Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

Autos nº. 185.897-0/3-00

Suscitante: 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

Objeto: art. 3º da Lei nº 13.511/2003, do Município de São Paulo

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade do art. 3º da Lei nº 13.511/2003, que institui a “Gratificação Especial de Serviço Social na Saúde” - GES. Caráter genérico da vantagem incompatível com o conceito de gratificação. Aumento vencimental disfarçado. Art. 3º da Lei nº 13.511/2003, dispondo que “a importância paga a título de Gratificação Especial de Serviço Social na Saúde – GES não tem natureza salarial ou remuneratória, não se incorpora à remuneração do servidor para quaisquer efeitos, não será computada para fins de pagamento do 13º (décimo terceiro) salário e não constituirá base de cálculo de contribuição previdenciária ou de assistência à saúde” incompatível com o art. 39, § 3º c.c. art. 7º, VIII, da Constituição Federal. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

(...) e (...), servidoras públicas do Município de São Paulo, ajuizaram ação ordinária em face da MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO, pleiteando o cômputo da “Gratificação Especial de Serviço Social na Saúde – GES”, instituída pela Lei nº 13.511/2003, nos cálculos do 13º salário, de 1/3 (um terço) das férias e nos adicionais por tempo de serviço, e o pagamento das diferenças pagas a menor, fundada na incompatibilidade do art. 3º da Lei nº 13.511/2003 com o art. 39, § 3º c.c. art. 7º, VIII, da Constituição Federal.

Pela r. Sentença de fls. 80/83, a ação foi julgada improcedente.

As autoras, inconformadas com a Decisão monocrática, interpuseram apelação (fls. 88/108).

O recurso foi regularmente processado, com contra-razões a fls. 115/123, sendo distribuído à Colenda 5ª. Câmara de Direito Público.

O v. Acórdão de fls. 131/137 determinou a suspensão do julgamento da apelação, para que, em atenção à cláusula da reserva de Plenário (Súmula vinculante nº 10), o E. Órgão Especial se pronuncie sobre a constitucionalidade do art. 3º da Lei nº 13.511/2009, que institui a “Gratificação Especial de Serviço Social na Saúde” - GES.

Este é resumo do que consta dos autos.

A Gratificação Especial pela Prestação de Serviço Social na Saúde – GES foi criada pela Lei nº 13.511/2003 e, nos termos do art. 1º, beneficia os “servidores ocupantes de cargos ou funções de Assistente Social lotados e em exercício na Secretaria Municipal da Saúde”.

O art. 3º da Lei nº 13.511/2003, dispõe que “a importância paga a título de Gratificação Especial de Serviço Social na Saúde – GES não tem natureza salarial ou remuneratória, não se incorpora à remuneração do servidor para quaisquer efeitos, não será computada para fins de pagamento do 13º (décimo terceiro) salário e não constituirá base de cálculo de contribuição previdenciária ou de assistência à saúde”

Nos estreitos limites deste incidente, esse artigo deve ser cotejado com o art. 39, § 3º c.c. art. 7º, VIII, da Constituição Federal:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;

(...)

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.

§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.

Depreende-se da lei municipal que a Gratificação Especial pela Prestação de Serviço Social na Saúde – GES foi instituída em caráter geral. Todo servidor lotado na Secretaria Municipal de Saúde, em efetivo exercício das funções de Assistente Social, passou a percebê-la.

Essa abrangência revela que a GES tem a natureza de vencimentos e não de gratificação.

Gratificações são, para a doutrina, a “retribuição de um serviço comum prestado em condições especiais”. Cuidam-se de “vantagens pecuniárias atribuídas precariamente aos servidores que estão prestando serviços comuns da função em condições anormais de segurança, salubridade ou onerosidade (gratificações de serviço), ou concedidas como ajuda aos servidores que reúnam as condições pessoais que a lei especifica (gratificações especiais). As gratificações – de serviço ou pessoais – não são liberalidades puras da Administração; são vantagens pecuniárias concedidas por recíproco interesse do serviço e do servidor, mas sempre vantagens transitórias, que não se incorporam automaticamente ao vencimento, nem geram direito subjetivo à continuidade de sua percepção. Na feliz expressão de Mendes de Almeida, ‘são partes contingentes, isto é, partes que jamais se incorporam aos proventos, porque pagas episodicamente ou em razão de circunstâncias momentâneas’” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 1998, p. 396/397).

No caso dos autos, o benefício instituído não se enquadra no conceito de gratificação. Não se relaciona a qualquer “condição especial”: basta o efetivo exercício da função de Assistente Social, no amplo âmbito da Secretaria Municipal da Saúde, para que o servidor a ele faça jus.

Cogita o v. Acórdão de que a benesse tenha sido classificada como “gratificação” para que a Prefeitura se exima de pagar aos servidores esse acréscimo por ocasião das férias e do 13º salário. Isso parece ter ocorrido, pois a verba não se liga a qualquer circunstância especial do serviço ou do servidor. É disfarçado aumento vencimental que, como tal, deve sofrer a incidência do art. 39, § 3º c.c. art. 7º, VIII, da Constituição Federal, sendo inconstitucionais as expressões da lei que dizem o contrário.

Essa tem sido a orientação dessa Corte, em relação à “gratificação” análoga instituída pelas leis municipais 11.716/95 e 13.625/03, fixado o entendimento de que tais parcelas têm natureza remuneratória, pois são conferidas com habitualidade e constância, “sendo pagas ininterruptamente numa mesma base, sem se prender a qualquer circunstância específica do serviço”, como se extrai da Ap. Cível nº 802.057.5/5-00, j. 10.08.2009, rel. Des. Teresa Ramos Marques, com a seguinte ementa:

SERVIDOR MUNICIPAL. Ativos - Gratificação Especial - Prestação de serviços assistenciais em saúde - Inclusão - 13° Salário - Abono de férias - Leis Municipais 11.716/95 e 13.652/03 - Possibilidade: Por sua natureza remuneratória, as gratificações integram a base de cálculo do 13º salário e do abono de férias

Esses fundamentos, mutatis mutandis, ajustam-se à hipótese em análise e revelam a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei nº 13.511/2003, pelo qual se estabelece que “a importância paga a título de Gratificação Especial de Serviço Social na Saúde – GES não tem natureza salarial ou remuneratória, não se incorpora à remuneração do servidor para quaisquer efeitos, não será computada para fins de pagamento do 13º (décimo terceiro) salário e não constituirá base de cálculo de contribuição previdenciária ou de assistência à saúde”.

Diante do exposto, o parecer é pela declaração da inconstitucionalidade do art. 3º da Lei nº 13.511/2003, do Município de São Paulo.

 

São Paulo, 9 de novembro de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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