Parecer em incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 182.206-0/0-00

Suscitante: 12ª. Câmara de Direito Público

Objeto: Lei Estadual n. 11.886/05

 

Ementa: 1) Lei Estadual n. 11.886/05, do Estado de São Paulo, que proíbe a cobrança de consumação mínima em bares e restaurantes de São Paulo. 2) Alegada violação ao princípio constitucional da livre iniciativa - inocorrência. 3) Defesa do consumidor – dever constitucional do Estado.  4) Parecer pela constitucionalidade da norma.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de Acórdão proferido pela Colenda Décima Segunda Câmara de Direito Público do Egrégio Tribunal de Justiça, no julgamento da Apelação Cível n. 728.008.5/3-00, que determinou a remessa dos autos, para distribuição, ao Excelso Órgão Especial.

Ocorre que o Acórdão vislumbrou a inconstitucionalidade da Lei Estadual n. 11.886/05, do Estado de São Paulo por ofensa ao princípio da livre iniciativa e, por força da Súmula Vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal, determinou a remessa dos autos para serem distribuídos perante o Órgão Especial do Egrégio Tribunal de Justiça.

É o breve relatório.

Com a advertência de que o parecer se restringe à questão prejudicial, tem-se que é constitucional a legislação impugnada.

              Vejamos:

              Assim dispõe a atacada norma:

         “Artigo 1º - Fica proibida a cobrança da consumação mínima nos bares, boates e congêneres em todo o Estado.

         Parágrafo único – A proibição do caput estende-se a todo e qualquer subterfúgio (oferecimento de drinks, vales de toda espécie, brindes, etc.) utilizado pelas casas noturnas para, mesmo disfarçadamente, efetuar a cobrança citada”.

Pois bem.   A Constituição Federal ao mesmo tempo em que tutela o princípio da livre iniciativa impõe também a defesa ao consumidor, como forma de equilíbrio nas relações de consumo, de forma a proteger a parte hipossuficiente.

Livre iniciativa não quer dizer liberdade sem limites ao exercício do poder econômico.   Pelo contrário.   Significa a ausência de interferência Estatal nas relações em que sua atuação não é requerida para a mantença do equilíbrio nas relações, quer de consumo, quer de proteção ao meio ambiente, quer para a defesa da soberania nacional, para a defesa da propriedade privada e todas as demais hipóteses previstas no art.170 da Carta Magna.

A par deste entendimento, traz Alexandre de Moraes em sua obra “Constituição do Brasil Interpretada” os seguintes conceitos:

Livre iniciativa e regulamentação da atividade econômica: STJ – ‘A Constituição Federal, no seu art.170, preceitua que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios que indica.  No seu art.174 pontifica que, como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento.   Desses dispositivos, resulta claro que o Estado pode atuar como agente regulador das atividades econômicas em geral, sobretudo nas de que cuidam as empresas que atuam em um setor absolutamente estratégico, daí lhe ser lícito estipular os perços que devem ser por elas praticados’ (Ementário STJ, nº 9/303 – MS nº 2.887-1 – DF, Rel. Mins. César Asfor Rocha, 1ª Seção, unânime, Diário da Justiça, 13 dez. 1993).”   “apud” ob. aut. cits., Ed.Atlas, 2002,  pág. 1818.

Autorizado se encontra, pois, o Estado a atuar sempre que haja necessidade para o equilíbrio das relações entre partes de desigual densidade de poder, justamente para, no caso, evitar o abuso do poder econômico.

Lembre-se que a questão da legalidade da atuação Estatal já foi enfrentada pela nobre Procuradoria de Justiça, que com brilhantismo a defendeu nos seguintes termos:

“Por outro lado, a questão central em debate diz respeito à legalidade ou ilegalidade da medida de proibir a cobrança de valor em dinheiro, a título de consumação mínima, nos bares, restaurantes e estabelecimentos similares.

Nesse contexto, a Constituição Federal prevê que a ordem econômica precisa observar o princípio de defesa do consumidor (art.170, V), princípio também aplicável às empresas, que devem cumprir a respectiva função social (art.5º, XXIII, e 170, III), sendo que ao Estado ainda compete promover a defesa do consumidor (art.5º XXXII).

Já o Código de Defesa do Consumidor veda ao fornecedor condicionar o fornecimento de produto ou serviço ao de fornecimento de outro produto ou serviço (art. 39, I) também considerando prática abusiva a exigência de vantagem manifestamente excessiva (art. 39, V).

No caso em debate é certo que do consumidor poderia se exigir a cobrança de ingresso para entrar no estabelecimento comercial, porém a vinculação da entrada ao pagamento de obrigatória quantia em dinheiro a título de consumo, conduz à chamada ‘venda casada’, pelo condicionamento do fornecimento de um produto ou de serviço ao de outro, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos, com imposição prévia sobre quanto deve o consumidor gastar, sem alternativa para o cliente obrigado a pagar, ainda que não consuma a quantidade mínima e muitas vezes sem sequer saber exata e claramente qual o preço dos produtos que lhe serão postos à disposição para consumação, tudo revelando abusividade.

Mas não é só.

Segundo consta dos autos, existe específica norma legal vedando a cobrança de valor a título de consumação mínima, a Lei Estadual nº 11.886/05.

E aqui cabe lembrar que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre consumo (art.24, V, CF), sendo que a competência da União limitar-se-á à edição de normas geral, sem excluir a competência suplementar dos estados (art.24, §§ 1º e 2º, CF).

Portanto, a edição de lei proibindo a cobrança da consumação mínima nos bares e estabelecimentos congêneres (v. fls.39), nos parece estar perfeitamente dentro da competência suplementar do Estado de São Paulo, de tal forma que o cumprimento de tal legislação regularmente aprovada é de rigor.” (fls.161/165).

Ademais, os seguintes v. arestos do Egrégio Supremo Tribunal Federal retratam hipóteses da possibilidade da interferência Estatal em várias situações que não caracterizam violação ao princípio da livre iniciativa, a serem apreciados analogicamente ao caso em apreço.

ADI 2649 / DF - DISTRITO FEDERAL
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a):  Min. CÁRMEN LÚCIA
Julgamento:  08/05/2008           Órgão Julgador:  Tribunal Pleno

Publicação

DJe-197  DIVULG 16-10-2008  PUBLIC 17-10-2008
EMENT VOL-02337-01  PP-00029
LEXSTF v. 30, n. 358, 2008, p. 34-63

Parte(s)

REQTE.: ABRATI- ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE TRANSPORTE
   INTERESTADUAL, INTERMUNICIPAL E INTERNACIONAL DE PASSAGEIROS
ADV.: FLÁVIO BOTELHO MALDONADO
REQDO.: PRESIDENTE DA REPÚBLICA
REQDO.: CONGRESSO NACIONAL

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE: ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS EMPRESAS DE TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERMUNICIPAL, INTERESTADUAL E INTERNACIONAL DE PASSAGEIROS - ABRATI. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. 8.899, DE 29 DE JUNHO DE 1994, QUE CONCEDE PASSE LIVRE ÀS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA, DA ISONOMIA, DA LIVRE INICIATIVA E DO DIREITO DE PROPRIEDADE, ALÉM DE AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE FONTE DE CUSTEIO (ARTS. 1º, INC. IV, 5º, INC. XXII, E 170 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA): IMPROCEDÊNCIA. 1. A Autora, associação de associação de classe, teve sua legitimidade para ajuizar ação direta de inconstitucionalidade reconhecida a partir do julgamento do Agravo Regimental na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.153, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 9.9.2005. 2. Pertinência temática entre as finalidades da Autora e a matéria veiculada na lei questionada reconhecida. 3. Em 30.3.2007, o Brasil assinou, na sede das Organizações das Nações Unidas, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como seu Protocolo Facultativo, comprometendo-se a implementar medidas para dar efetividade ao que foi ajustado. 4. A Lei n. 8.899/94 é parte das políticas públicas para inserir os portadores de necessidades especiais na sociedade e objetiva a igualdade de oportunidades e a humanização das relações sociais, em cumprimento aos fundamentos da República de cidadania e dignidade da pessoa humana, o que se concretiza pela definição de meios para que eles sejam alcançados. 5. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.

Decisão

   O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto da relatora, conheceu da ação direta e, por maioria, julgou-a improcedente, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio. Votou o Presidente, Ministro Gilmar Mendes. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Celso de Mello, Joaquim Barbosa e Eros Grau. Falaram: pela requerente, o Dr. Flávio Botelho Maldonado e, pela Advocacia-Geral da União, o Ministro José Antônio Dias Toffoli. Plenário, 08.05.2008.

 

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STA 171 AgR / PR - PARANÁ
AG.REG.NA SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA
Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE
Julgamento:  12/12/2007           Órgão Julgador:  Tribunal Pleno

Publicação

DJe-036  DIVULG 28-02-2008  PUBLIC 29-02-2008
EMENT VOL-02309-01  PP-00038

Parte(s)

AGTE.(S): INSTITUTO BS COLWAY SOCIAL
ADV.(A/S): CARLOS AGUSTINHO TAGLIARI E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S): RICARDO ALIPIO DA COSTA E OUTRO(A/S)
ADV.(A/S): EVANDRO PERTENCE E OUTRO(A/S)
AGDO.(A/S): UNIÃO
ADV.(A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S): INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS
   NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA

AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. IMPORTAÇÃO DE PNEUMÁTICOS USADOS. MANIFESTO INTERESSE PÚBLICO. GRAVE LESÃO À ORDEM E À SAÚDE PÚBLICAS. 1. Lei 8.437/92, art. 4.°. Suspensão de liminar que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela recursal. Critérios legais. 2. Importação de pneumáticos usados. Manifesto interesse público. Dano Ambiental. Demonstração de grave lesão à ordem pública, considerada em termos de ordem administrativa, tendo em conta a proibição geral de não importação de bens de consumo ou matéria-prima usada. Precedentes. 3. Ponderação entre as exigências para preservação da saúde e do meio ambiente e o livre exercício da atividade econômica (art. 170 da Constituição Federal). 4. Grave lesão à ordem pública, diante do manifesto e inafastável interesse público à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da Constituição Federal). Precedentes. 5. Questão de mérito. Constitucionalidade formal e material do conjunto de normas (ambientais e de comércio exterior) que proíbem a importação de pneumáticos usados. Pedido suspensivo de antecipação de tutela recursal. Limites impostos no art. 4.° da Lei n.° 8.437/92. Impossibilidade de discussão na presente medida de contracautela. 6. Agravo regimental improvido.

Decisão

 O Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto da Relatora, Ministra Ellen Gracie (Presidente), vencidos os Senhores Ministros Ricardo Lewandowski, Eros Grau e Marco Aurélio, que lhe davam provimento. Declarou suspeição o Senhor Ministro Menezes Direito. Ausente, justificadamente, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Plenário, 12.12.2007.

 

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AI 214756 AgR / SP - SÃO PAULO
AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO
Relator(a):  Min. MOREIRA ALVES
Julgamento:  03/11/1998           Órgão Julgador:  PRIMEIRA TURMA

Publicação

DJ 05-03-1999 PP-00003          EMENT VOL-01941-02 PP-00323

Parte(s)

AGTE.     : ASSOCIAÇÃO ESCOLAR BENJAMIN CONSTANT
ADVDOS.   : ADIB SALOMÃO E OUTROS
AGDAS.    : GEORGETTE ABBUD
ADVDOS.   : LYN SCABORA BOIX CARO E OUTROS

EMENTA: - Agravo regimental. - O despacho agravado enfrentou a questão constitucional em causa ao afastar as alegações de inconstitucionalidade do dispositivo legal atacado baseadas nos princípios da livre iniciativa, da livre concorrência, da liberdade de ensino pela iniciativa privada e da isonomia, com o entendimento desta Corte, na ADIN 319 - relativa a critérios de reajuste de mensalidades escolares - que permite ao Estado, por via legislativa, regular a política de preços de bens e de serviços, abusivo que é o poder econômico que visa ao aumento arbitrário dos lucros, fim a que visou, como bem demonstrado pelo acórdão recorrido, o dispositivo legal impugnado. - Inexistência, no caso, de ofensa ao ato jurídico perfeito e, consequentemente, ao direito adquirido por não haver, no caso, aplicação retroativa da legislação em causa, ao contrário do que ocorreu na hipótese objeto de julgamento no RE 175.498. Agravo a que se nega provimento.

 

No presente instante, não se poderia deixar de enfrentar a questão da colisão dos princípios:  da livre iniciativa e da proteção ao consumidor.

Como se vê nos arestos colacionados, a questão se resolve com observância, dentre outros, mas o mais saliente, do princípio da proporcionalidade, que assim se resume no equilíbrio resultante do confronto entre vantagens e desvantagens ocasionadas na medida restritiva a direito fundamental necessária à proteção de outro direito fundamental ou bem constitucionalmente protegido (“apud” Estudos de Direito Constitucional em homenagem a José Afonso da Silva, Ed. Malheiros, 2003, pág.239.

Frente a isto, entende-se como forma de solução a norma que maior benefício pode trazer à coletividade, em detrimento de outra de menor abrangência e relevância.

No caso, a proteção ao consumidor paulista, de uma forma geral, fala mais alto do que a de uns tantos comerciantes que insistem na cobrança da consumação mínima.

Por fim, com o mais absoluto respeito, seria ir longe demais que se permitisse ao comércio a cobrança do que lhe aprouvesse, em nome da livre iniciativa, em detrimento de todos os demais princípios e rumos ditados pela ordem constitucional.

Em tais circunstâncias, o parecer é no sentido do reconhecimento da constitucionalidade da Lei Estadual n. 11.886/05, do Estado de São Paulo.

São Paulo, 9 de setembro de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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