Parecer em incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 181.958-0/3-00

Suscitante: Câmara Especial do Tribunal de Justiça

Objeto: art.5º, §1º, da Lei Municipal n. 4.706/2001, do município de Bauru

 

Ementa: 1) art.5º, §1º, da Lei Municipal n. 4.706/2001, do município de Bauru, que institui o benefício de Assistência Médica aos Servidores Públicos Municipais e seus dependentes.  2) pagamento à parte pelos tutelados e guardados dos servidores públicos.  3)  violação ao princípio da proteção integral, tutelado pelo art.227 “caput” da Constituição Federal.  4) Parecer pela decretação da inconstitucionalidade.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de Acórdão proferido pela Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Egrégio Tribunal de Justiça, no julgamento da Apelação Cível n. 177.069.0/1-00, que determinou a remessa dos autos, para distribuição, ao Excelso Órgão Especial.

Ocorre que o Acórdão vislumbrou a inconstitucionalidade por vício de iniciativa e, por força da Súmula Vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal, determinou a remessa dos autos para serem distribuídos perante o Órgão Especial do Egrégio Tribunal de Justiça.

É o breve relatório.

Com a advertência de que o parecer se restringe à questão prejudicial, tem-se que é inconstitucional a legislação impugnada.

A par deste entendimento, ressalte-se que adminículos não admitem o parecer do Ministério Público de fls.108 e segs., ao assim bem analisar a questão:

“O recurso não merece prosperar, sob pena de negativa de vigência de lei federal, ou seja, do artigo 33, §3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Com efeito, prescreve este dispositivo que A Guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários, ressaltando à evidência meridiana, que lei ou postura municipal não pode subtrair esta qualidade, não pode estabelecer discriminação onde a lei não discrimina.

Crianças e adolescentes sob guarda de servidores municipais ou autárquicos de Bauru são evidentemente seus dependentes nos termos da lei federal, de caráter especial, não gerando eficácia restritiva norma inserta na Lei Municipal nº 4.706, de 31 de julho de 2001, que os considera dependentes agregados, de modo que os benefícios do plano de saúde somente poderiam ser integralidade de seu custeio (art.5º e §1º da mencionada lei).

Não podem ser transformados em meio-dependentes.   Nesse sentido antigas decisões desta Egrégia Câmara Especial, valendo anotar as apelações nºs. 103.179.0/7, relator Desembargador Viseu Júnior, com declaração de voto vencedor do Desembargador Mohamed Amaro, e 105.342-0/6, relator Desembargador Luís de Macedo, ambas oriundas da mesma comarca de Bauru, cujas ementas, pela ordem, são abaixo reproduzidas:

Plano de saúde cujas despesas são parcialmente mantidas pela Municipalidade.   Apelações interpostas contra sentença que impôs aos recorrentes a obrigação de incluir os menores mantidos sob a guarda ou tutela de servidores do município e de suas entidades autárquicas nos contratos de plano de saúde que abrigam outros dependentes, sem maiores ônus – Impossibilidade de a lei municipal modificar o conceito de dependência previsto pelo artigo 33 do ECA, impondo aos menores mantidos sob guarda ou tutela condição inferior em relação aos demais dependentes de seus mantenedores.

MENOR – Ação de obrigação de fazer.    Criança sob guarda de servidor municipal.   Pretensão de sua inserção como dependente para fins previdenciários.   Cabimento.   Prevalência do disposto no artigo 33, §3º, do ECA.   Legislação municipal não tem o condão de limitar seu campo de ação.   Recurso a que se nega provimento.

Acresço, à luz das lições de Norberto Bobbio (Teoria do Ordenamento Jurídico.  Brasília:  Editora Universidade de Brasília, 10ª ed., 1997, p. 108), que o Direito não tolera contradições, não permite normas incompatíveis entre si, de modo que não seria possível a convivência de norma federal que prescreve a condição de dependente para todos os fins de direito e de outra, de caráter municipal, que cria esdrúxula figura (dependente-agregado) para subtrair benefícios de criança ou adolescente sob guarda.

Esta antinomia deve ser resolvida não só pelo critério da especialidade (lex specialis derrogat generali) mas também pelo hierárquico, de vez que norma municipal não pode prevalecer sob regra federal de prescrição de direito.

Assim, vigora a norma local apenas naquilo que não contrariar a federal, quer se considere o aspecto relacionado à hierarquia, quer se considere o determinado pela especialidade.”

              Em tais circunstâncias, o parecer é no sentido do reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 5º, §1º, da Lei Municipal n. 4.706/2001, do município de Bauru.

São Paulo, 18 de agosto de 2009.

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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