Parecer
Processo n. 990.10.192.017-4
Requerente: 12ª Câmara de Direito Público do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Objeto: inconstitucionalidade do art. 230
do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Ementa: Constitucional. Processual Civil. Incidente de inconstitucionalidade. Competência originária do TJ para processamento e julgamento de mandado de segurança contra ato de Promotor de Justiça (art. 230, RITJESP). Argüição de violação ao art. 22, I, CF e aos arts. 74, III, e 76, CE. Inocorrência: arts. 96, I, e 125, § 1º, CF, e art. 74, II, CE. Parecer pela negativa de inconstitucionalidade. 1. Descartada a ofensa à competência normativa federal sobre processo civil (art. 22, I, CF) porque os arts. 96, I, e 125, § 1º, da CF, conferem à Constituição Estadual e ao regimento interno a definição da competência dos tribunais estaduais. 2. Entendendo o STF que compete aos tribunais federais processar e julgar mandado de segurança contra membros do MP Federal por interpretação ao art. 108, I, a, CF, impõe-se a observância de modelo simétrico em relação aos membros do MP Estadual na exegese dos similares arts. 96, III, e 74, II, CE. 3. A definição de competência é matéria da reserva de regimento interno, estando sedimentado o art. 230, RITJESP, no art. 96, I, CF. Os tribunais têm amplo poder de dispor, em seus regimentos internos, sobre a competência de seus órgãos jurisdicionais, desde que respeitadas as regras de processo e os direitos processuais das partes. A organização judiciária não se encontra restrita ao campo de incidência exclusiva da lei, eis que depende da integração dos critérios preestabelecidos na Constituição, nas leis e nos regimentos internos dos tribunais.
Colendo Órgão Especial:
1.
Mandado de segurança foi
impetrado contra recomendação expedida pelo 6º Promotor de Justiça de Assis
para exoneração de Hermon Bergamasso Canton do cargo de Secretário da
Agricultura da Prefeitura Municipal de Assis (fls. 02/24). Prestadas
informações (fls. 178/186), e após parecer da douta Procuradoria de Justiça
Cível (fls. 228/229), o eminente Desembargador Relator Wanderley José Federighi
declinou ex officio da competência
infirmando a competência judicial originária (fls. 231/233). Restituído o
processo pela eminente Presidência da Seção de Direito Público à luz do art.
230 do Regimento Interno (fl. 235), a colenda 12ª Câmara de Direito Público não
conheceu do mandado de segurança e suscitou incidente de inconstitucionalidade
do art. 230 do Regimento Interno em face do art. 22, I, da Constituição
Federal, e dos arts. 74, III, e 76, da Constituição Estadual (fls. 238/245).
2. É o relatório.
3.
Debate-se a competência
para processamento e julgamento de mandado de segurança impetrado contra ato de
Promotor de Justiça.
4.
Friso, no entanto, que o
próprio mandado de segurança merecia extinção sem solução de mérito por falta
de interesse de agir na medida em que a recomendação expedida foi acolhida pelo
Chefe do Poder Executivo.
5.
Ora, considerando que
recomendação não tem caráter obrigatório e que é livre o provimento e a
exoneração de cargo comissionado, não há interesse de agir.
6.
Feito esse registro, passo
à análise da quaestio juris.
7.
A norma colocada em foco é
o art. 230 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça, verbis:
“Compete às Câmaras julgar, originariamente, mandados de segurança contra atos de juízes de primeira instância, membros do Ministério Público e outras autoridades, ressalvada a competência do Órgão Especial”.
8.
Segundo o venerando
acórdão, ela padece de inconstitucionalidade por violação aos arts. 74, III, e
76, da Constituição do Estado e ao art. 22, I, da Constituição Federal.
9.
Descartada a ofensa à
competência normativa federal sobre processo civil (art. 22, I, Constituição
Federal) porque o inciso I do art. 96 e o § 1º do art. 125 da Constituição
Federal conferem à Constituição Estadual e ao regimento interno a definição da
competência dos tribunais estaduais.
10.
Resta o exame da ofensa aos
arts. 74, III, e 76, da Constituição do Estado de São Paulo.
11.
A jurisprudência assim se
posiciona:
“COMPETÊNCIA CRIMINAL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE
SEGURANÇA. INQUÉRITO POLICIAL MILITAR. REQUISIÇÃO POR PROMOTOR DE JUSTIÇA
MILITAR. MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL
REGIONAL FEDERAL PARA PROCESSAR E JULGAR EVENTUAL HABEAS CORPUS. ART. 108, I,
a, c/c ART. 128, I, c, DA CF. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO. 1. O presente
recurso ordinário em mandado de segurança visa ao reconhecimento da
incompetência do Superior Tribunal Militar para determinar o trancamento de
inquérito policial militar instaurado por requisição do Ministério Público
Militar. 2. O Ministério Público Militar integra o Ministério Público da União,
nos termos do disposto no art. 128, I, c, da Constituição Federal, sendo que
compete ao Tribunal Regional Federal processar e julgar os membros do
Ministério Público da União (art. 108, I, a, CF). 3. Consoante já decidiu esta
Corte, ‘em matéria de competência para o habeas corpus, o sistema da
Constituição Federal - com a única exceção daqueles em que o coator seja Ministro
de Estado (CF, arts. 105, I, c, e 102, I, e) -, é o de conferi-la
originariamente ao Tribunal a que caiba julgar os crimes da autoridade que a
impetração situe como coator ou paciente (CF, arts. 102, I, d; 105, I, c).’ (RE
141.209, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 20.03.1992). 4. Desse modo, se o IPM
foi instaurado por requisição de membro do Ministério Público Militar, este
deve figurar como autoridade coatora (RHC 64.385/RS, Rel. Min. Sydney Sanches,
DJ 07.11.1986), cabendo ao Tribunal Regional Federal o julgamento de eventual
habeas corpus impetrado contra a instauração do inquérito. 5. Recurso provido”
(STF, RMS 27.872-DF, 2ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie, 02-03-2010, v.u., DJe
18-03-2010).
12.
Atento
a esse balizamento soa admissível a definição da competência originária dos
tribunais estaduais para processamento e julgamento de mandado de segurança
contra ato de membro do Ministério Público em obséquio à simetria do modelo
federal.
13.
Destarte, dispondo o inciso
II do art. 74 da Constituição Estadual, em simetria ao art. 96, III, da
Constituição Federal, a competência originária do Tribunal de Justiça para
processamento e julgamento das infrações penais comuns e nos crimes de
responsabilidade de membros do Ministério Público, merece idêntica interpretação
devotada pela Suprema Corte ao art. 108, I, da Constituição Federal, como
salienta o julgado acima transcrito.
14.
Ademais, a experiência
histórica demonstra que o mandado de segurança é fruto peculiar da doutrina
brasileira do habeas corpus e,
portanto, é impositiva a interpretação que não se distancie dos contornos deste
inclusive no tocante à competência.
15.
Por outro lado, sedimentado
está o art. 230 em foco na competência privativa dos tribunais para elaboração
de seus regimentos internos, pois, conforme o inciso I do art. 96 da
Constituição Federal, o regimento interno é ato normativo habilitado a
inscrição de normas de competência e funcionamento dos órgãos jurisdicionais e
administrativos.
16.
Em verdade, a norma
regimental atendeu à interpretação devotada ao art. 108, I, a, da Constituição Federal, para cunhar
a competência originária face à exegese merecida ao inciso II do art. 74 da
Constituição Estadual, como antes assinalado.
17.
E promoveu alteração
consentida, pois, “visto que a
leitura interpretativa do art. 96, I, a, da Constituição Federal, admite que
haja alteração da competência dos órgãos do Poder Judiciário por deliberação
dos tribunais” (STF, HC 94.146-MS, 2ª Turma, Rel. Min. Ellen Gracie,
21-10-2008, v.u.), valendo transcrever desse venerando aresto as seguintes
premissas:
“(...) o Poder Judiciário tem competência para dispor sobre especialização de varas, porque é matéria que se insere no âmbito da organização judiciária dos Tribunais. O tema referente à organização judiciária não se encontra restrito ao campo de incidência exclusiva da lei, eis que depende da integração dos critérios preestabelecidos na Constituição, nas leis e nos regimentos internos dos tribunais”.
18. Em
se tratando da competência originária dos tribunais estaduais, valida a Suprema
Corte a atribuição no regimento interno:
“(...) em face da atual Carta Magna, os tribunais têm amplo poder de dispor, em seus regimentos internos, sobre a competência de seus órgãos jurisdicionais, desde que respeitadas as regras de processo e os direitos processuais das partes” (STF, HC 74.190-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, 15-10-1996, v.u., DJ 07-03-1997).
“Compete ao Tribunal de Justiça, mediante exercício do poder
de regulação normativa interna que lhe foi outorgado pela Carta Política, a
prerrogativa de dispor, em sede regimental, sobre as atribuições e o
funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais" (STF, AI-AgR 177.313-MG,
1ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, 23-04-1996, DJ 17-05-1996).
19. Opino
pela rejeição da declaração de inconstitucionalidade.
São Paulo, 08 de junho de 2009.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj