Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 185.896.0/9

Órgão Especial

Suscitante: 5ª Câmara de Direito Público

Apelante: (...)

Apelada: Fazenda Pública do Estado de São Paulo

Objeto: incisos 1, 2 e 3 do parágrafo único do art. 7º das Disposições transitórias da Lei Complementar Estadual nº 836, de 30 de dezembro de 1997.

 

Ementa:

1) Incidente de inconstitucionalidade. Incisos 1, 2 e 3 do parágrafo único do art. 7º das Disposições transitórias da Lei Complementar Estadual nº 836, de 30 de dezembro de 1997. Novo regime de composição de remuneração e proventos dos professores estaduais. Modificação da forma de cálculo das horas de atividade (de “horas-aula” para “horas-relógio”).

2) Alegação de violação da isonomia e da paridade de tratamento com servidores em atividade. Suposta violação ao art. 5º, caput, e ao art. 40, § 4º da CR/88 (este último – parágrafo 4º - na redação vigente quando da edição da lei complementar estadual).

3) Dispositivo constitucional revogado. Impossibilidade de sua adoção como parâmetro para o controle da constitucionalidade atual da norma. Doutrina e precedentes.

4) Inexistência de violação à isonomia. Situação dos professores em atividade, com possibilidade de realização de atividades extras (horas suplementares), que indica discrímen com relação aos inativos.

5) Inexistência de direito adquirido ao regime jurídico, bem como à formula de cálculo dos vencimentos e proventos. Precedentes do C. STF.

6) Respeito à irredutibilidade nominal do valor dos proventos dos professores aposentados. Sistema de transição previsto no art. 7º, parágrafo único, incisos 1, 2 e 3 da Lei Complementar Estadual nº 836/1997. Mudança na forma de contagem das horas sem redução do valor dos estipêndios. Precedentes do C. STF e de colegiados fracionários do E. TJSP.

7) Parecer pelo conhecimento do incidente, e por seu não acolhimento.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade, suscitado pela 5ª Câmara de Direito Público desse E. Tribunal de Justiça de São Paulo, nos termos do v. acórdão de fls. 221/236, rel. Des. Xavier de Aquino, proferido nos autos da apelação cível com revisão nº 377.196-5/7-00, na sessão de julgamento realizada em 27.07.2009.

Ao suscitar a instauração do incidente, a C. 5ª Câmara de Direito Público desse E. Tribunal de Justiça afirmou a inconstitucionalidade dos incisos 1, 2 e 3 do parágrafo único do art. 7º das Disposições transitórias da Lei Complementar Estadual nº 836, de 30 de dezembro de 1997. destacando-se, em trecho do voto do i. des. Relator, o que segue:

         (...)

            Assim, como se vê, nunca houve distinção entre ‘horas-aula’ e ‘horas-relógio’ a justificar a ‘conversão’ operada pelo art. 7º, parágrafo único, incisos I a III, das Disposições Transitórias da Lei Complementar Paulista 836/1997.

            Em outras palavras, nunca houve previsão legal, e a Fazenda nem se esforçou em tentar prová-lo ou justificá-lo, para a suposta prestação de ‘horas-aula’ de 50 (cinqüenta) minutos em ‘horas-relógio’ de 60 (sessenta) minutos que autorizassem a ‘conversão’ operada por essa nova Lei: os docentes sempre trabalharam a hora inteira.

            O efeito imediatamente visível dessa ‘regra de transição’ é a diminuição da consideração do número de horas efetivamente trabalhadas pelo docente.

            (...)

            O segundo argumento diz respeito à inexistência de direito adquirido a regime jurídico, desde que não haja redução nominal dos vencimentos ou proventos.

            Neste ponto, pode parecer que não houve qualquer ilegalidade ou inconstitucionalidade no art. 7º das Disposições Transitórias da Lei Complementar 836/1997, já que, no fim de contas, apesar de obliquamente, evitou a redução nominal dos proventos dos docentes em relação ao que percebiam antes da produção dos efeitos do novo diploma normativo.

            Contudo, uma análise do regime jurídico instituído por essa nova Lei em cotejo com o seu aludido art. 7º não deixa dúvidas de que houve flagrante violação à isonomia assegurada no art. 5º, ‘caput’, e à paridade entre ativos e inativos prevista no art. 40, § 4º, na redação então vigente, da Constituição Federal.

            (...)

            Em conjunto com o art. 10, verifica-se que a jornada máxima de trabalho do docente, a partir daí, passou a ser de 200 (duzentas) horas, correspondente a 150 (cento e cinquenta) horas normais mais 50 (cinqüenta) suplementares.

            Lembrando-se que a remuneração dos servidores já aposentados e dos ativos foi ‘equalizada’ pelas regras e critérios da novel Lei Complementar Estadual 836/1997, observa-se uma discriminação sem qualquer razão: o docente que trabalhou 225 horas mensais e cumpriu os requisitos da lei anterior para se aposentar recebe agora igual ao da ativa que trabalha 187,5 horas. E mais: o servidor na ativa atualmente pode fazer até 50 horas suplementares por mês, podendo receber remuneração correspondente, então, a 200 horas, mais do que o aposentado que prestou 225 horas de sérvio à Administração!

            Em suma, a desvalorização das horas trabalhadas pelos aposentados efetuada pelo art. 7º das Disposições Transitórias da Lei Complementar Estadual 836/1997, a título de uma fictícia e pontual ‘conversão’, em relação aos que se encontram na ativa viola frontalmente a igualdade assegurada no art. 5º, ‘caput’, e a paridade entre os ativos e inativos assegurada na redação original do art. 40, § 4º, vigente na época da edição dessa lei, ambos da Constituição Federal de 1988, sendo indispensável a manifestação do Órgão Especial desta Corte a respeito desses dispositivos” (fls. 222/236).

É o relato do essencial.

O incidente de inconstitucionalidade deve ser conhecido, mas, com o devido respeito, não merece acolhimento.

Os dispositivos da Lei Complementar Estadual nº 836/1997, colocados sob suspeita, têm a seguinte redação:

“Lei Complementar nº 836, de 30 de dezembro de 1997.

Institui Plano de Carreira, Vencimentos e Salários para os integrantes do Quadro do Magistério da Secretaria da Educação e dá outras providências correlatas.

(...)

Disposições Transitórias

(...)

Art. 7º. Os proventos dos inativos serão revistos na conformidade dos Anexos V, VI e VIII desta lei complementar.

Parágrafo único. A carga horária do inativo, compreendendo jornada e carga suplementar de trabalho docente, será apurada do seguinte modo:

1. A duração da aula-hora, de 50 (cinqüenta) minutos, passa a ser considerada como de 60 (sessenta) minutos;

2. o número de horas-aula que compõe a carga horária com a qual o inativo se aposentou deverá ser multiplicado por 50 (cinqüenta) e dividido por 60 (sessenta);

3. o resultado obtido na forma do item anterior corresponderá ao número de horas que compõe a nova carga horária do inativo;

4. a nova carga horária apurada corresponderá às horas estabelecidas para as jornadas a que se refere o artigo 10 desta lei complementar, sendo o restante das horas considerado como carga suplementar de trabalho.”

Os fundamentos adotados, no v. acórdão da C. 5ª Câmara desse E. Tribunal de Justiça, para afirmação da inconstitucionalidade do mencionado dispositivo, são essencialmente assentados na violação do princípio da isonomia e da paridade de tratamento entre ativos e inativos no serviço público, sendo indicados como parâmetros para tanto o art. 5º caput, e o art. 40, § 4º, ambos da CR/88, este último (parágrafo 4º do art. 40) na redação que vigia ao tempo em que foi editada a Lei Complementar Estadual nº 836/1997.

A primeira ponderação a fazer é de que dispositivo constitucional revogado não pode, com a devida vênia, ser adotado como parâmetro de controle para o reconhecimento atual de inconstitucionalidade de outro ato normativo.

De fato, à época da edição da Lei Complementar Estadual nº 836/1997, o § 4º do art. 40 da CR/88 tinha a seguinte redação:

“(...)

§ 4º. Os proventos da aposentadoria serão revistos, na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos inativos quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria, na forma da lei.

(...)”

Entretanto, o art. 40 da CR/88 foi alterado por sucessivas emendas constitucionais (EC nº 20/98, 41/03, 47/05), deixando de existir parâmetro constitucional que, objetivamente, reproduza a regra anteriormente contida no originário parágrafo 4º daquele artigo da Carta.

Assim, se o controle de constitucionalidade de atos normativos consiste em juízo de valor por força do qual o órgão judicial reconhece a incompatibibilidade vertical entre certa norma e determinado parâmetro constitucional, este último (o paradigma para a valoração) só pode consistir em norma que se encontra em vigor (considerada a atualidade da eficácia da norma cujo vício se pretende reconhecer) sob pena de chegar-se a resultado equivocado, a partir de premissa inexistente nesse raciocínio silogístico.

Em outros termos, para que seja reconhecida a inconstitucionalidade atual da norma, é necessário confrontá-la com o texto da Constituição que se encontra em vigor. Se o dispositivo constitucional pretensamente violado não mais existe, não se pode afirmar que determinado preceito legal contrarie a (atual) Constituição.

Como exemplo dessa ponderação, aplicável mutatis mutandis à hipótese em exame, confira-se o seguinte precedente do C. STF:

“EMENTA: - Ação direta de inconstitucionalidade. Alteração do parâmetro constitucional para a aferição da inconstitucionalidade da Decisão nº 819/96 proferida pelo Tribunal de Contas da União. - Quando há, posteriormente ao ajuizamento da ação direta, modificação, que interesse à norma impugnada, no parâmetro constitucional que lhe serve de aferição para a declaração de inconstitucionalidade, ou não, dele, esta Corte já firmou o entendimento de que a ação direta fica prejudicada por essa circunstância superveniente. Ação direta de inconstitucionalidade julgada prejudicada, ficando cassada a liminar deferida.” (ADI 1691/DF, rel.  Min. MOREIRA ALVES, j. 05/02/2003, T. Pleno).

Nada obstante tal precedente diga respeito ao processo objetivo (controle abstrato e concentrado de constitucionalidade da lei) e o incidente de inconstitucionalidade seja um desdobramento do controle difuso, realizado pelo C. Órgão Especial apenas em respeito à cláusula de reserva de plenário assentada no art. 97 da CR/88, deixa referido julgado entrever que se o parâmetro constitucional de controle não mais existe, não servirá para fins de reconhecimento da inconstitucionalidade de determinado ato normativo.

Embora a questão seja complexa, e suscite profundos debates, a doutrina tende a afirmar, em síntese, que apenas norma constitucional em vigor serve como parâmetro para o reconhecimento de inconstitucionalidade de lei igualmente vigorante. Confira-se: Luís Roberto Barroso, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, São Paulo, Saraiva, 2004, p. 129; Oswaldo Luiz Palu, Controle de constitucionalidade, 2ª ed., São Paulo, RT, 2001, p. 207, 220/221; Clèmerson Merlin Clève, A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro, 2ª ed., São Paulo, RT, 2000, p. 225; Gilmar Ferreira Mendes e Ives Gandra da Silva Martins, Controle concentrado de constitucionalidade, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 190/192.

Ainda que assim não fosse, sequer serviria o antigo § 4º do art. 40 da CR/88, com a devida vênia, para a afirmação da inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados.

É que no caso em exame, não se verificou nenhuma das hipóteses normativas nele previstas, ou seja: (a) a revisão de aposentadoria; ou (b) a criação de vantagens ou benefícios para servidores em atividade.

Tratou-se de simples modificação da sistemática de cômputo de horas trabalhadas, com regra de transição para os inativos, o que afastaria a suposta aplicação do revogado dispositivo constitucional.

Mas não é só.

Outro elemento importante a considerar, para a solução do caso em exame, é o entendimento consolidado da jurisprudência, inclusive do C. STF, no sentido da inexistência de direito adquirido ao regime jurídico, por parte dos agentes públicos da ativa, inativos ou pensionistas.

Alterações ulteriores no estatuto do funcionalismo, envolvendo reestruturação de carreira, e modificação da sistemática de cálculo de remuneração, proventos e pensões, são possíveis, e não ofendem a garantia constitucional assentada no art. 5º, XXXVI da CR/88.

Confiram-se os seguintes precedentes do C. STF: AI 701682 AgR/SP, rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, j. 22/09/2009, 1ª T.; RE 472936 AgR/SP, rel.  Min. CÁRMEN LÚCIA, j. 22/09/2009, 1ª T.; RE 506828 AgR/SP, rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, j. 22/09/2009, 1ª T.; entre inúmeros outros.

Ademais, nessa mesma linha, com destaque ainda quanto à impossibilidade de se adotar em parte o regime antigo, e em parte o novo, a fim de obter-se terceiro regime, distinto e mais vantajoso que os dois anteriores, confiram-se as seguintes ementas:

“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. CÁLCULO. SISTEMA HÍBRIDO. DECRETO 89.312/84 E LEI 8.213/91. REGIME JURÍDICO. DIREITO ADQUIRIDO. INEXISTÊNCIA. 1. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que descabe alegar direito adquirido a regime jurídico. Improcede a pretensão da recorrente de conjugar as vantagens do novo sistema com aquelas aplicáveis ao anterior, para efeito de revisão de benefício. 2. Agravo regimental improvido.” (AI 654807 AgR/SP, rel. Min. ELLEN GRACIE, j. 23/06/2009, 2ª T.) g.n.

“EMENTA: MILITAR. PROVENTOS. ADICIONAL DE INATIVIDADE. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. REGIME JURÍDICO. DIREITO ADQUIRIDO. INEXISTENCIA. ALEGADA OFENSA AO ART. 5º, XXXV E LV, DA CF. OFENSA REFLEXA. AGRAVO IMPROVIDO. I - Não há direito adquirido do servidor público estatutário a regime jurídico pertinente à composição dos vencimentos. Precedentes. II - A jurisprudência da Corte é no sentido de que a alegada violação ao art. 5º, XXXV e LV, da Constituição, pode configurar, quando muito, situação de ofensa reflexa ao texto constitucional, por demandar a análise de legislação processual ordinária. Precedentes. III - Agravo regimental improvido.” (AI 685866 AgR/RJ, rel.  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, j. 28/04/2009, 1ª T.) g.n.

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. ALTERAÇÃO NA FORMA DE COMPOSIÇÃO SALARIAL. PRESERVAÇÃO DO VALOR NOMINAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS. INOCORRÊNCIA. 1. Não há direito adquirido a regime jurídico, sendo possível, portanto, a redução ou mesmo a supressão de gratificações ou outras parcelas remuneratórias, desde que preservado o valor nominal da remuneração. Precedentes. 2. Reexame de fatos e provas. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental a que se nega provimento.” (RE 593711 AgR/PE, rel. Min. EROS GRAU, j. 17/03/2009, 2ª T.) g.n.

O que não poderia ocorrer com relação aos professores inativos – e de fato não ocorreu por força da instituição do novo regime jurídico dos membros do magistério paulista, nos termos da Lei Complementar Estadual nº 836/1997 – é a redução do valor nominal dos respectivos proventos, em virtude da garantia constitucional de irredutibilidade assentada no art. 37, XV da CR/88, red. EC nº 19/98.

A regra estabelecida por força do art. 7º das Disposições transitórias da Lei Complementar Estadual nº 836/1997, diante da nova sistemática de contagem de horas (de “horas-aula” para “horas-relógio”) e de nova delimitação dos regimes de trabalho, com mudança de carga, apenas inseriu os professores inativos nas molduras do novo regime, sem que, com isso, tenha havido redução de proventos de aposentadoria.

Não poderiam os docentes inativos continuar a perceber seus proventos por sistema que, em face da novel legislação, deixou de existir. Era indispensável apenas enquadrá-los nas molduras do novo Estatuto do Magistério estadual, respeitando-se o direito adquirido à percepção da remuneração nos patamares fixados quando da passagem para a inatividade. Afinal, a irredutibilidade de estipêndios é direito adquirido de estatura constitucional.

Nada impedia, entretanto, que o legislador alterasse a sistemática de cálculo dos proventos – respeitado seu valor nominal –, na medida em que essa providência, essencial à uniformização de tratamento tanto dos servidores em atividade como dos aposentados – era decorrência natural da implantação do novo estatuto.

Note-se que o v. acórdão da 5ª Câmara de Direito Público, ao suscitar o incidente, reconheceu que não houve redução dos proventos das autoras, professoras aposentadas. Assim, identificou a alegada inconstitucionalidade na circunstância de que, enquanto os professores em atividade poderão cumprir horas suplementares e alcançar patamar de 200 (duzentos) horas-aula para retribuição pecuniária, os inativos, que se aposentaram com carga de duzentas, ou duzentas e vinte e cinco horas, ficarão limitados, na nova contagem, a patamar inferior.

Formulando raciocínio exemplificativo a partir dos critérios de cálculo de horas dos inativos, contidos no art. 7º das Disposições transitórias da Lei Complementar nº 836/1997, e comparando seu resultado com a situação, decorrente da nova lei, daqueles que se encontram em atividade, averbou o voto do i. des. Xavier de Aquino:

“(...)

         Prosseguindo o exemplo do professor aposentado que trabalhou 225 horas mensais (200 normais mais 25 suplementares) e que passou a receber por 187,5 (150 normais mais 27,5 suplementares) em virtude desse art. 7º, observa-se que a Lei Complementar 836/1997, embora tenha estabelecido como jornada máxima de trabalho normal a de 150 horas, no lugar da de 200 permitida anteriormente, continuou a permitir a prestação de carga suplementar nos seguintes termos:

(...)

         Em conjunto com o art. 10, verifica-se que a jornada máxima de trabalho do docente, a partir daí, passou a ser de 200 (duzentas) horas, correspondente a 150 (cento e cinqüenta) horas normais mais 50 (cinqüenta) suplementares.

         Lembrando-se que a remuneração dos servidores já aposentados e dos ativos foi ‘equalizada’ pelas regras e critérios da novel Lei Complementar Estadual 836/1997, observa-se uma discriminação sem qualquer razão: o docente que trabalhou 225 horas mensais e cumpriu os requisitos da lei anterior para se aposentar recebe agora igual ao da ativa que trabalha 187,5 horas. E mais: o servidor na ativa atualmente pode fazer até 50 horas suplementares por mês, podendo receber remuneração correspondente, então, a 200 horas, mais do que o aposentado que prestou 225 horas de serviço à Administração!

(...)” (fls. 233/234).

Entretanto, o cotejo entre as situações do aposentado e daquele docente que se encontra em atividade, no raciocínio acima transcrito contido no voto do i. relator, com a devida vênia, não merece apoio.

A razão é simples: é cediço que o princípio da isonomia significa tratar igualmente os que se encontram em situação igual, e de forma diversa aqueles que estão em perspectivas diferenciadas. Se há fator legítimo de discrímen, portanto, justifica-se o tratamento diversificado.

Na hipótese examinada, a regra de transição enquadrou os professores aposentados no novo regime decorrente da Lei Complementar Estadual nº 836/1997, respeitando integralmente a garantia da irredutibilidade de proventos.

O fato de os servidores – professores – em atividade poderem cumprir horas suplementares, e alcançarem remuneração superior aos proventos dos aposentados, não tangencia o princípio da igualdade, visto que essa diferenciação de estipêndios decorrerá de atividade além da normal, exercida em conformidade com o atual estatuto dos docentes estaduais.

Essa atividade extraordinária que, obviamente, não poderá ser exercida pelos professores já aposentados (dada a inatividade), não permite que tais créditos relativos a horas suplementares sejam pagos a estes últimos.

Em outras palavras, dada a diversidade de perspectiva (fator de discrímen), nesse particular, existente entre a situação dos ativos e dos inativos, não se pode falar, na hipótese, em desrespeito à regra da isonomia.

Anote-se, por oportuno, que a posição aqui sustentada – constitucionalidade da regra de transição contida no art. 7º, parágrafo único, incisos 1, 2 e 3 da Lei Complementar Estadual nº 836/1997 – vem sendo acolhida, salvo engano de nossa parte, pela maioria dos órgãos fracionários desse E. Tribunal de Justiça que tem se deparado com a referida quaestio iuris.

Nesse sentido, confiram-se os precedentes indicados a seguir, em caráter exemplificativo: apelação cível com revisão nº 307.454-5/8-00, 1ª Câmara de Direito Público, v.u., j. 22.09.2009, rel. Castilho Barbosa; apelação cível com revisão nº 390.376-5/4-00, 7ª Câmara de Direito Público, v.u., j. 14.04.2008, rel. Moacir Peres; apelação cível com revisão nº 606.842-5/9-00, 9ª Câmara de Direito Público, v.u., j. 05.11.2008, rel. Antônio Rulli; apelação cível com revisão nº 462.561-5/8-00, 1ª Câmara de Direito Público, v.u., j. 11.11.2008, rel. Danilo Panizza; apelação cível com revisão nº 358.968-5/1-00, 2ª Câmara de Direito Público, v.u., j. 28.07.2009, rel. Nelson Calandra; apelação cível com revisão nº 382.217-5/6-00, 9ª Câmara de Direito Público, v.u., j. 30.09.2009, rel. Gonzaga Franceschini.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido do conhecimento do incidente, que não deverá, entretanto, ser acolhido, reconhecendo-se a constitucionalidade do regime de transição, aplicável aos professores aposentados do Estado de São Paulo, por força do art. 7º, parágrafo único, incisos 1, 2 e 3, da Lei Complementar Estadual nº 836/1997.

São Paulo, 09 de novembro de 2009.

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

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