Incidente de Inconstitucionalidade
Autos nº. 183.822-0/8-00
Suscitante: Décima
Quinta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça
Objeto: Lei Municipal n. 4.896/99, do Município de
Mogi das Cruzes.
Parecer do Ministério Público
Ementa: Lei Municipal n. 4.896/99, do Município de Mogi das Cruzes. Violação do art. 155, § 3º, da Constituição Federal. Parecer pela decretação da inconstitucionalidade, se superada a preliminar de nulidade do v. acórdão.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator
1)
Relatório.
A Telecomunicações de São Paulo S.A - TELESP, empresa concessionária de serviços públicos de telefonia fixa comutada, sucessora por incorporação da Companhia Telefônica da Borda do Campo- CTBC, ajuizou Ação Declaratória em face do Município de Mogi das Cruzes objetivando o reconhecimento do direito da autora de utilizar as áreas públicas municipais para a implantação, instalação e passagem de equipamentos necessários à prestação de seus serviços sem estar sujeita ao pagamento de qualquer valor a título de “preço público”, na forma como previsto pela Lei n. 4.896/99 e pelo Decreto n. 1.331/99, declarando-se, por conseqüência, a inexistência da relação jurídica entre autora e réu, que obrigue a primeira a pagar ao segundo o “preço público”, em questão.
A ação foi julgada procedente pela r. Sentença de fls. 499/503.
O Município de Mogi das Cruzes interpôs recurso de apelação. Defendeu, em síntese, que em momento algum se pretendeu lançar tributo, trata-se na verdade de cobrança de preço público, atividade que não se inserta em qualquer vedação tributária constitucional ou infra-constitucional. Não se legislou sobre energia elétrica, mas apenas quanto ao local onde as instalações foram efetivadas, ou seja, do patrimônio público municipal e, por se tratar de assunto de interesse local, o Município possui competência para tanto (art. 30, inciso I da CE), fls. 509/517.
A TELESP interpôs embargos de declarações, fls. 514/517 e recurso adesivo às fls. 536/541.
As contra-razões foram apresentadas pelas partes as fls. 543/557 e 562/564.
Pelo v. acórdão de fls. 593/600, a r. sentença de primeiro grau foi reformada, declarando-se existente a relação jurídica entre as partes e, portanto, devidos os valores cobrados a título de preço público pelo uso dos bens públicos de uso comum para a instalação e passagem de equipamentos necessários ao exercício das atividades da autora.
Contra o v. Acórdão, a TELESP interpôs embargos de declaração, fls. 604/613, que foram parcialmente acolhidos remetendo-se os autos ao Revisor para a declaração do voto vencido, fls. 623/626.
Contra referida decisão, novamente a SABESP interpôs novos Embargos de Declaração, fls. 629/630, que foram acolhidos, integrando-se ao acórdão o voto vencido do Revisor para que a parte tome conhecimento do seu teor, republicando-se sua conclusão para efeitos de contagem de prazo para a interposição de eventuais recursos, fls. 637.
As fls. 648/665, houve interposição de Embargos Infringente por parte da TELESP.
O Município de Mogi das Cruzes apresentou contra-razões aos Embargos Infringentes às fls. 673/680.
Pelo v. Acórdão de fls. 695/703 os embargos infringentes foram acolhidos para a manutenção da r. sentença de primeiro grau, determinando-se a remessa dos autos para distribuição ao Colendo Órgão Especial, nos termos da Súmula Vinculante n. 10 do STF, eis que a causa envolve a não aplicação de lei municipal.
Eis, em síntese, o relatório.
2) Preliminarmente.
Da nulidade
do v. Acórdão de fls. 695/703.
Antes do órgão fracionário deliberar sobre o mérito do recurso de
apelação, para provê-lo ou não, há necessidade de ser instaurado o necessário
Incidente de Inconstitucionalidade, disciplinado a partir do art. 480 do CPC.
Assim, arguida a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo
do poder público, é necessária a prévia deliberação da Câmara, que se rejeitar
a argumentação, deverá prosseguir no julgamento e, nesse caso, negar ou dar
provimento ao recurso.
Todavia, quando há o acolhimento da arguição de inconstitucionalidade, a
Câmara “suspende” o julgamento,
isto é, não
pode prosseguir no
julgamento para dar ou negar provimento ao recurso.
Deve determinar a instauração do Incidente de Inconstitucionalidade, a fim de
provocar a deliberação do Pleno.
Portanto, o mencionado acórdão proferido pelo órgão fracionário,
s.m.j., deve ser anulado, para que outro seja proferido, sem que seja adentrado
o exame da questão de fundo antes da análise da questão prejudicial pelo
Excelso Órgão Especial.
De fato, é prejudicial a questão da eventual inconstitucionalidade,
sendo que o órgão competente para apreciá-la, como se disse, é o Órgão
Especial, por força do princípio da reserva de plenário esculpido no art. 97 da
Lei Maior.
Requer-se, pois, seja declarada a nulidade do v. acórdão referido.
Em função do princípio da eventualidade, a Procuradoria-Geral
passa a analisar o mérito, com a
advertência de que o parecer se restringe à questão prejudicial. E, no mérito,
tem-se que é inconstitucional a Lei Municipal n. 4.896/99, do Município de Mogi
das Cruzes.
3) Fundamentação.
A Lei n. 4.896/99, do Município de Mogi das Cruzes autorizou o Poder Executivo “a cobrar das empresas distribuidoras de energia elétrica, prestadoras de serviços de comunicação, telecomunicação, telefonia e postais, o uso dos terrenos, vias e logradouros públicos no Município de Mogi das Cruzes, onde estiverem implantados postes, linhas, torres e subestações de energia elétrica, cabines de telefonia, caixas postais e similares”.
Referido diploma legal realmente é inconstitucional.
Com efeito, a taxa consiste no tributo que possui como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou colocado à sua disposição pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 145, inc. II, da CF e 77 do Código Tributário Nacional – CTN).
O conceito de poder de polícia vem disposto no artigo 78 do CTN, que o considera “atividade da administração, que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina de produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.
“Poder de polícia, hoje, é a expressão indicativa de um poder inerente à administração pública, abrangendo diversas áreas, dentre as quais se destacam a segurança, os cultos, a propriedade, a indústria, o comércio, a saúde pública, costumes, trabalho etc. O conceito moderno de poder de polícia, diz Caio Tácito, ultrapassa ‘as fronteiras conservadoras para reconhecer ao Estado um papel mais ativo na promoção do bem-estar geral, estabelecendo não somente no tocante à ordem pública, mas sobretudo no sentido da ordem econômica e social, normas limitadoras da liberdade individual. É o poder de vigilância, inerente a toda administração pública, que a habilita zelar eficientemente pelo bem comum, pelo interesse coletivo” .
A lume dessa orientação, em primeiro lugar, insta observar que as atividades da TELESP de implantação, instalação e passagem de equipamentos necessários à prestação de serviços públicos de telefonia, mediante a utilização do subsolo urbano, em princípio, são passíveis de fiscalização pelo Município, nos lindes de seu território e interesse local (art. 30, inc. I e V, da CF). A administração pode e deve exercer poder de vigilância, com vistas a zelar pela adequada utilização de bem público de uso comum, de sorte a salvaguardar a sua destinação específica, em prol da satisfação de interesse da coletividade .
Em contrapartida, a cobrança de taxa encontra intransponível óbice. Alude-se à regra do parágrafo 3º, do artigo 155, da Constituição da República, segundo a qual “à exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro tributo poderá incidir sobre operações relativas à energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País”. Mesmo que assim não fosse, como comezinho, não é permitido ao Município exigir o pagamento de tributo, sem a prévia existência de lei que o estabeleça (art. 150, inc. I e III, letras a e b, da CF).
Observe-se que, que descabe supor a possibilidade de cobrança de preço público que, diversamente dos tributos, decorre da “vontade do comprador, havendo sempre uma relação contratual, uma obrigação não-compulsória (a vontade humana participa na formação da obrigação). Da relação contratual – acordo de vontades e não da decisão unilateral do Estado (lei), aparece a obrigação de pagar, ao Poder Público, a soma devida, pelo bem adquirido, isto é, de pagar o preço público. A obrigação em relação ao preço público não nasce da lei, mas, sempre, com a participação da vontade do interessado” .
No caso concreto, não se verifica nenhuma relação negocial, caracterizada por acordo de vontades entre as partes (Município e TELESP). Exsurge irrelevante a participação da vontade, que representa requisito fundamental à configuração do preço público. Sob pena de inadmissível descumprimento das obrigações pactuadas com a ANATEL e a Concessionária CTBC, originárias do contrato de concessão do serviço, não é facultada à TELESP a utilização das vias públicas municipais para a instalação de suas redes de distribuição de telefonia. A exploração do serviço obriga a espécie, pouco importando a intenção dos envolvidos para tal finalidade. Daí porque não ser possível cogitar da ocorrência da hipótese, o que, sem dúvida alguma, se traduz em significativo fator ao reconhecimento da mácula de inconstitucionalidade de que se inquina a cobrança impugnada nesta ação.
4) Conclusão.
Em tais circunstâncias, o parecer é no sentido da decretação da nulidade do v. acórdão de fls. 695/703 ou, se assim não se entender, seja reconhecida a inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 4.896/99, do Município de Mogi das Cruzes.
São Paulo, 28 de setembro de 2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
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