Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 186.719-0/0-00

Suscitante: 12ª. Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Objeto: Lei nº 4.397/2006, do Município de Americana

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade, suscitado pela 12ª. Câmara de Direito Público, da Lei nº 4.397/2006, do Município de Americana, que dispõe sobre o horário de atendimento ao público nos estabelecimentos bancários instalados no Município. Normatização local que incide sobre relações negociais intrínsecas, de competência do legislador federal, nos termos do art. 192 da CF. Súmula nº 19 do STJ. Precedentes do STF. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 12ª Câmara de Direito Público, nos autos de Apelação Cível em que figuram como partes FEBRABAN – FEDERAÇÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DE BANCOS e PREFEITURA MUNICIPAL DE AMERICANA.

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), eis que se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, da Lei nº 4.397, de 25 de setembro de 2006, do Município de Americana, que “dispõe sobre o horário para atendimento ao público nos estabelecimentos bancários do Município de Americana e dá outras providências”.

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da lei questionada (art. 481, parágrafo único, do CPC).

Este é resumo do que consta dos autos.

A Lei nº 4.397/2006, do Município de Americana, decorre de projeto do Poder Legislativo (Ver. Paulo Sérgio Vieira Neves) e dispõe sobre o horário para o atendimento ao público nos estabelecimentos bancários do Município de Americana.

Para a solução do presente incidente, convém lembrar que nosso ordenamento constitucional adotou o regime da repartição constitucional de competências, por meio do qual à União são reservados assuntos de interesse geral, aos Estados os de interesse regional, e aos Municípios os de interesse local.

A interpretação das regras constitucionais na matéria deve levar em consideração qual o interesse prevalente, na medida em que toda e qualquer disciplina legislativa sempre traz algum aspecto que é relevante para mais de uma esfera da Federação.

A chave da solução dos problemas concretos está, assim, na identificação do interesse predominante (confira-se, na doutrina: José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 28ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 477 e ss; Fernanda Dias Menezes de Almeida, Competências na Constituição de 1988, 4ª ed., São Paulo, Atlas, 2007, passim; Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 270 e ss; entre outros).

Cabe à União editar leis complementares dispondo sobre o sistema financeiro nacional, bem como instituições financeiras e suas operações (art. 48, XIII; art.192 c/ red. da EC nº 40/03, CR/88).

É dado aos Municípios – mesmo em se tratando de serviços prestados por instituições financeiras – editar normas de interesse local, relacionadas à proteção do consumidor e à qualidade dos serviços prestados (art. 30, II, da CR/88).

No tema específico da fixação do horário de funcionamento dos bancos, doutrina e jurisprudência concordam que a matéria transcende o interesse do Município, sendo de competência exclusiva da União.

A propósito do tema, Alexandre de Moraes afirma:

“O horário de funcionamento do comércio local (lojas, shopping centers etc.) deverá ser fixado pelo próprio município, no exercício de sua competência (Súmula 645 do STF). Da mesma forma, a fixação de horário para funcionamento de farmácias e drogarias e de plantões obrigatórios, por tratar-se de patente interesse local de cada município”.

Contudo, ressalva o autor:

“Diversamente, no entanto, o Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento no sentido de que a matéria referente à determinação do horário de funcionamento bancário é de competência exclusiva da União porque transcende ao interesse local do município. (...) Isso não impede, porém, que os Municípios possam estabelecer obrigações às instituições financeiras, desde que presente o interesse local, inclusive sendo competentes para dispor sobre o tempo de atendimento ao público nas agências bancárias localizadas no seu respectivo território, sobre segurança e conforto nesses estabelecimentos, inclusive determinando a instalação de bebedouros e sanitários em bancos” (MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, 23ª ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 308-9). 

No Superior Tribunal de Justiça, a quaestio juris foi sumulada nos seguintes termos:

Súmula nº 19 – Horário Bancário – Fixação – Competência. A fixação do horário bancário, para atendimento ao público, é da competência da União

O Supremo Tribunal Federal decide no mesmo sentido:

Recurso Extraordinário. Horário de funcionamento bancário: matéria que, por sua abrangência, transcende ao peculiar interesse do Município. Competência exclusiva da União para legislar sobre o assunto. Precedentes do STF. RE conhecido e provido (RE nº 118.363-2, 2ª. T., j. 26 jun.90, rel. Célio Borja).

Constitucional. Horário de bancos. Peculiar interesse do Município. Não é de reconhecer-se quando o interesse nacional sobrepuja o interesse local. Competência da União, e não do Município, para regular tanto o horário interno de trabalho, como o externo de atendimento ao público pelos bancos (RE 89.942-SP, Pleno, rel. Décio Miranda, RTJ 89/335).

Mandado de Segurança. O Município não tem atribuição por lei para a fixação de horário de funcionamento bancário. Trata-se de interesse nacional, consequentemente, a competência é da União. Agravo regimental improvido (Ag 124.069-5 – MA, 2ª. T., rel. Djaci Falcão, DJ 25 mar. 1988)

Essas Decisões partem do pressuposto de que o serviço bancário exige tratamento uniforme a nível nacional. Transferências de valores, cobranças, liquidações de títulos, compensação de cheques e outras rotinas operacionais exigiriam ações coordenadas e sincronizadas, que demandam regulamentação uniforme em todo o território nacional.

A determinação do horário de funcionamento das agências, pelas implicações que trazem às operações citadas como exemplo, dizem respeito, segundo o pensamento em voga, às relações intrínsecas negociais, cuja normatização está reservada, como visto, à legislação federal.

Diante do exposto, o parecer é pela declaração da inconstitucionalidade da Lei nº 4.397/2006, do Município de Americana.

 

São Paulo, 9 de dezembro de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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