Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 183.786-0/2-00

Suscitante: 15ª Câmara de Direito Público

Objeto: art. 3º da Lei nº 9.927, de 11 de dezembro de 1998, com a redação da Lei nº 10.400, de 29 de dezembro de 1999, do Município de Campinas

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade do art. 3º da Lei nº 9.927, de 11 de dezembro de 1998, com a redação da Lei nº 10.400, de 29 de dezembro de 1999, do Município de Campinas, suscitado pela 15ª. Câmara de Direito Público. Dispositivo que concede descontos escalonados por faixa de valores do IPTU, instituindo uma “progressividade às avessas” do referido tributo. Norma anterior à EC 29/00, editada, portanto, quando não se admitia a progressividade do IPTU de caráter fiscal, mas tão-somente aquela que visava ao cumprimento da função social da propriedade. Matéria tratada na Súmula nº 668, do STF. Parecer pela procedência do incidente.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 15ª Câmara de Direito Público, nos autos de Apelação Cível em que figuram como partes PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINAS e (...).

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), eis que se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, do art. 3º da Lei nº 9.927, de 11 de dezembro de 1998, com a redação da Lei nº 10.400, de 29 de dezembro de 1999, do Município de Campinas, que dispõe sobre descontos escalonados por faixa de IPTU (progressividade às avessas).

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal especificamente sobre a constitucionalidade do dispositivo legal em análise (art. 481, parágrafo único, do CPP).

Este é resumo do que consta dos autos.

Preliminarmente

A rigor, não se aplica ao caso a Súmula Vinculante nº 10, do STF, porque a Corte Constitucional já se pronunciou sobre a matéria, dizendo que é inconstitucional toda lei municipal que tenha estabelecido, antes da EC 29/00, a progressividade do IPTU sem consideração à função social da propriedade.

Com base nesse entendimento, a Décima Quarta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou, em recentíssimo julgado, provimento a recurso voluntário e reexame necessário em mandado de segurança que visava à anulação do lançamento do IPTU/2001 do Município de Campinas, sem submeter a matéria constitucional à apreciação desse C. Órgão Especial.

O v. Acórdão ficou assim ementado:

MANDADO DE SEGURANÇA. IPTU referente ao exercício de 2001. Lei Municipal que estabelece progressividade da alíquota condenada por ser anterior à promulgação da Emenda Constitucional nº 29/2000. Inviabilidade de se considerar constitucional lei que era inconstitucional no seu nascedouro. Anulação total do lançamento correta. TAXA DE COLETA E REMOÇÃO DE LIXO. Ausência de especificidade e divisibilidade dos serviços. TAXA DE INCÊNDIO indevida. Taxa de incêndio é matéria afeta à competência estadual, a teor dos arts. 139 e 142, da Carta Bandeirante. Recurso voluntário e reexame necessário não providos (APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO nº 796;596-5/8, Comarca de Campinas, j. 20.08.09, rel. MARCONDES MACHADO. m.v.)

Mérito

O imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU – do Município de Campinas foi lançado, no exercício de 2001, com base nos artigos 13/39 da Lei nº 5.626, de 29 de novembro de 1985, que é o “Código Tributário Municipal”.

Para o deslinde da questão, é preciso fincar as seguintes premissas:

a) a lei estipulava que a base de cálculo correspondia ao valor venal do imóvel (art. 21);

b) este, por sua vez, era estabelecido (art. 25) pela multiplicação de área do terreno pelo valor médio unitário do metro quadrado de terreno e pelos fatores de correção, correspondentes aos respectivos índices, fixados nos mapas de valores; para o caso de imóvel construído, o valor venal era determinado pelo resultado da soma do valor do terreno, ou de sua parte ideal, obtida segundo a fórmula anteriormente mencionada, com o das construções, considerando-se o valor destas como resultante da multiplicação da área construída bruta pelo valor médio unitário do metro quadrado equivalente ao padrão de construção e pelos fatores de correção, correspondente aos respectivos índices, fixados nos mapas de valores;

c) a Lei nº 9.927, de 11 de dezembro de 1998, que “dispõe sobre o novo mapa de valores de terrenos do Município de Campinas, valor do m² de construção, tabelas de desconto sobre o valor do Imposto Sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, tabelas de classificação de imóveis e dá outras providências”, previu, no artigo 3º, os tais “descontos escalonados” por faixas de imposto; e

d) o art. 3º da Lei nº 9.927, de 11 de dezembro de 1998, foi alterado pelo art. 4º da Lei nº 10.400, de 30 de dezembro de 1999 (publicada no DOM de 4 de janeiro de 2000), assim redigido:

Art. 4º - Dá nova redação ao artigo 3º da Lei n. 9.927/98, a saber:

"Art. 3º - Sobre o valor venal do imóvel, composto dos valores venais do terreno e da construção, será calculado conforme alíquota determinada na legislação tributária vigente, o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, e concedidos descontos escalonados por faixas de imposto, correspondentes à soma das parcelas de descontos fixo e variável, estabelecidas para faixa de imposto, de acordo com as tabelas X, XI e XII desta lei."

Da leitura de tais dispositivos se vê que, de forma disfarçada, a Municipalidade instituiu, de fato, a progressividade do IPTU. É que, com base nas Tabelas X, XI e XII constantes da Lei nº 9.927/98, foram previstos descontos fixos e variáveis segundo faixas de valores de impostos para as categorias residencial, não-residencial e territorial.

A solução legal, entretanto, é flagrantemente incompatível com os artigos 145, § 1º; 156, § 1º e 182, §§ 1º e 4º, da Constituição Federal, tal como vigiam à época da promulgação dos atos normativos em estudo.

Nos termos desses parâmetros constitucionais (na redação anterior à EC 29, de 13 de setembro de 2000), não se admitia a progressividade fiscal do IPTU, tal como se apresenta na lei de Campinas, diante do caráter real desse tributo, incompatível com a dosimetria vinculada à capacidade econômica do contribuinte.

A progressividade autorizada pelo primitivo § 1º do art. 156 da CF (“§ 1º - O imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade”) era a extrafiscal, com vista exclusivamente à consecução dos objetivos traçados pelo art. 182, § 2º, da Carta Republicana.

Nesse sentido, consolidou-se a jurisprudência do STF:

"No sistema tributário nacional é o IPTU inequivocamente um imposto real. Sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, § 1º, porque esse imposto tem caráter real que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o artigo 156, § 1º (específico). A interpretação sistemática da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o IPTU com finalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4º do artigo 182 é a explicitação especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no artigo 156, I, § 1º. Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal." (RE 153.771, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 05/09/97).

Essa realidade perdurou até o dia 13 de setembro de 2000, quando foi promulgada a Emenda Constitucional nº 29. Por ela se alterou o § 1º do art. 156, da Constituição Federal, que passou a vigorar com a seguinte redação:

Art.156 ...

§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: (NR)

I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e (AC)

II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel. (AC)

A partir daí, passou-se a entender que:

“o IPTU progressivo pode ser instituído tanto com fundamento no inciso II do § 4º do artigo 182 da Constituição Federal, para, atendendo a um preceito de política urbana, induzir o proprietário a fazer com que seu imóvel cumpra a função social, de acordo com o determinado no inciso XXIII do artigo 5º da Lei Magna, como também com supedâneo no artigo 156, § 1º, I e II, da Constituição da República.

Antes da edição da mencionada Emenda, sim, era vedado à lei municipal estabelecer alíquotas progressivas para o IPTU, ‘salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana’, como de unânime e repetido entendimento do Supremo Tribunal, que até o fez constar da Súmula nº 668.

Colhe-se da Emenda Constitucional nº 29, de 13/09/2000, que constituinte derivado tornou possível a progressividade fiscal no que concerne ao IPTU em razão do valor do imóvel. O que era inconstitucional, de acordo com a jurisprudência, transformou-se em constitucional” (INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE nº 149.510-0/5, j. 14.11.2007, rel. ALMEIDA GUILHERME, v.u., g.f.).

No caso dos autos, vê-se que os dispositivos questionados foram editados antes da EC 29/00, isto é, quando a progressividade fiscal era expressamente proscrita.

Por isso, e diante do teor da Súmula nº 668 do STF (“É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da emenda constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana"), deve ser tido por inconstitucional o art. 3º da Lei nº 9.927, de 11 de dezembro de 1998, com a alteração da Lei nº 10.400, de 29 de dezembro de 1999, do Município de Campinas.

 Diante do exposto, caso seja conhecido o presente incidente, opina-se pela sua procedência.

 

São Paulo, 2 de outubro de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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