Incidente de Inconstitucionalidade

Autos n. 186.021.0/4 -00

Suscitante: Terceira Câmara de Direito Público

Lei impugnada: art.8º da Lei Municipal n. 11.716/95 de São Paulo

 

Ementa: Incidente de Inconstitucionalidade. Art.8º da Lei n. 11.716/95, do Município de São Paulo, que institui a Gratificação Especial pela Prestação de Serviços Assistenciais em Saúde.   Servidor Público.  13º salário e terço constitucional das férias.   Integralidade dos vencimentos.    Aumento vencimental disfarçado.   Parecer pela declaração de inconstitucionalidade.

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Colendo Órgão Especial

                           

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado quando do julgamento da Apelação Cível n. 889.083.5/0-00, em que são apelantes (...) e outros e apelada a Municipalidade de São Paulo.

Ocorre que, iniciado o julgamento da apelação, foi questionada a validade jurídico-constitucional do art.8º da Lei Municipal nº11.716/95 de São Paulo que exclui da base de cálculo a gratificação especial pela prestação de serviços de assistência em saúde, para fins de pagamento de 13º salário e do terço constitucional das férias.

Por força de ser considerada prejudicial a questão da eventual inconstitucionalidade, bem como por força do princípio da reserva de plenário esculpido no art. 97 da Lei Maior, suscitou-se o incidente de inconstitucionalidade previsto nos arts. 480/482 do CPC.

                     É sucinto relatório.

Com a advertência de que o parecer se restringe à questão prejudicial, tem-se que é inconstitucional a parte do artigo de lei impugnado.

Isto porque, à evidência, o dispositivo legal afronta o disposto no art.7º, incs. VIII e XVII da Constituição Federal, que assim dispõe:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou valor da aposentadoria;

(...)

XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;"

A norma impugnada encontra a seguinte redação:

"Art.8º - As gratificações especiais referidas nos artigos 1º e 6º e remuneração do regime de plantão de que trata o artigo 4º não se incorporam, tampouco se tornam permanentes, aos vencimentos ou proventos dos servidores, não servindo de base para cálculo de qualquer indenização ou vantagem pecuniária, inclusive 1/3 (um terço) de férias, décimo terceiro salário, adicionais por tempo de serviço e sexta parte."  original sem grifos e saliências

A inconstitucionalidade da norma reside tão somente na exclusão das gratificações especiais da base de cálculo para fins de remuneração de 1/3 das férias e do 13º salário.

Ora, tais gratificações, conquanto possam eventualmente não se incorporar definitivamente aos vencimentos do servidor, integram o seu salário, mesmo que transitoriamente.

Esta é a disposição literal do texto constitucional, que, com todo respeito, não admite interpretação em contrário.

De há muito se tem tal idéia, posto que em 26/7/1951, o E. STF, já proclamava que:

"SALÁRIO NORMAL É AQUELE QUE O EMPREGADO PERCEBE DURANTE O PERÍODO EM QUE FEZ JUS ÀS FÉRIAS"  (AI 14886, Rel. Min. Mário Guimarães, Publicado em 30/03/1953)

Desta forma, ao sair de férias, o servidor deve receber o seu 1/3 constitucional calculado sobre a integralidade de seus vencimentos RECEBIDOS NO PERÍODO EM QUE FEZ JUS ÀS FÉRIAS e não sobre parte dele; e igualmente, ao receber o 13º salário tendo por base o total de seus vencimentos.

Ademais, assim prescreve a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT:

Art. 142 - O empregado perceberá, durante as férias, a remuneração que lhe for devida na data da sua concessão. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.535, de 13.4.1977

§ 5º - Os adicionais por trabalho extraordinário, noturno, insalubre ou perigoso serão computados no salário que servirá de base ao cálculo da remuneração das férias. (Incluído pelo Decreto-lei nº 1.535, de 13.4.1977

Nos estreitos limites deste incidente, esse artigo deve ser cotejado com o art. 39, § 3º c.c. art. 7º, VIII, da Constituição Federal (este último já transcrito):

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.

§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.

Depreende-se da lei municipal que a Gratificação Especial pela Prestação de Serviços Assistenciais em Saúde foi instituída em caráter geral. Todo servidor lotado na Secretaria Municipal de Saúde, em efetivo exercício das funções de Assistente Social, passou a percebê-la.

Essa abrangência revela que a benesse em questão tem a natureza de vencimentos e não de gratificação.

Gratificações são, para a doutrina, a “retribuição de um serviço comum prestado em condições especiais”. Cuidam-se de “vantagens pecuniárias atribuídas precariamente aos servidores que estão prestando serviços comuns da função em condições anormais de segurança, salubridade ou onerosidade (gratificações de serviço), ou concedidas como ajuda aos servidores que reúnam as condições pessoais que a lei especifica (gratificações especiais). As gratificações – de serviço ou pessoais – não são liberalidades puras da Administração; são vantagens pecuniárias concedidas por recíproco interesse do serviço e do servidor, mas sempre vantagens transitórias, que não se incorporam automaticamente ao vencimento, nem geram direito subjetivo à continuidade de sua percepção. Na feliz expressão de Mendes de Almeida, ‘são partes contingentes, isto é, partes que jamais se incorporam aos proventos, porque pagas episodicamente ou em razão de circunstâncias momentâneas’” (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 1998, p. 396/397).

No caso dos autos, o benefício instituído não se enquadra no conceito de gratificação. Não se relaciona a qualquer “condição especial”: basta a prestação de serviços assistenciais em saúde, no amplo âmbito da Secretaria Municipal da Saúde, para que o servidor a ele faça jus.

A benesse foi classificada como “gratificação” para que a Prefeitura se exima de pagar aos servidores esse acréscimo por ocasião das férias e do 13º salário, pois a verba não se liga a qualquer circunstância especial do serviço ou do servidor. É disfarçado aumento vencimental que, como tal, deve sofrer a incidência do art. 39, § 3º c.c. art. 7º, VIII, da Constituição Federal, sendo inconstitucionais as expressões da lei que dizem o contrário.

Essa tem sido a orientação dessa Corte, em relação à “gratificação” criada pela lei em questão, fixado o entendimento de que tais parcelas têm natureza remuneratória, pois são conferidas com habitualidade e constância, “sendo pagas ininterruptamente numa mesma base, sem se prender a qualquer circunstância específica do serviço”, como se extrai da Ap. Cível nº 802.057.5/5-00, j. 10.08.2009, rel. Des. Teresa Ramos Marques, com a seguinte ementa:

SERVIDOR MUNICIPAL. Ativos - Gratificação Especial - Prestação de serviços assistenciais em saúde - Inclusão - 13° Salário - Abono de férias - Leis Municipais 11.716/95 e 13.652/03 - Possibilidade: Por sua natureza remuneratória, as gratificações integram a base de cálculo do 13º salário e do abono de férias

Esses fundamentos ajustam-se à hipótese em análise e revelam a inconstitucionalidade do art. 8º da Lei nº 11.716/95, pelo qual se estabelece que “As gratificações especiais referidas nos artigos 1º e 6º e remuneração do regime de plantão de que trata o artigo 4º não se incorporam, tampouco se tornam permanentes, aos vencimentos ou proventos dos servidores, não servindo de base para cálculo de qualquer indenização ou vantagem pecuniária, inclusive 1/3 (um terço) de férias, décimo terceiro salário, adicionais por tempo de serviço e sexta parte”.

Diante do exposto, o parecer é pela declaração da inconstitucionalidade do art. 8º da Lei nº 11.716/95, do Município de São Paulo.

São Paulo, 18 de novembro de 2009.

 

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

- Assuntos Jurídicos -

fjyd