Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade de Lei

 

Processo n. 990.10.192910-4

Suscitante: 5ª Câmara de Direito Público

Objeto: Lei n. 1.181, de 16 de abril de 2001, do Município de Itaí

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade – Lei n. 1.181, de 16 de abril de 2001, do Município de Itai – Contenção de despesas com pessoal – Extinção de cargos públicos de provimento efetivo – Criação concomitante de novos cargos para desenvolvimento de atribuições iguais ou assemelhadas – Inobservância dos arts. 37 e 169, §§ 3º a 7º, da Constituição Federal.

 

Colendo Órgão Especial

 

 

         Trata-se de incidente de inconstitucionalidade da Lei n. 1.181, de 16 de abril de 2001, do Município de Itaí, suscitado pela colenda 5ª Câmara de Direito Público desse Egrégio Tribunal de Justiça no julgamento de recurso e reexame necessário de ação anulatória c.c. reintegração de posse do cargo público, cuja procedência foi decretada em primeiro grau de jurisdição (fls. 118/122).

         É o relatório.

         A Lei n. 1.181, de 16 de abril de 2001, do Município de Itaí, extinguiu cargos públicos (art. 1º), em virtude do que os seus ocupantes foram exonerados (fls.13/14).

         De acordo com o artigo 2º da vergastada Lei, a medida objetivava a adequação aos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101, de 04 de maio de 2000).

         Abstraída a questão de fato subjacente à instauração do incidente de controle de constitucionalidade, cuja suscitação observa os termos da Súmula Vinculante n. 10 do Supremo Tribunal Federal, a lei local impugnada deve ser cotejada com os arts. 37 e 169 da Constituição Federal.

         O art. 169 da Constituição Federal, no que interessa, expressa que:

‘Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar.

(...)

§ 3º. Para o cumprimento dos limites estabelecidos com base neste artigo, durante o prazo fixado na lei complementar referida no caput, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotarão as seguintes providências:

I – redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança;

II – exoneração dos servidores não estáveis.

§ 4º. Se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal.

§ 5º. O servidor que perder o cargo na forma do parágrafo anterior fará jus a indenização correspondente a um mês de remuneração por ano de serviço.

§ 6º. O cargo objeto da redução prevista nos parágrafos anteriores será considerado extinto, vedada a criação de cargo, emprego ou função com atribuições iguais ou assemelhadas pelo prazo de quatro anos.

§ 7º. Lei federal disporá sobre as normas gerais a serem observadas na efetivação do disposto no § 4º’.

         O confronto entre a lei local e a Constituição Federal revela a integral inconstitucionalidade daquela na medida em que não foi precedida a exoneração de servidores não estáveis e estáveis da medida prevista no art. 169, § 3º, I. Com efeito, os §§ 3º e 4º do art. 169 estabelecem uma ordem sucessiva de medidas para adequação das despesas de pessoal aos limites regulados em lei complementar, de modo que, primo, deverá haver redução de gastos com cargos de provimento em comissão e funções de confiança para, em seguida, promover-se a exoneração de servidores não estáveis (inclusive aqueles em estágio probatório) e, ao final, a perda do cargo e conseqüente exoneração de servidores estáveis.

         Aliás, esta última medida, só tem lugar quando as primeiras denotarem insuficiência e, ao mesmo tempo, houver ato normativo com motivação específica, não se admitindo, como ocorrido in casu, assertivas genéricas e distanciadas da parte final do § 4º do art. 169.

         Por essa razão, a norma constitucional prevê a paga de indenização como reflexo da responsabilidade civil do Estado por ato lícito.

         É importante realçar a subversão contida na lei local que não assegura indenização como prescreve o art. 169, § 5º, da Constituição Federal, aos servidores estáveis.

         Para além, o Município, através da Lei Complementar n. 45, de 14 de dezembro de 2001 (fls. 57), criou vários cargos públicos no mesmo instante em que os extingue, denotando visível infração do § 6º do art. 169. Essa norma contém vedação da criação de cargo, função ou emprego com atribuição igual ou assemelhada, bem como se distancia dos próprios parâmetros da reserva de lei nacional para o procedimento de exoneração de servidores estáveis, indicada no art. 169, § 7º.

         Como agravante, ainda, o Município criou 104 (cento e quatro) cargos de provimento em comissão, pela Lei Complementar n. 37, de 24 de janeiro de 2001 (fls. 22/23).

         Por outro prisma, a inconsistente coexistência (extinção e criação de cargos) caracteriza violação aos princípios de moralidade, impessoalidade e razoabilidade (art. 37, Constituição Federal; art. 111, Constituição Estadual). Neste sentido, analisando a mesma lei local assim decidiu a colenda 3ª Câmara de Direito Público desse egrégio Tribunal:

‘MANDADO DE SEGURANÇA – Servidores públicos municipais – Lei Municipal nº 2.391/01 que extinguiu 424 cargos, criando, concomitantemente, 370 cargos novos – Alegada inconstitucionalidade, por desobediência à Lei de Responsabilidade Fiscal – Ocorrência – Evidente descompromisso da Administração Pública com os vetores axiológicos da Constituição, com afronta aos princípios da finalidade, impessoalidade, moralidade e boa-fé – Sentença concessiva mantida – Recursos não providos’ (AC 240.867-5/5-00, Miguelópolis, Rel. Des. Magalhães Coelho, m.v., 18-06-2002).

         Pois, ainda que reduzidos cargos de provimento efetivo por sua extinção isso torna-se absolutamente incompossível com a criação de outros, se o fundamento era o de redução de despesas com pessoal.

         De fato, o que se constata é que apenas se cambiou a denominação da função pública lato sensu, indicativo da escolha aleatória, pessoal, irracional e subjetiva de cargos a serem extintos, sopesados finalidade e motivo da providência.

         Como já exposto, e não é ocioso reiterar, o ato normativo não indicou as necessidades nem alinhavou os critérios de extinção de cargos públicos de provimento efetivo ocupados por servidores estáveis e não observou a ordem sucessiva de medidas de contenção de pessoal.

         Isto posto, o parecer é pela declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 1.181, de 16 de abril de 2001, do Município de Itaí, por afronta aos arts. 37 e 169, §§ 3º a 7º, da Constituição Federal.

São Paulo, 6 de outubro de 2010.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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