Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº. 6002-06.2011-8.26

Suscitante: Câmara Especial do Tribunal de Justiça

Objeto: inciso II, do art. 3º, da Lei nº 12.228/06, do Estado de São Paulo.

 

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade do inciso II, do art. 3º, da Lei Estadual nº 12.228/06, que permite a permanência de adolescentes e crianças em estabelecimento de diversão eletrônica desde que autorizados ou acompanhados dos pais ou responsável. Regras de proteção à infância e adolescência, cujo fundamento de validade pode ser extraído do art. 24, inc. XV, da Constituição Federal. Competência concorrente não-cumulativa dos entes políticos para a edição de leis sobre o tema. Precedente. Parecer pela constitucionalidade dos dispositivos questionados.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos de Apelação nº 994.09.222805-7, em que figuram como partes (...) (apelante) e o PROMOTOR DA INFÂNCIA E JUVENTUDE DE UBATUBA (apelado).

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), eis que se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, do inciso II, do art. 3º, da Lei nº 12.228/06, do Estado de São Paulo.

Este é resumo do que consta dos autos.

Registre-se, de partida, que é pressuposto de admissibilidade da arguição de inconstitucionalidade que a questão suscitada não tenha sido objeto de deliberação anterior pelo Órgão Especial, pelo Plenário ou pelo Supremo Tribunal Federal (art. 481, parágrafo único, do CPC).

Ocorre que, em 17 de março de 2010, o C. Órgão Especial julgou o Incidente de Inconstitucionalidade nº 994.09.230558-2, da Comarca de Ipauçu, e afirmou, por maioria de votos, a constitucionalidade do inc. III do art. 3º da Lei nº 12.228/06, do Estado de São Paulo.

O v. Acórdão ficou assim ementado:

Incidente de Inconstitucionalidade - Lei Estadual que permite a permanência de adolescentes, em lan house, em princípio, até a meia-noite - Todavia, portaria do juízo, editada com apoio no ECA, restringe a permanência dos adolescentes até as 22 horas - Alegação de que a Lei Estadual violaria competência privativa da União para legislar sobre matéria pertinente à diversão pública - Ocorre que os Estados Federados podem legislar concorrentemente, na forma de suplementação, sobre proteção à infância e juventude, ex vi do disposto no art. 24, XV e § 2º, da Constituição da República - Improcedência do Incidente - Devolução dos autos à Colenda Câmara suscitante para prosseguimento da apelação (Arguição de Inconstitucionalidade nº 994.09.230558-2, rel. Walter de Almeida Guilherme, j. 17.03.2010).

 

Agora se pretende aferir se o inciso II do art. 3º também se harmoniza com a Carta Republicana, em especial com seu art. 220, § 3º, que comete à lei federal a disciplina de diversões e espetáculos públicos.

Logo, a arguição pode ser conhecida.

Feitas essas considerações, tem-se que o recorrente explora a atividade de "jogos eletrônicos recreativos" (fl.22). No dia 19 de dezembro de 2008, o Conselho Tutelar encontrou quatro adolescentes em seu estabelecimento. Pelo fato, o apelante foi autuado por infração ao inciso II do art. 3º da Lei nº 12.228/06, do Estado de São Paulo, que tem a seguinte redação:

Artigo 3º - É vedado aos estabelecimentos de que trata esta lei:

I - permitir o ingresso de pessoas menores de 12 (doze) anos sem o acompanhamento de, pelo menos, um de seus pais ou de responsável legal devidamente identificado;

II - permitir a entrada de adolescentes de 12 (doze) a 16 (dezesseis) anos sem autorização por escrito de, pelo menos, um de seus pais ou de responsável legal;

III - permitir a permanência de menores de 18 (dezoito) anos após a meia-noite, salvo se com autorização por escrito de, pelo menos, um de seus pais ou de responsável legal.

Parágrafo único - Além dos dados previstos nos incisos I a V do artigo 2º, o usuário menor de 18 (dezoito) anos deverá informar os seguintes:

1. filiação;

2. nome da escola em que estuda e horário (turno) das aulas.

 

Não se põe em disputa que a Constituição Federal, de fato, reserva à lei federal a normatização das diversões, o que faz nos seguintes termos:

Art. 220 - ...

§ 3º - Compete à lei federal:

I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada;

A propósito disso, o STF pontifica:

"Não se compreende, no rol de competências comuns da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, ut art. 23 da CF, a matéria concernente à disciplina de 'diversões e espetáculos públicos', que, a teor do art. 220, § 3º, I, do Diploma Maior, compete à lei federal regular, estipulando-se, na mesma norma, que 'caberá ao poder público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada'. (...) Ao Município fica reservada a competência, ut art. 30, I, da Lei Maior, para exercer poder de polícia quanto às diversões públicas, no que concerne à localização e autorização de funcionamento de estabelecimentos que se destinem a esse fim." (RE 169.247, Rel. Min. Néri da Silveira, julgamento em 8-4-2002, 2ª Turma, DJ de 1-8-2003.)

 

De fato, a atividade do apelado explora diversões eletrônicas (fls.22).

É consabido que o sucesso desses estabelecimentos entre os jovens decorre mais dos atrativos das redes sociais, dos comunicadores instantâneos ou dos jogos em rede, do que, propriamente, do acesso ao conhecimento que pode ser obtido pela internet.

De toda sorte, como assinalado pelo em. Des. WALTER DE ALMEIDA GUILHERME no julgamento antes referido, “imbricado com o tema”, foram estabelecidas na Lei Estadual verdadeiras regras de proteção à infância e à juventude.

Nesse passo, revela-se nítido que, quando os dispositivos questionados condicionam o ingresso de crianças e adolescentes em casas de jogos eletrônicos e lan houses (atividade secundária do apelante - fl.22) à autorização ou à presença dos pais, não estão propriamente disciplinando a diversão pública em si, cuja natureza permanece intocada, mas cuidando dos infantes.

Ora, de acordo com o art. 24, inc. XV, da CF, compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre proteção à infância e à juventude.

Para esse assunto, a Carta Política adotou a técnica da competência concorrente não-cumulativa, de forma que a competência da União está adstrita à formulação de normas gerais.

Cabe aos Estados-membros e ao Distrito Federal a edição das normas específicas para adaptar princípios, bases e diretrizes estabelecidas nas regras gerais às peculiaridades regionais (cf. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23ª. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 303-306).

Entende-se, assim, que, no exercício da competência concorrente conferida pelo art. 24, inc. XV, da Carta Polícia, o legislador estadual editou legitimamente os atos normativos questionados, tratando da proteção da infância e juventude em ambiente sensível, o que fez sem desbordar as regras da União.

Pelo exposto, opina-se pela constitucionalidade do inciso II, do art. 3º, da Lei nº 12.228/06, do Estado de São Paulo.

São Paulo, 8 de fevereiro de 2011.

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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