Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 185.741.0/2-00

Suscitante: 15ª Câmara de Direito Público do TJESP

Objeto: art. 15 da Lei nº 2.210 (Código Tributário de Guarulhos), de 27 de dezembro de 1977, com a redação da Lei nº 5.733/01.

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade, suscitado pela 15ª. Câmara de Direito Público do TJSP, do art. 15 da Lei nº 2.210 (Código Tributário de Guarulhos), de 27 de dezembro de 1977, com a redação da Lei nº 5.733/01. Alegação de afronta ao art. 156, § 1º, inc. I e II, da Constituição Federal. Lei que institui alíquotas diferenciadas do IPTU em função dos serviços públicos (coleta de lixo e iluminação pública) postos à disposição do contribuinte. Progressividade extrafiscal que se divorcia do paradigma constitucional, que determina a diferenciação das alíquotas em função da localização e do uso do imóvel. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 15ª Câmara de Direito Público, nos autos de Apelação Cível n.º 577.021-5/8-00, em que figuram como partes a PREFEITURA MUNICIPAL DE GUARULHOS e (...).

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), eis que se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, do art. 15 da Lei nº 2.210 (Código Tributário de Guarulhos), de 27 de dezembro de 1977, com a redação da Lei nº 5.733/01, do Município de Guarulhos/SP.

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPP).

Este é resumo do que consta dos autos.

No caso em análise, foi ajuizada ação anulatória de IPTU, do exercício de 2003, sob a alegação de inconstitucionalidade do art. 15 da Lei nº 2.210 (Código Tributário de Guarulhos), de 27 de dezembro de 1977, com a redação da Lei nº 5.733/01, do Município de Guarulhos, que tem o seguinte teor:

Art. 15. O imposto será calculado com base no valor venal do imóvel, na forma a seguir especificada:

I - para imóvel contendo prédio com utilização residencial, não servido pelos serviços de coleta de lixo e/ou iluminação pública, a razão de:

a) 0,3% (três décimos de um por cento) para valor venal até 10.000 (dez mil) UFG;

b) 0,5% (meio por cento) para a parcela do valor venal que exceder a 10.000 (dez mil) UFG e até 50.000 (cinqüenta mil) UFG; e

c) 1,0% (um por cento) para a parcela do valor venal que exceder a 50.000 (cinqüenta mil) UFG.

II - para imóvel contendo prédio com utilização residencial, servido pelos serviços de coleta de lixo e iluminação pública, a razão de:

a) 0,5% (meio por cento) para valor venal até 20.000 (vinte mil) UFG;

b) 1,2% (um inteiro e dois décimos por cento) para a parcela de valor venal que exceder a 20.000 (vinte mil) UFG e até 40.000 (quarenta mil) UFG; e

c) 1,4% (um inteiro e quatro décimos por cento) para a parcela do valor venal que exceder a 40.000 (quarenta mil) UFG.

III - para imóvel cuja área territorial seja superior a 400m² (quatrocentos metros quadrados), contendo prédio com utilização residencial, exceder a 10 (dez) vezes a área edificada e estiver situado em local que contar com mais de 2 (dois) melhoramentos dos mencionados no art. 9º, ou a 20 (vinte) vezes a área edificada, quando situado em local com até 2 (dois) dos citados melhoramentos, a razão de:

a) 1,0% (um por cento) para valor venal até 20.000 (vinte mil) UFG; e

b) 2,0% (dois por cento) para a parcela do valor venal que exceder a 20.000 (vinte mil) UFG.

IV - para imóvel contendo prédio com utilização comercial e/ou industrial, independentemente de sua localização, a razão de:

a) 1,0% (um por cento) para valor venal até 10.000 (dez mil) UFG;

b) 1,5% (um e meio por cento) para a parcela do valor venal que exceder a 10.000 (dez mil) UFG e até 20.000 (vinte mil) UFG;

c) 2,0% (dois por cento) para a parcela do valor venal que exceder a 20.000 (vinte mil) UFG e até 300.000 (trezentos mil) UFG; e

d) 2,1% (dois inteiros e um décimo por cento) para a parcela do valor venal que exceder a 300.000 (trezentos mil) UFG.

V - para imóvel contendo prédio cuja utilização não se enquadre nos incisos I, II, III e IV, a razão de:

a) 0,6% (seis décimos por cento) para valor venal até 10.000 (dez mil) UFG;

b) 1,0% (um por cento) para a parcela do valor venal que exceder a 10.000 (dez mil) UFG e até 50.000 (cinqüenta mil) UFG;

c) 1,5% (um e meio por cento) para a parcela do valor venal que exceder a 50.000 (cinqüenta mil) UFG e até 300.000 (trezentos mil) UFG; e

d) 1,8% (um inteiro e oito décimos por cento) para a parcela do valor venal que exceder a 300.000 (trezentos mil) UFG.

VI - 3,5% (três e meio por cento) para imóvel não edificado, situado em local que contar com todos os melhoramentos mencionados no art. 9º, qualquer que seja o valor venal;

VII - imóvel não edificado situado em local que contar com 4 (quatro) dos melhoramentos mencionados no art. 9º, a razão de:

a) 1,5% (um e meio por cento) para valor venal até 10.000 UFG;

b) 2,0% (dois por cento) para a parcela do valor venal que exceder a 10.000 UFG e até 50.000 UFG; e

c) 3,0% (três por cento) para a parcela do valor venal que exceder a 50.000 UFG.

Cogita-se de que, ao instituir alíquotas diferenciadas do IPTU em função dos serviços públicos (coleta de lixo e iluminação pública) postos à disposição do contribuinte, a Municipalidade tenha se divorciado dos parâmetros constitucionais do art. 156, § 1º, inc. I e II, da CF.

Para o deslinde da questão constitucional, peço vênia para lembrar que, anteriormente à promulgação da EC 29/00, não se admitia a progressividade fiscal do IPTU, diante do caráter real desse tributo, incompatível com a dosimetria vinculada à capacidade econômica do contribuinte. A progressividade autorizada pelo primitivo § 1º do art. 156 da CF (“§ 1º - O imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade”) era a extrafiscal, com vista exclusivamente à consecução dos objetivos traçados pelo art. 182, § 2º, da Carta Republicana.

Essa realidade perdurou até o dia 13 de setembro de 2000, quando foi promulgada a Emenda Constitucional nº 29. Por ela se alterou o § 1º do art. 156, da Constituição Federal, que passou a vigorar com a seguinte redação:

Art.156 ...

§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: (NR)

I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e (AC)

II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel. (AC)

A partir daí, passou-se a entender que:

“o IPTU progressivo pode ser instituído tanto com fundamento no inciso II do § 4º do artigo 182 da Constituição Federal, para, atendendo a um preceito de política urbana, induzir o proprietário a fazer com que seu imóvel cumpra a função social, de acordo com o determinado no inciso XXIII do artigo 5º da Lei Magna, como também com supedâneo no artigo 156, § 1º, I e II, da Constituição da República” (INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE nº 149.510-0/5, j. 14.11.2007, rel. ALMEIDA GUILHERME, v.u., grifei).

A progressividade que tem em vista a capacidade contributiva é aferível em função do próprio imóvel (e não da fortuna em dinheiro de seu proprietário). É o que se denomina progressividade fiscal, de que trata o art. 145, § 1º, primeira parte, c.c. o art. 156, § 1º, I, da CF.

A outra progressividade, chamada progressividade extrafiscal, decorre do art. 156, § 1º, II, CF. Nada tem a ver com a capacidade contributiva. As alíquotas diferentes são estabelecidas conforme a localização e do uso do imóvel e, segundo a doutrina (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 23ª. ed., rev., ampl. e atual. até a EC 53/2006, São Paulo: Malheiros, 2007, p. 107-115), dependem da edição do plano diretor. Aqui está em jogo a função social da propriedade.

No caso dos autos, o legislador local instituiu progressividade extrafiscal olvidando o modelo constitucional, pois graduou as alíquotas não somente em função de parâmetros constitucionais legítimos como também levando em consideração determinados serviços postos à disposição do contribuinte, para os quais estão previstas a taxa (art. 145, II, CF) e a contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública (art. 149-A, CF).

Essa inovação não se ajusta à norma-padrão de incidência do tributo pré-traçada na Constituição Federal, do que decorre a sua inconstitucionalidade, tal como reconhecida no julgamento da Apelação nº 577.021-5/8-00, relatada pelo em. Des. EUTÁLIO PORTO, em cujo Acórdão se cogitou da dupla penalização do contribuinte, “posto que não pode ser dele exigido que pague mais imposto porque usufrui de serviços urbanos de existência obrigatória e que já são remunerados”.

Em julgado mais recente, a 14ª. Câmara de Direito Público também reputou inválida a diferenciação de alíquotas escorada na prestação ou não dos serviços de iluminação pública e de coleta de lixo. O v. Acórdão tem a seguinte ementa:

Apelação. Ação anulatória de lançamento fiscal. Imposto predial e territorial urbano. Exercício de 2002. Cobrança lastreada na Lei Municipal 5.753/01. Diversidade de alíquotas segundo o imóvel seja, ou não, servido pelos serviços de coleta de lixo e iluminação pública. Inadmissibilidade. Inobservância do estatuído no artigo 156, § 1º, da Constituição Federal. Precedente desta corte. Pretensão de que se cobre o tributo como no exercício anterior. Impossibilidade. Exação que há de observar o estatuído na Lei Municipal 5.753/01, sem a diversidade de alíquotas antes mencionada. Recurso a que se dá parcial provimento (Apelação Cível com Revisão nº 877.711-5/4, rel. Des. GERALDO XAVIER, j. 27.08.2009).

Para o relator desse último julgado, Guarulhos instituiu, na verdade, uma cobrança da iluminação pública e da coleta de lixo dissimulada, “calcada apenas na circunstância de o contribuinte ser proprietário de imóvel residencial”, o que, por óbvio, não poderia fazer, eis que a Constituição proíbe que as taxas sejam estabelecidas pelos elementos de tributação específicos dos impostos (art. 145, § 2º, da CF).

Diante do exposto, o parecer é pela declaração da inconstitucionalidade do art. 15 da Lei nº 2.210 (Código Tributário de Guarulhos), de 27 de dezembro de 1977, com a redação da Lei nº 5.733/01, do Município de Guarulhos/SP.

 

São Paulo, 5 de novembro de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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