Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 187.898-0/2-00

Suscitante: Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Objeto: Lei Estadual nº 12.228/06

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade do art. 3º, inc. III, da Lei Estadual nº 12.228/06, que permite, em determinadas circunstâncias, a permanência de menores de 18 (dezoito) anos em lan houses, cibercafés e cyber offices, até a meia-noite. Cotejo com o art. 24, inc. XV, da Constituição Federal. Lei estadual que convive com as portarias do Juízo da Infância e Juventude, editadas em conformidade com o parâmetro constitucional e com o art. 149, inc. XV, do ECA, cuidando-se a primeira de norma genérica e estas últimas de normas específicas, que consideram aspectos particulares dos estabelecimentos sobre os quais incidem. Interpretação conforme a Constituição.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. Câmara Especial, nos autos de Apelação Cível em que figuram como partes o PROMOTOR DE JUSTIÇA DE INFÂNCIA E JUVENTUDE DE IPAUÇU e (..).

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), eis que se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, da Lei Estadual nº 12.228/06.

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).

Este é resumo do que consta dos autos.

A Lei Estadual nº 12.228, de 11 de janeiro de 2006, “dispõe sobre os estabelecimentos comerciais que colocam à disposição, mediante locação, computadores e máquinas para acesso à internet e dá outras providências”, abrangendo os designados como "lan houses", cibercafés e "cyber offices", entre outros.

Nos termos do art. 3º, inc. III, é vedado aos estabelecimentos de que trata a lei permitir a permanência de menores de 18 (dezoito) anos após a meia-noite, salvo se com autorização por escrito de, pelo menos, um de seus pais ou de responsável legal.

Com base nesse dispositivo, o Juízo monocrático entendeu que a lei, autorizando a permanência de adolescentes nas lan houses até a meia-noite, prevalece sobre a portaria do Juiz da Infância e Juventude, que limita o acesso dos menores até 22 horas, e, desse modo, julgou improcedente a representação formulada contra a apelada, por violação da portaria.

Sustenta-se, nas razões de apelação, que, pelo princípio da proteção integral, cabe ao Juiz da Infância e da Juventude disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará, a entrada e permanência de criança ou adolescente, desacompanhado dos pais ou responsável, em casa que explore comercialmente diversões eletrônicas (art. 149, I, d, do ECA). No conflito da portaria com a lei em análise, aplica-se a norma que confere maior proteção ao adolescente, que, no caso, é a primeira.

Pois bem.

Conforme o art. 24, inc. XV, compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre proteção à infância e à juventude.

Para esse assunto, a Carta Política adotou a técnica da competência concorrente não-cumulativa, de forma que a competência da União está adstrita à formulação de normas gerais.

Cabe aos Estados-membros e o Distrito Federal a edição das normas específicas para adaptar princípios, bases e diretrizes estabelecidas nas regras gerais às peculiaridades regionais (cf. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23ª. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 303-306).

O Estatuto da Criança e do Adolescente – norma federal – editada em conformidade com o art. 24, inc. XV, da CF, estabelece, no art. 149, o seguinte:

Art. 149. Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará:

I - a entrada e permanência de criança ou adolescente, desacompanhado dos pais ou responsável, em:

...

d) casa que explore comercialmente diversões eletrônicas;

...

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, a autoridade judiciária levará em conta, dentre outros fatores:

a) os princípios desta Lei;

b) as peculiaridades locais;

c) a existência de instalações adequadas;

d) o tipo de freqüência habitual ao local;

e) a adequação do ambiente a eventual participação ou freqüência de crianças e adolescentes;

f) a natureza do espetáculo.

§ 2º As medidas adotadas na conformidade deste artigo deverão ser fundamentadas, caso a caso, vedadas as determinações de caráter geral.

Como se percebe, a norma geral – de cujas balizas o legislador estadual não pode afastar – comete ao Juiz da Infância e Juventude a normatização, por portaria, da entrada e permanência dos menores em estabelecimentos que exploram diversões eletrônicas. Dispõe, entretanto, que essa disciplina deve considerar as peculiaridades elencadas no § 1º.

As lan houses exploram diversões eletrônicas.

É consabido que o sucesso desses estabelecimentos entre os jovens decorre mais dos atrativos das redes sociais, dos comunicadores instantâneos ou dos jogos em rede, do que, propriamente, do acesso ao conhecimento que pode ser obtido pela internet.

É curial, portanto, que ditos comércios, por oferecerem primordialmente diversões eletrônicas, enquadram-se na previsão do ECA, daí sofrerem a incidência das portarias do juízo.

Entende-se, porém, que, no exercício da competência concorrente conferida pelo art. 24, inc. XV, da Carta Polícia, o legislador estadual editou legitimamente o ato normativo questionado, tratando da proteção da infância e juventude em ambiente sensível, o que fez sem desbordar as regras da União.

Como “a autoridade judiciária não [pode] disciplinar medidas de ordem geral, não previstas legalmente” (MILANO FILHO, Nazir David e MILANO, Rodolfo Cesar. Estatuto da criança e do adolescente comentado e interpretado. São Paulo: LEUD, 1996, p. 196), há espaço para o convívio da norma estadual, que trata de regras gerais de proteção, e das portarias, para a regulação individualizada e segundo as características de cada estabelecimento.

O art. 3º, inc. III, da Lei Estadual nº 12.228, de 11 de janeiro de 2006, tem aplicação genérica, cedendo diante de portaria do Juízo da Infância e Juventude, se, e somente se, esta for específica para determinado estabelecimento (lembrando-se, aqui, que o ECA exige atenção do Juiz às peculiaridades do local).

Penso que não é defeso ao C. Órgão Especial, em incidente de inconstitucionalidade regularmente instalado, optar pela interpretação conforme a Constituição, que, no caso, atende ao princípio da proteção integral, lembrado nas razões recursais, e que justifica, em hipóteses concretas, a aplicação do ato normativo que confere maior proteção aos adolescentes, nos termos do art. 1º do ECA.

Diante do exposto, opino pelo conhecimento do presente incidente e, no mérito, pela contitucionalidade do art. 3º, inc. III, da Lei Estadual nº 12.228/06.

 

São Paulo, 28 de dezembro de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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