Autos n. 186.909-0/7-00
Suscitante: Décima Quinta Câmara de Direito Público
Objeto da impugnação: Lei Municipal n. 13.478/02 do Município de
São Paulo
Ementa: 1) Lei
Municipal n. 13.478/02 do Município de São Paulo, que institui a cobrança da
Taxa de fiscalização de serviços de limpeza urbana; 2) Inconstitucionalidade
material; 3)
Violação ao art. 145, II, e § 2.º, da Constituição Federal, aplicável aos
Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual; afronta direta ao
art. 160, II e seu §2º, da Constituição Paulista; 4) Parecer
pela decretação da inconstitucionalidade. |
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator
Colendo Órgão Especial
Trata-se
de Acórdão proferido pela Colenda Décima Quinta Câmara de Direito Público do
Egrégio Tribunal de Justiça, no julgamento da Apelação Cível n. 613.690.5/0-00,
que determinou a remessa dos autos, para distribuição, ao Excelso Órgão
Especial.
Ocorre
que o Acórdão suspendeu o julgamento e, por força da Súmula Vinculante n. 10 do
Supremo Tribunal Federal, determinou a remessa dos autos para serem
distribuídos perante o Órgão Especial do Egrégio Tribunal de Justiça, ao
vislumbrar a inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 13.478/02, de São Paulo.
É
o breve relatório.
A
lei impugnada ressente-se, de fato, de incontornável inconstitucionalidade.
Ocorre
que há flagrante violação ao disposto no artigo 160, inciso II, e seu § 2º, da
Constituição do Estado de São Paulo, que incorpora, expressamente, princípios
constitucionais tributários limitadores da autonomia das entidades políticas,
consagrados no artigo 145, inciso II, e seu § 2º, da Carta Magna, de atendimento obrigatório pelos Municípios,
por força do artigo 144, da Constituição Paulista.
Assim
dispõe a norma constitucional estadual violada:
“Art. 160. Compete ao Estado
instituir:
(...)
II - taxas em razão do
exercício do poder de polícia, ou pela utilização, efetiva ou potencial, de
serviços públicos de suas atribuição, específicos e divisíveis, prestados ao
contribuinte ou postos a sua disposição;
§ 2º. As taxas não poderão ter
base de cálculo própria dos impostos.”
A
lei impugnada é inconstitucional porque institui taxa cujo fato gerador é serviço
público geral e indivisível e ainda contém base de cálculo própria dos impostos.
Ora,
ao eleger como base de cálculo "o faturamento anual do contribuinte",
o legislador afastou-se do permissivo constitucional e enveredou pela proibição
contida no art.145, §2º da Constituição Federal, repetida no art.160,§2º da
Constituição Estadual.
Quanto
a isto, veja-s que:
"STF -
'O Tribunal declarou incidentalmente a inconstitucionalidade de dispositivos da
Lei 6.989/66, do Município de São Paulo, que prevêem a cobrança de taxa pelos
serviços de conservação e limpeza de ruas, ao fundamento de que a referida
taxa, por possuir base de cálculo própria de imposto, ofende o art. 145, §2º,da
CF, e pelo fato de não serem divisíveis os serviços públicos que ela visa
custear, o que ofende o inciso II do art. 145 da CF (Lei 6.989/66, arts. 86,I,
II, III; 87, I e II; 91; 93, I e II e 94)' " apud Constituição do Brasil Interpretada, por
Alexandre de Moraes, Ed. Atlas, 2002, pág. 1669
Convém,
ainda, salientar ser incontroverso que, já no que tange à indivisibilidade do
serviço que se quer tributar, pela Constituição Federal, os Municípios integram
a Federação e têm garantida sua autonomia, atendidos os princípios
estabelecidos na Carta Magna e na Constituição do respectivo Estado (art. 29,
CR). E essa autonomia é revelada pela competência dos Municípios para legislar
sobre assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e a
estadual no que couber; instituir e arrecadar os tributos de sua competência,
dentre outras (art. 30, CR).
Entretanto,
a competência tributária dos Municípios – consubstanciada na capacidade de
instituir tributos – encontra limite nas normas da Constituição Federal
referentes ao Sistema Tributário Nacional (art. 145 e seguintes, CR), que
envolvem princípios incontornáveis, dentre os quais a regra matriz dos tributos
(impostos, taxas e contribuições de melhoria).
Mesmo
reconhecendo que a Constituição da República não criou tributos, é certo que,
além de discriminar competências, ela traça a “norma padrão de incidência” de
cada um dos tributos que podem ser criados pelos entes federativos. Em outras
palavras, a Constituição da República, no art. 145, ao conferir às pessoas
políticas competência para que instituam impostos, taxas e contribuições de
melhoria, classifica juridicamente os tributos, traçando o modelo de cada um
deles e vinculando o legislador ordinário.
Sobre
isso, ensina ROQUE ANTONIO CARRAZZA que:
“A Constituição, ao
discriminar as competências tributárias, estabeleceu - ainda que, por vezes, de
modo implícito e com certa margem de liberdade para o legislador - a norma
padrão de incidência (o arquétipo genérico, a regra matriz) de cada exação.
Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo
possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota
possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o
legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma
padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição. O legislador
(federal, estadual, municipal ou distrital) enquanto cria o tributo, não pode
fugir deste arquétipo constitucional.” (em “Curso de Direito Constitucional
Tributário”, 4º ed., pág. 257).
E
o artigo 145, II, da Constituição Federal, que traça a regra matriz das taxas -
regra que é repetida no artigo 160, II, da Constituição do Estado de São Paulo
-, dispõe que:
“Art. 145 - A União, os estados,
o Distrito Federal e os municípios poderão instituir os seguintes tributos:
II - taxas, em razão do
exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de
serviços públicos específicos e divisíveis, prestado ao contribuinte ou postos
a sua disposição”
Como
se vê, a regra matriz constitucional das taxas fixa como hipótese de incidência
desse tributo uma atuação estatal (poder de polícia ou serviço público
específico e divisível) direta e imediatamente referida ao obrigado (cf.
GERALDO ATALIBA, em “Hipótese de Incidência Tributária”, 2º ed., pág. 164).
E
as taxas de serviço, por definição constitucional, são aquelas cobradas pelo
Poder Público, “pela utilização, efetiva ou potencial de serviços públicos de
sua atribuição, específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a
sua disposição.” Já serviço público, segundo CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO,
“é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível
diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faça as
vezes, sob um regime de direito público” (em Curso de Direito Administrativo”,
7º ed., pág. 399).
Entrementes,
não é qualquer serviço público que possibilita a tributação por via de taxa,
mas apenas o serviço público específico e divisível, em contraste com o serviço
público geral e indivisível, este passível de tributação apenas pela via do
imposto. É o que ensina o já citado ROQUE ANTONIO CARRAZZA, nos seguintes
termos:
“Os serviços públicos gerais,
ditos também universais, são os prestados “uti universi”, isto é,
indistintamente a todos os cidadãos. Eles alcançam a comunidade, como um todo
considerada, beneficiando número indeterminado (ou, pelo menos, indeterminável)
de pessoas. É o caso dos serviços de iluminação pública, de segurança pública,
de diplomacia, de defesa externa do País, etc. Todos eles não podem ser
custeados, no Brasil, por meio de taxas, mas, sim, das receitas gerais do
Estado, representadas basicamente pelos impostos. Já os serviços públicos
específicos, também chamados de singulares, são os prestados “uti singuli”.
Referem-se a uma pessoa ou a um número determinado (ou, pelo menos,
determinável) de pessoas. São de utilização individual e mensurável. Gozam,
portanto, de divisibilidade, é de dizer, da possibilidade de avaliar-se a
utilização efetiva ou potencial, individualmente considerada. É o caso dos
serviços de telefone, de transporte coletivo, de fornecimento domiciliar de
água potável, de gás, de energia elétrica, etc. Estes, sim, podem ser custeados
por meio de taxas de serviço” (em “Curso de Direito Constitucional Tributário”,
12.º ed., pág. 448).
De
fato, essa categoria jurídica, tanto no Brasil
como no exterior, sempre foi “uma técnica fiscal de
repartição da despesa com um serviço público especial e mensurável pelo grupo
restrito de pessoas que se aproveitam de tal serviço, ou o provocaram ou o têm
ao seu dispor” (cf. ALIOMAR BALEEIRO, em
“Direito Tributário Brasileiro”, 10ª ed., 1985, Forense, p.328). Exatamente por
isso, EDWIN SELIGMAN enfatiza: “A característica essencial da taxa é a
existência de um benefício especial mensurável, ao mesmo tempo que um interesse
público predominante; a ausência de interesse público faz do pagamento um preço
e a ausência do benefício especial faz dele um imposto” (em “Essays in
Taxation”, 1931, p. 431, “apud” BILAC PINTO, “Estudos de Direito Público”, ed.
Forense, 1953, p.162).
Diante
disso, inegável que o Município de São Paulo extrapolou os limites e parâmetros
constitucionais ao instituir a Taxa de Fiscalização de Serviços de Limpeza Urbana
impugnada, cujo fato gerador é serviço público geral e indivisível, que
beneficia um número indeterminado (ou, pelo menos, indeterminável) de pessoas,
serviços que não oferecem “benefício especial” aos contribuintes 'eleitos' pela
lei.
Ademais,
não basta que a lei instituidora de uma taxa afirme que esta se destina a
custear um serviço prestado ao contribuinte ou fruível por este: também é indispensável que o
benefício possa ser quantificado em relação a cada
contribuinte. Nesse sentido, já decidiu o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL que “o
benefício especial objetivo, mensurável é condição essencial para que o tributo
seja conceituado como taxa” (STF, RE
72.374-ES, RDA, 110-212, rel. Ministro Luiz Gallotti).
Por
fim, como restou consignado no V. Acórdão proferido pela Colenda Décima Quinta
Câmara de Direito Público, o STF, de fato, tem proclamado a
inconstitucionalidade da taxa questionada na presente ação:
TRIBUTÁRIO.
TAXA DE CONSERVAÇÃO E SERVIÇOS DE ESTRADAS DE RODAGEM. ARTIGOS 3.º, 4.º, 5.º e
6.º DA LEI N.º 3.133/89, DO MUNICÍPIO DE ARAÇATUBA/SP. INCONSTITUCIONALIDADE.
ARTIGO 145, II, e § 2.º, DA CARTA MAGNA. Não se tratando de serviço público
específico e divisível, referido apenas aos contribuintes lindeiros que
utilizam efetiva ou potencialmente as estradas, não pode ser remunerado por
meio de taxa, cuja base de cálculo, ademais, identifica-se com a de imposto,
incidindo em flagrante inconstitucionalidade, conforme precedentes da Corte.
Recurso extraordinário conhecido e provido, declarando-se a
inconstitucionalidade dos artigos 3.º, 4.º, 5.º e 6.º da Lei n.º 3.133, de
27/06/89, do Município de Araçatuba/SP (RExt n.
259.889/SP, Relator: Min. ILMAR GALVÃO, Julgamento: 07/03/2002, Tribunal Pleno, DJ de 19-04-2002,
p. 62).
Em
tais circunstâncias, o parecer é no sentido do reconhecimento da inconstitucionalidade
da Lei n. 13.478/02, do Município de São Paulo.
São Paulo, 2 de dezembro de 2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
- Assuntos Jurídicos –
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