Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 990.10.200858-4

Suscitante: 18ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça

Objeto: Dec.-lei n. 70/66

 

Ementa: 1) Incidente de inconstitucionalidade. Art. 30 a 38 do Decreto-lei nº 70/66. Alegação de ofensa ao devido processo legal (art. 5º, LIV da CR/88). 2) Questão já submetida à apreciação do Órgão Especial, que reconheceu a constitucionalidade dos dispositivos em análise. Inviabilidade da arguição (art. 481, parágrafo único, do CPC). 3) Mérito: constitucionalidade da execução extrajudicial da dívida hipotecária. Precedentes do STF e do STJ. Possibilidade do controle judicial (art. 5º, XXXV da CR/88). Inexistência de ofensa ao devido processo legal, em perspectiva substancial. 4) Parecer pelo não conhecimento e, no mérito, pelo desprovimento do incidente.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 18ª. Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos de Apelação Cível nº 921.489-9, da Comarca de São Paulo, em que figuram como partes BANCO BRADESCO S/A (apelante) e (...) (apelado).

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), cogitando-se da inconstitucionalidade dos artigos 30, parte final, e 31 a 38 do Decreto-lei n. 70, de 21 de novembro de 1966.

Este é resumo do que consta dos autos.

PRELIMINARMENTE

Consigno, em preliminar, que a questão constitucional em análise foi submetida ao C. Órgão Especial na arguição n. 181.481-0/6, suscitada pela mesma C. 18ª. Câmara de Direito Privado.

É certo que o C. Órgão Especial já se pronunciou sobre o tema, nos seguintes termos:

INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI - ARTIGOS 30 A 38 DO DECRETO-LEI N° 70, DE 21.11.1966 - ARTIGO 31 COM A REDAÇÃO ALTERADA PELA LEI N° 8.004/90 - NUMA CONCEPÇÃO PURAMENTE FORMALISTA, SOMENTE ESTE DISPOSITIVO PODERIA SER APRECIADO PELO ÓRGÃO ESPECIAL, POIS NORMAS EDITADAS ANTERIORMENTE À CONSTIUIÇÃO SUBMETEM-SE A UM JUÍZO DE RECEPÇÃO, E NÃO DE CONSTITUCIONALIDADE -TODAVIA, A APRECIAÇÃO DO ARTIGO 31 NÃO PRESCINDE DO EXAME DOS ARTIGOS SUBSEQÜENTES, DE MODO QUE A COERÊNCIA E SEGURANÇA JURÍDICA RECOMENDAM TAMBÉM SEJA ANALISADA A COMPATIBILIDADE DESTES DISPOSITIVOS COM A CF/88 - INCIDENTE INTEGRALMENTE CONHECIDO

INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI - ARTIGOS 30 A 38 DO DECRETO-LEI N° 70, DE 21.11.1966 - NORMAS QUE DISCIPLINAM A EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE DÉBITOS DECORRENTES DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO - INCONSTITUCIONALIDADE AFIRMADA PELA CÂMARA SUSCITANTE, POR ENTENDER VIOLADOS OS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, JUIZ NATURAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA - INOCORRÊNCIA - O DECRETO, COM O INTUITO DE CONFERIR MAIOR SEGURANÇA AO SISTEMA DE CRÉDITO IMOBILIÁRIO, ESTABELECEU MECANISMO ÁGIL DE RECUPERAÇÃO DOS CRÉDITOS, MAS NÃO AFASTOU O CONTROLE JURISDICIONAL OU O DEVIDO PROCESSO LEGAL JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO STF E STJ ACERCA DA COMPATIBILIDADE DO DECRETO COM A CONSTITUIÇÃO DE 1988 - ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE IMPROCEDENTE

INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE CONHECIDO, MAS JULGADO IMPROCEDENTE (INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI nº 181.481-0/6, j. 7 Out. 2009, rel. Des. RENATO NALINI).

O pronunciamento anterior do C. Órgão Especial sobre o objeto da presente arguição constitui-se em óbice ao conhecimento deste incidente, ex vi do parágrafo único do art. 481 do CPC.

Daí porque, opina-se pelo não-conhecimento.

MÉRITO

No mérito, reiteram-se os argumentos adotados por esta Subprocuradoria-Geral de Justiça Jurídica nos autos do incidente de inconstitucionalidade n. 181.481-0/6, que seguem transcritos.

“Os dispositivos do Decreto-lei nº 70/66, colocados sob suspeita, ostentam, atualmente, a seguinte redação:

“Art. 31. Vencida e não paga a dívida hipotecária, no todo ou em parte, o credor que houver preferido executá-la de acordo com este decreto-lei formalizará ao agente fiduciário a solicitação de execução da dívida, instruindo-a com os seguintes documentos: (Redação dada pela Lei nº 8.004, de 14.3.1990)

I - o título da dívida devidamente registrado; (Inciso incluído pela Lei nº 8.004, de 14.3.1990)

II - a indicação discriminada do valor das prestações e encargos não pagos; (Inciso incluído pela Lei nº 8.004, de 14.3.1990)

III - o demonstrativo do saldo devedor discriminando as parcelas relativas a principal, juros, multa e outros encargos contratuais e legais; e  (Inciso incluído pela Lei nº 8.004, de 14.3.1990)

IV - cópia dos avisos reclamando pagamento da dívida, expedidos segundo instruções regulamentares relativas ao SFH. (Inciso incluído pela Lei nº 8.004, de 14.3.1990)

§ 1º. Recebida a solicitação da execução da dívida, o agente fiduciário, nos dez dias subseqüentes, promoverá a notificação do devedor, por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos, concedendo-lhe o prazo de vinte dias para a purgação da mora. (Redação dada pela Lei nº 8.004, de 14.3.1990)

§ 2º. Quando o devedor se encontrar em lugar incerto ou não sabido, o oficial certificará o fato, cabendo, então, ao agente fiduciário promover a notificação por edital, publicado por três dias, pelo menos, em um dos jornais de maior circulação local, ou noutro de comarca de fácil acesso, se no local não houver imprensa diária. (Redação dada pela Lei nº 8.004, de 14.3.1990)

Art. 32. Não acudindo o devedor à purgação do débito, o agente fiduciário estará de pleno direito autorizado a publicar editais e a efetuar no decurso dos 15 (quinze) dias imediatos, o primeiro público leilão do imóvel hipotecado.

§ 1º. Se, no primeiro público leilão, o maior lance obtido fôr inferior ao saldo devedor no momento, acrescido das despesas constantes do artigo 33, mais as do anúncio e contratação da praça, será realizado o segundo público leilão, nos 15 (quinze) dias seguintes, no qual será aceito o maior lance apurado, ainda que inferior à soma das aludidas quantias.

§ 2º. Se o maior lance do segundo público leilão fôr inferior àquela soma, serão pagas inicialmente as despesas componentes da mesma soma, e a diferença entregue ao credor, que poderá cobrar do devedor, por via executiva, o valor remanescente de seu crédito, sem nenhum direito de retenção ou indenização sôbre o imóvel alienado.

§ 3º. Se o lance de alienação do imóvel, em qualquer dos dois públicos leilões, fôr superior ao total das importâncias referidas no caput dêste artigo, a diferença afinal apurada será entregue ao devedor.

§ 4º. A morte do devedor pessoa física, ou a falência, concordata ou dissolução do devedor pessoa jurídica, não impede a aplicação dêste artigo.

Art. 33. Compreende-se no montante do débito hipotecado, para os efeitos do artigo 32, a qualquer momento de sua execução, as demais obrigações contratuais vencidas, especialmente em relação à fazenda pública, federal, estadual ou municipal, e a prêmios de seguro, que serão pagos com preferência sôbre o credor hipotecário.

Parágrafo único. Na hipótese do segundo público leilão não cobrir sequer as despesas do artigo supra, o credor nada receberá, permanecendo íntegra a responsabilidade de adquirente do imóvel por êste garantida, em relação aos créditos remanescentes da fazenda pública e das seguradoras.

Art. 34. É lícito ao devedor, a qualquer momento, até a assinatura do auto de arrematação, purgar o débito, totalizado de acôrdo com o artigo 33, e acrescido ainda dos seguintes encargos:

I - se a purgação se efetuar conforme o parágrafo primeiro do artigo 31, o débito será acrescido das penalidades previstas no contrato de hipoteca, até 10% (dez por cento) do valor do mesmo débito, e da remuneração do agente fiduciário;

II - daí em diante, o débito, para os efeitos de purgação, abrangerá ainda os juros de mora e a correção monetária incidente até o momento da purgação.

Art. 35. O agente fiduciário é autorizado, independentemente de mandato do credor ou do devedor, a receber as quantias que resultarem da purgação do débito ou do primeiro ou segundo públicos leilões, que deverá entregar ao credor ou ao devedor, conforme o caso, deduzidas de sua própria remuneração.

§ 1º. A entrega em causa será feita até 5 (cinco) dias após o recebimento das quantias envolvidas, sob pena de cobrança, contra o agente fiduciário, pela parte que tiver direito às quantias, por ação executiva.

§ 2º. Os créditos previstos neste artigo, contra agente fiduciário, são privilegiados, em caso de falência ou concordata.

Art. 36. Os públicos leilões regulados pelo artigo 32 serão anunciados e realizados, no que êste decreto-lei não prever, de acôrdo com o que estabelecer o contrato de hipoteca, ou, quando se tratar do Sistema Financeiro da Habitação, o que o Conselho de Administração do Banco Nacional da Habitação estabelecer.

Parágrafo único. Considera-se não escrita a cláusula contratual que sob qualquer pretexto preveja condições que subtraiam ao devedor o conhecimento dos públicos leilões de imóvel hipotecado, ou que autorizem sua promoção e realização sem publicidade pelo menos igual à usualmente adotada pelos leiloeiros públicos em sua atividade corrente.

Art. 37. Uma vez efetivada a alienação do imóvel, de acôrdo com o artigo 32, será emitida a respectiva carta de arrematação, assinada pelo leiloeiro, pelo credor, pelo agente fiduciário, e por cinco pessoas físicas idôneas, absolutamente capazes, como testemunhas, documento que servirá como titulo para a transcrição no Registro Geral de Imóveis.

§ 1º. O devedor, se estiver presente ao público leilão, deverá assinar a carta de arrematação que, em caso contrário, conterá necessàriamente a constatação de sua ausência ou de sua recusa em subscrevê-la.

§ 2º. Uma vez transcrita no Registro Geral de Imóveis a carta de arrematação, poderá o adquirente requerer ao Juízo competente imissão de posse no imóvel, que lhe será concedida liminarmente, após decorridas as 48 horas mencionadas no parágrafo terceiro dêste artigo, sem prejuízo de se prosseguir no feito, em rito ordinário, para o debate das alegações que o devedor porventura aduzir em contestação.

§ 3º. A concessão da medida liminar do parágrafo anterior só será negada se o devedor, citado, comprovar, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, que resgatou ou consignou judicialmente o valor de seu débito, antes da realização do primeiro ou do segundo público leilão.

Art. 38. No período que medear entre a transcrição da carta de arremação no Registro Geral de Imóveis e a efetiva imissão do adquirente na posse do imóvel alienado em público leilão, o Juiz arbitrará uma taxa mensal de ocupação compatível com o rendimento que deveria proporcionar o investimento realizado na aquisição, cobrável por ação executiva.”

Como se sabe, a discussão em torno da constitucionalidade ou não dos dispositivos acima transcritos, gira em torno do sistema de execução extrajudicial assim instituído.

O legislador, no referido diploma, a fim de conceder maior segurança ao sistema de crédito imobiliário, estabeleceu mecanismo ágil de recuperação dos valores devidos, por meio da alienação extrajudicial do bem hipotecado em caso de inadimplemento por parte do mutuário.

A propósito do tema, o C. STF já se pronunciou em mais de uma oportunidade, assentando a constitucionalidade da execução extrajudicial instituída pelo Decreto lei nº 70/66.

Pedimos vênia para transcrever ementa recente, nesse sentido, de julgado da C. 2ª Turma do STF:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. NEGATIVA DE SEGUIMENTO DO RECURSO PELO RELATOR. OFENSA À CONSTITUIÇÃO. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. DL 70/66. RECEPÇÃO. CONSTITUIÇÃO DE 1988. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. CF, art. 102, III, b. I. - Legitimidade constitucional da atribuição conferida ao relator para arquivar, negar seguimento a pedido ou a recurso e a dar provimento a esse RI/STF, art. 21, § 1º; Lei 8.038/90, art. 38; CPC, art. 557, redação da Lei 9.756/98 desde que, mediante recurso, possam as decisões ser submetidas ao controle do Colegiado. II. - Somente a ofensa direta à Constituição autoriza a admissão do recurso extraordinário. III. - Alegação de ofensa ao devido processo legal: CF, art. 5º, LV: se ofensa tivesse havido, seria ela indireta, reflexa, dado que a ofensa direta seria a normas processuais. E a ofensa a preceito constitucional que autoriza a admissão do recurso extraordinário é a ofensa direta, frontal. IV. - O pressuposto constitucional do recurso extraordinário, inscrito no art. 102, III, b, da Constituição, é que tenha o acórdão recorrido declarado a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal. Se isso não ocorreu, segue-se a impossibilidade de o recurso, interposto com fundamento na citada alínea b, ser admitido. V. - O Supremo Tribunal Federal já se manifestou, por diversas vezes, no sentido de que o Decreto-lei 70/66 é compatível com a atual Constituição. Precedentes. VI. - Agravo não provido.” (AI 509379 AgR/PR, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, j. 04/10/2005, 2ª T., DJ 04-11-2005, PP-00028, EMENT VOL-02212-05 PP-00912 ) g.n.

Esse também tem sido o entendimento do C. STJ, conforme julgados exemplificativamente transcritos a seguir:

“PROCESSO CIVL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONVERSÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RETIDO. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N. 267/STF. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. NÃO-DEMONSTRAÇÃO DA ALEGADA VEROSSIMILHANÇA.  CONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO-LEI N. 70/66. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE. FUMUS BONI IURIS. INEXISTÊNCIA.

1. É cabível a impetração de mandado de segurança contra decisão que, com fundamento no art. 527, parágrafo único, do CPC, determina a conversão de agravo de instrumento em agravo retido. Inaplicabilidade da Súmula n. 267/STF. 2. Necessária à procedência da ação mandamental contra o decisório que determina a conversão do agravo de instrumento em retido a demonstração dos requisitos inerentes ao periculum in mora e ao fumus boni iuris. 3. No mandado de segurança em que se pretende o destrancamento de agravo, com pedido de antecipação de tutela, convertido em retido, o requisito do fumus boni iuris consiste, em última análise, na aparência do bom direito invocado, o qual se traduz na verossimilhança da argumentação deduzida no pedido antecipatório, associada à alegada ocorrência de dano irreparável ou de difícil reparação. 4. Entendendo o STJ que é constitucional procedimento estabelecido no DL n. 70/66, bem como que o ajuizamento de ação judicial para discutir o valor do débito não impede a inscrição do nome do devedor em cadastro de inadimplentes, tampouco desautoriza a execução extrajudicial da dívida, não se mostra atendido o pressuposto do pedido antecipatório de tutela e, por conseguinte, o requisito do mandamus relativo ao fumus boni iuris. 5. Recurso ordinário desprovido.  “(RMS 27083/RJ, rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, 4ª Turma, j.  04/11/2008, DJe 23/03/2009 ). g.n.

“SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL. AUDIÊNCIA PRÉVIA DE CONCILIAÇÃO. DISPENSA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. AUSÊNCIA DE NULIDADE. DECRETO-LEI 70/66. CONSTITUCIONALIDADE PRESSUPOSTOS FORMAIS. ESCOLHA DO AGENTE FIDUCIÁRIO. 1. A omissão do magistrado em realizar a audiência prévia de conciliação não induz a nulidade do processo, na hipótese de o caso comportar o julgamento  antecipadamente da lide por se tratar de matéria de direito. Situação que se amolda à hipótese prevista no art. 330, inciso I, do CPC, que possibilita ao magistrado desprezar a realização do ato. 2. O julgamento antecipado da lide não importa cerceamento de defesa, quando a própria litigante manisfesta-se sobre a inexistência de provas a produzir. 3. Restringe-se a competência desta Corte à uniformização de legislação infraconstitucional (art. 105, III, da CF), por isso que o exame da alegada incompatibilidade da execução extrajudicial disciplinada pelo Decreto-Lei 70/66 com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório significaria usurpar a competência do STF para exame de matéria constitucional. Ademais, o Decreto-lei nº 70/66 já teve sua inconstitucionalidade definitivamente rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal em inúmeros julgados, que firmaram o  entendimento de que a citada legislação não viola o princípio da inafastabilidade da jurisdição e nem mesmo o do devido processo legal. 4.  Atendidos pelo agente fiduciário todos os pressupostos formais  impostos pelo Decreto-lei nº 70/66 para constituição do devedor em mora  e realização do leilão, não há que se falar em irregularidade do procedimento de execução extrajudicial do imóvel, inexistindo motivo para a sua anulação. 5.  O art. 30 , inciso II, do DL 70/66 prevê que a escolha do agente fiduciário entre "as instituições financeiras inclusive sociedades de crédito imobiliário, credenciadas a tanto pelo Banco Central da República do Brasil, nas condições que o Conselho Monetário Nacional, venha a autorizar", e prossegue afirmando, em seu parágrafo § 2º, que, nos casos em que as instituições  mencionadas inciso transcrito estiverem agindo em nome do extinto Banco Nacional de Habitação - BNH, fica dispensada a escolha do agente fiduciário de comum acordo entre o credor e o devedor, ainda que prevista no contrato originário do mútuo hipotecário. Além disso, não indica a recorrente quaisquer circunstâncias que demonstrem parcialidade do agente fiduciário ou prejuízos advindos de sua atuação, capazes de macular o ato executivo, o que afasta a alegação de nulidade de escolha unilateral pelo credor. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, desprovido.” (REsp 485253/RS, rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, 1ª Turma, j. 05/04/2005, DJ 18/04/2005 p. 214) g.n.

Em síntese, com o devido respeito ao entendimento diverso, externado no voto do i. relator do v. acórdão que suscitou o incidente, não há inconstitucionalidade no procedimento de execução extrajudicial instituído pelo Decreto-lei nº 70/66.

Por primeiro, não há exclusão do devido processo legal, na medida em que o procedimento referido é instituído em ato normativo primário que ostenta força de lei.

O due processo of law, como é cediço, é ao mesmo tempo um princípio e uma garantia constitucional (art. 5º, LIV da CR/88). Sua concretização se dá, entretanto, através das normas infraconstitucionais que tratam do processo e dos procedimentos.

Não há inconstitucionalidade se o que ocorre, em casos concretos, nada mais é que o cumprimento do procedimento previsto em lei, salvo nos casos em que este viola a razoabilidade ou a proporcionalidade, caracterizando ofensa ao devido processo legal em perspectiva substancial.

A crítica que por vezes se formula contra o Decreto-lei nº 70/66 – ainda que nem sempre clara - é, justamente, no sentido de que suas disposições ofenderiam o devido processo legal em perspectiva substancial, na medida em que atos de constrição, relacionados à alienação forçada do bem, são feitas de forma extrajudicial.

Note-se, entretanto, com a devida vênia, que não há nisso ofensa ao devido processo legal, e tampouco à garantia constitucional da ação, estabelecida no art. 5º, XXXV da CR/88.

A razão, em nosso sentir, é singela: é pacífico o entendimento de que as providências adotadas na execução prevista no Decreto-lei nº 70/66 não se isentam do controle jurisdicional. Para tanto, basta a iniciativa dos interessados, podendo, inclusive, obter a suspensão dos atos praticados na execução, através das medidas de urgência aplicáveis ao caso concreto.

É nessa linha que se estendem as considerações dos julgados do C. STF e do C. STJ, cujas ementas foram acima transcritas”.

Diante do exposto, opina-se pelo não-conhecimento do incidente; no mérito, pelo seu desprovimento, reconhecendo-se a constitucionalidade do procedimento previsto nos art. 30 a 38 do Decreto-lei nº 70/66.

São Paulo, 2 de junho de 2010.

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

jesp