Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 990. 10. 106859-1

6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo

Apelante: Empresa Viação Itu Ltda.

Apelado: (...) (por seu Curador)

Objeto: Lei Municipal n. 311/02, do Município de Itu

 

Ementa: 1) Incidente de inconstitucionalidade. Lei n. 311/02, do Município de Itu, que garante a extensão da gratuidade de transporte público municipal à deficientes mentais e acompanhantes. 2) Lei de iniciativa parlamentar.3)Violação do princípio da separação de poderes e aumento de despesa sem indicar fonte de receita (art.5º, 25, 37, 47 II e XIV, e 144 da Constituição Estadual). 4) Parecer no sentido do reconhecimento da inconstitucionalidade.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

1)   Relatório.

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade, suscitado pela 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, nos termos do v. acórdão de fls. 262/266, rel. Des. Leme Campos, proferido nos autos da apelação nº 990. 10. 106859-1, na sessão de julgamento realizada em 14.12.2009.

Por força da referida decisão, foi remetido o feito a esse C. Órgão Especial, para apreciação quanto à possível inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 311/02, de Itu.

É o relato do essencial.

2) Juízo de admissibilidade do incidente.

A questão de direito deve ser solucionada para que seja possível concluir-se o julgamento da apelação interposta pela Viação Itu.

Como anota José Carlos Barbosa Moreira, comentando o parágrafo único do art. 481 do CPC, “são duas as hipóteses em que se deixa de submeter a argüição ao plenário ou ao órgão especial: (a) já existe, sobre a questão, pronunciamento de um desses órgãos do tribunal em que corre o processo; (b) já existe, sobre a questão, pronunciamento do plenário do STF. A redação alternativa indica que é pressuposto bastante da incidência do parágrafo a ocorrência de uma delas” (Comentários ao CPC, vol.V, 13ªed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p.44).

No caso em exame, salvo eventual equívoco, a quaestio iuris – que se restringe à verificação da constitucionalidade da Lei Municipal nº 311/02 – não foi examinada pelo Plenário ou Órgão Especial.

De outro lado, não há notícia de que a validade dessa norma foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal ou analisada por esse Sodalício sob a perspectiva aqui abordada. 

Assim, considerando que (a) a solução da quaestio iuris é imprescindível para o julgamento do recurso de apelação, e (b) ainda não houve declaração de inconstitucionalidade a seu respeito pelo E. STF ou por esse E. Tribunal de Justiça, é de ser admitido o processamento do presente incidente de inconstitucionalidade.

3) Fundamentação.

O ato normativo impugnado nesta ação cria obrigações e fixa condutas para a Administração Municipal, ao prever  a extensão da gratuidade do transporte público municipal aos deficientes mentais e acompanhantes.

Nesse sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato normativo em epígrafe, é visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo.

Ao Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos art.5º, art.37 e art.47 incisos II e XIV, todos da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força do art.144 da referida Carta.

 

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.

Mutatis mutandis, já proclamou esse Egrégio Plenário que:

“Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito”  (Adin n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

Por último, oportuno observar que a implantação do transporte gratuito, nos termos previstos no dispositivo impugnado, certamente traria despesas para o erário.

Em casos similares esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de leis por violação ao art.25 da Constituição Estadual, em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para fazer frente às despesas criadas (ADINs ns. 18.628-0, 13.796-0, 38.249-0, 36.805.0/2, 38.977.0/0).

5)Conclusão.

Diante de todo o exposto, nosso parecer é no sentido do conhecimento do incidente de inconstitucionalidade, reconhecendo-se,  a inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 311/02, de Itu.

 

São Paulo, 29 de março de 2010.

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

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