional na matéria.
Entendimento diverso tornará sem valor algum todo o trabalho previamente realizado para fins de elaboração e aprovação da Lei do Plano Diretor e de Uso e Ocupação do Solo Urbano. Qualquer iniciativa poderá – como se verificou no caso em exame – levar à alteração legislativa casuísta.
Tratando da elaboração do plano diretor do ordenamento urbano, anota Hely Lopes Meirelles que “a elaboração do plano diretor é tarefa de especialistas nos diversificados setores de sua abrangência, devendo por isso mesmo ser confiada a órgão técnico da Prefeitura ou contratada com profissionais de notória especialização na matéria, sempre sob supervisão do Prefeito, que transmitirá as aspirações dos munícipes quanto ao desenvolvimento do Município e indicará as prioridades das obras e serviços de maior urgência e utilidade para a população”[1].
Cumpre finalmente destacar a importância do planejamento urbanístico e da necessária razoabilidade de que se deve revestir a legislação elaborada nesta matéria, recordando Toshio Mukai, que “a ocupação e o desenvolvimento dos espaços habitáveis, sejam eles no campo ou na cidade, não podem ocorrer de forma meramente acidental, sob as forças dos interesses privados e da coletividade. Ao contrário, são necessários profundos estudos acerca da natureza da ocupação, sua finalidade, avaliação da geografia local, da capacidade de comportar essa utilização sem danos para o meio ambiente, de forma a permitir boas condições de vida para as pessoas, permitindo o desenvolvimento econômico-social, harmonizando os interesses particulares e os da coletividade”[2].
Deste modo, padece de inconstitucionalidade as Leis Municipais de Bertioga ns. 431/00 e 432/00, que alteraram as Leis ns. 317/98 e 316/98, respectivamente, sem qualquer estudo prévio consistente ou participação popular, e de forma casuística, ferindo frontalmente o disposto nos arts. 180, caput, inciso II e art. 181, caput , § 1º, ambos da Constituição Estadual; bem como, por força do art. 144 da Constituição Estadual, os princípios constitucionais estabelecidos nos art. 182, caput e §1º, e 30, VIII, da Constituição Federal.
A falta de participação comunitária é, por si só, fundamento suficiente ao reconhecimento da inconstitucionalidade da lei em análise.
Nesse passo, deve-se atentar para a expressa determinação contida na Carta Bandeirante e dirigida aos Municípios para que assegurem a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, planos, programas e projetos que lhes sejam concernentes quando da edição de normas relativas ao desenvolvimento urbano.
Ora, se na formação das leis conjugam-se atos dos poderes Executivo e Legislativo, é curial que a determinação constitucional concernente ao Direito Urbanístico representa um plus do processo da formação da norma. Por tal razão, a apreciação da lei pela Câmara Municipal não dispensa esse requisito. É como pensa esse Sodalício. Colhe-se, em recente julgado[3], primorosa lição acerca da necessidade de planejamento e participação comunitária para a alteração do perímetro urbano:
“O argumento
principal da inconstitucionalidade da lei em foco está na alteração de zona
rural em zona urbana, sem aprovação anteriormente de um Plano Diretor para essa
finalidade, onde deveria ser elaborado prévio estudo e ampla discussão com a
sociedade, evitando a aprovação, sem legislação específica, de vários loteamentos
em áreas de grande extensão territorial, podendo resultar impacto ambiental.
(...)
O diploma legal
é argüido de inconstitucional por não obedecer, fundamentalmente, em sua
gênese, determinação expressa e autoaplicável do art. 180, II e V, da Carta Estadual,
inserido no capítulo da política urbana e relativa ao plano diretor, que
assegura a participação da sociedade na elaboração das leis.
Nos autos não se
verifica um planejamento municipal adequado e nenhum envolvimento da sociedade
local direta ou indiretamente por suas entidades ou classes de associações, que
pudessem de alguma forma expressar ou opinar sobre o assunto, o que é de
elevada importância, para todos aqueles residentes próximo a áreas protegidas
ambientalmente.
O Plano Diretor
envolve estudos técnicos, valoração de ações, é um diploma legal de política
urbana de um município, com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
Não há notícias
de estudos pertinentes, detalhados e conclusivos norteados pelo interesse
público, em benefício da sociedade local, inexiste qualquer indício de
planejamento ou comprovação de observância de normas urbanísticas, também não
consta a manifestação da sociedade local, assim, violado está o artigo 180
inciso II e V, da Constituição do Estado de São Paulo (...)
Diploma desta
importância jamais poderia merecer um tratamento displicente e ao arrepio das
normas constitucionais O controle de constitucionalidade pode ser preventivo ou
sucessivo. O objetivo precípuo deste controle preventivo ocorre antes de sua
entrada em vigor, encontrando-se ainda em processo de formação, buscando
justamente evitar que ingresse no ordenamento jurídico normas de efeitos
inconstitucionais.
Na lição de José
Nilo de Castro acentua que "as políticas de controle do solo urbano e a
implementação de uma política de assentamento racional, justo, ordenado, do
homem na cidade se impõem, para salvá-los, seja o homem, seja a cidade,
enquanto habitante e espaço habitável... Os municípios a este intento, devem
cercar-se de especialistas na área de engenharia, urbanismo, saneamento,
sociologia, juristas entre outros - ou contratar firmas especializadas de
consultoria, a fim de que se faça diagnóstico completo da cidade, coletando-se-lhes
os objetivos. Obrigatoriamente participarão da elaboração do plano diretor as
associações representativas da comunidade, além de se abrir oportunidade de
iniciativa de projeto de lei a população." (In Direito Positivo, Del Rey,
Belo Horizonte, p. 263/265).
A própria
Constituição Federal de 1988 (art. 29, XII), prescreve a cooperação das
associações representativas no planejamento municipal.
Em verdade, não
tomou as devidas cautelas a municipalidade, quando da elaboração da lei, não
poderiam os legisladores votar sem antes proceder prévia consulta aos setores
interessados.
Todas leis devem
ser precedidas de mecanismos e formas para garantir o direito básico de
participação da sociedade na sua elaboração, com isso pode-se afirmar que todas
as leis estaduais que versarem sobre política urbana deverão obedecer, além dos
trâmites comuns a toda e qualquer legislação, a mais uma condicionante, qual
seja, a participação das entidades comunitárias legalmente constituídas, sob
pena de o diploma legal padecer de vício formal, por ofensa à democracia
participativa e ao princípio da publicidade.
(...)
Não houve
debates com a comunidade e em nenhum momento se aponta que houve qualquer
discussão prévia, nenhum laudo técnico, ou "experts" e nenhuma
audiência durante a tramitação do projeto, estando patente o vício formal.
Tratando especificamente do problema da ocupação e uso do solo, anota José Afonso da Silva que a respectiva ordenação é um dos aspectos fundamentais do planejamento urbanístico, salientando ainda que “recomenda-se, nessas alterações, muito critério, a fim de que não se façam modificações bruscas entre o zoneamento existente e o que vai resultar da revisão. É preciso ter em mente que o zoneamento constitui condicionamento geral à propriedade, não indenizável, de tal maneira que uma simples liberação inconseqüente ou um agravamento menos pensado podem valorizar demasiadamente alguns imóveis, ao mesmo tempo que desvalorizam outros, sem propósito. É conveniente que o zoneamento resultante da revisão ou da alteração constitua uma progressão harmônica do zoneamento revisado ou alterado, para não causar impactos, que, por sua vez, geram resistências que dificultam sua implantação e execução. É prudente avançar devagar, mas com firmeza, energia e justiça” (Direito Urbanístico, 4ªed., São Paulo, Malheiros, 2006, p.251).
Do mesmo sentir é o pensamento de José dos Santos Carvalho Filho, ao afirmar que o planejamento, em matéria urbanística, é o “processo prévio de análise urbanística pelo qual o Poder Público formula os projetos para implementar uma política de transformação das cidades com a finalidade de alcançar o desenvolvimento urbano e a melhoria das condições de qualquer tipo de ocupação dos espaços urbanos. (...) constitui, indiscutivelmente, um dos princípios básicos do Poder Público (...)” (Comentários ao Estatuto da Cidade, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris Editora, 2006, p.25/26).
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido do
conhecimento do incidente, que deverá ser acolhido, reconhecendo-se a inconstitucionalidade das Leis
Municipais de Bertioga ns. 431/00 e 432/00.
São Paulo, 25 de agosto de 2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
- Assuntos Jurídicos -
ef
[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, 6ªed., 3ª tir., atualizada por Izabel
Camargo Lopes Monteiro e Yara Darcy Police Monteiro, São Paulo:
Malheiros, 1993, p. 393-395.
[2] MUKAI, Toshio. Temas atuais de direito urbanístico e ambiental. Belo Horizonte:
Editora Fórum, 2004, p.29.
[3] Inconstitucionalidade - Ação direta -
Lei 1.542 de 25 de março de 2002 - Descaracterização de zona rural em urbana -
Ausência de Plano Diretor e não participação da sociedade quando da elaboração
da lei - Área de proteção ambiental — Ofensa aos artigos 5º, 23, 111, 144, 152,
I, II e III, 180, II, V, 181, 191 e 196 da Constituição Estadual - Ação
procedente - Inconstitucionalidade declarada (ADIn nº 146.526-0/6-00, rel.
Barbosa Pereira, j. 19.09.2007, v.u.).