Parecer em incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 185.163-0/4

Suscitante: 12ª. Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Objeto: Lei nº 4.698/99, do Município de Marília

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade, suscitado pela 12ª. Câmara de Direito Público do TJESP, da Lei nº 4.698/99, do Município de Marília, que limita o tempo máximo de espera em fila de agência bancária, por possível afronta ao art. 170, inc. V c.c. o art. 5º, inc. XXXII, da Constituição Federal. Precedentes do STF, no sentido de que o Município, ao legislar sobre o tempo de espera nas filas de bancos, exerce a sua competência, cuidando-se o tema de assunto de interesse local. Parecer pela rejeição da argüição, reconhecendo-se a constitucionalidade da lei questionada.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 12a. Câmara de Direito Público, nos autos de Apelação Cível nº 585.487.5/7-00, em que figuram como partes BANCO NOSSA CAIXA S/A e PREFEITO MUNICIPAL DE MARÍLIA.

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), eis que se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, da Lei nº 4.698/99, que limita o tempo máximo de espera em fila de agência bancária.

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).

Este é resumo do que consta dos autos.

O v. Acórdão delimita o presente incidente confrontando a Lei nº 4.698/99 com o artigo 192 e com o art. 170, inc. V, c.c. o art. 5º, inc. XXXII, da Constituição Federal.

O Órgão fracionário afirma a constitucionalidade do ato normativo municipal ao submetê-lo ao primeiro filtro, o do art. 192 da CF, segundo o qual “o sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do capital estrangeiro nas instituições que o integram”.

Para a C. 12ª. Câmara, fica claro que o art. 192 diz respeito à “operacionalidade do sistema financeiro nacional”, ou seja, incide tão-somente sobre as relações intrínsecas negociais, “não descendo a detalhes sobre a forma e padrões de atendimento bancário”.

A eiva, conforme se cogita, se evidenciaria pelo contraste da norma local com o art. 170, inc. V, c.c. o art. 5º, inc. XXXII, da Constituição Federal.

O debate versa, portanto, sobre direito do consumidor e seu caráter nacional, afirmado no art. 48 do ADCT, que não teria deixado espaço para a edição, pelos municípios, de regras próprias para a proteção consumerista.

A matéria não é nova para a Corte Paulista, registrando-se haver sido declarada a inconstitucionalidade de lei municipal análoga, por ofensa ao Princípio Federativo:

INCONSTITUCIONALIDADE - Lei Municipal que dispõe sobre o funcionamento de bancos, marcando prazo para que os caixas atendam os usuários, sob pena de serem penalizados os estabelecimentos - Ação Direta julgada procedente, por ofensa aos artigos 1º e 144 da Constituição Estadual - É inválida a lei municipal que dispõe sobre matéria da competência exclusiva da União, visto contrariar frontalmente o Princípio Federativo, contemplado expressamente na Carta paulista (ADIN 74.304-0/4, j. 3/4/2002, rel. Des. Dante Busana).

Esta Subprocuradoria, a seu turno, já afirmou a inconstitucionalidade das leis locais sobre o tema, especialmente quando derivadas de projetos subscritos por Vereadores. Nesse sentido, por exemplo, o parecer ofertado na ADIN nº 168.963-0/0, que tratava da Lei nº 4.572, de 9 de junho de 2008, do Município de Catanduva.

Rendemo-nos, agora, à jurisprudência do STF, que vê interesse local na normatização do tempo de espera de fila em estabelecimentos bancários.

Com efeito, nosso ordenamento constitucional adotou o regime da repartição constitucional de competências, por meio do qual à União são reservados assuntos de interesse geral, aos Estados os de interesse regional, e aos Municípios os de interesse local.

A interpretação das regras constitucionais na matéria deve levar em consideração qual o interesse prevalente, na medida em que toda e qualquer disciplina legislativa sempre traz algum aspecto que é relevante para mais de uma esfera da Federação. A chave da solução dos problemas concretos está, assim, na identificação do interesse predominante (confira-se, na doutrina: José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 28ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 477 e ss; Fernanda Dias Menezes de Almeida, Competências na Constituição de 1988, 4ª ed., São Paulo, Atlas, 2007, passim; Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 270 e ss; entre outros).

Embora caiba à União editar leis complementares dispondo sobre o sistema financeiro nacional, bem como instituições financeiras e suas operações (art. 48, XIII; art.192 c/ red. da EC nº 40/03, CR/88), isso não inibe a competência dos Municípios para, mesmo em se tratando de serviços prestados por instituições financeiras, editar normas de interesse local, relacionadas à proteção do consumidor e à qualidade dos serviços prestados (art. 30, II, da CR/88).

A matéria, como adiantamos, é pacífica no âmbito do STF (confira-se: AC nº 1.124-8, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 4.8.2006; RE 312.050, rel. Min. Celso de Mello, DJ 06.05.05; RE 208.383, rel. Min. Néri da Silveira, DJ de 07.06.99).

Em julgado recente, a Corte Constitucional decidiu:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGÊNCIAS BANCÁRIAS. TEMPO DE ATENDIMENTO AO PÚBLICO. COMPETÊNCIA. MUNICÍPIO. ART. 30, I, CB/88. FUNCIONAMENTO DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ARTS. 192 E 48, XIII, DA CB/88. 1. O Município, ao legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias estabelecidas em seu território, exerce competência a ele atribuída pelo artigo 30, I, da CB/88. 2. A matéria não diz respeito ao funcionamento do Sistema Financeiro Nacional [arts. 192 e 48, XIII, da CB/88]. 3. Matéria de interesse local. Agravo regimental improvido.” (STF, RE-AgR 427463/RO, 1ª T., rel. Min. Eros Grau, j. 14/03/2006, DJ 19-05-2006, PP-00015).

No julgado destacado, o relator, Min. Eros Grau, formulou as seguintes ponderações:

“(...)

Ao legislar sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias estabelecidas em seu território, o Município exerceu competência a ele atribuída pelo art.30, inciso I, da Constituição do Brasil.

A matéria respeita a interesse local do Município, que não se confunde com a atinente às atividades-fim das instituições financeiras. Ademais, incluem-se no âmbito dos assuntos de interesse local os relativos à proteção do consumidor. Vale mesmo dizer: o Município está vinculado pelo dever de dispor, no plano local, sobre a matéria.

A lei municipal não dispôs sobre política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores – art.22 inciso VII, da CB/88. Também não regulou a organização, o funcionamento e as atribuições de instituições financeiras. Limitou-se a impor regras tendentes a assegurar adequadas condições de atendimento ao público na prestação de serviços, por essas instituições, ao consumidor/cliente.

Não envolve transgressão da competência reservada ao Congresso Nacional pelo art.48, inciso XIII, da Constituição do Brasil, para dispor sobre matéria financeira e funcionamento de instituições financeiras. Também não diz respeito à estruturação do sistema financeiro nacional, matéria que, nos termos do disposto no art.192 da CB/88, há de ser regulada por lei complementar.

(...)

No mais, devo fazer breve alusão aos argumentos aportados às razões do agravo pelo parecer juntado aos autos, inicialmente observando que a exigência de lei complementar veiculada pelo art.192 da Constituição abrange apenas o quanto respeite à regulamentação da estrutura do sistema. Isso é nítido como a luz solar passando através de um cristal bem polido.

(...)”

Daí se concluir que, para o funcionamento da instituição financeira (esse sim objeto de lei federal), é irrelevante a previsão, em lei municipal, do tempo máximo de espera, pelo cliente, nas filas de atendimento. Esse aspecto diz respeito apenas à qualidade do atendimento ao consumidor dos serviços bancários, cabendo ao Município, na concretização do interesse local, aprimorar, por normatização própria, o serviço prestado.

Diante do exposto e, nos limites deste incidente, opina-se pela constitucionalidade da Lei nº 4.698/99, do Município de Marília, que dispõe sobre o tempo máximo de espera em fila de banco.

São Paulo, 4 de novembro de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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