Incidente de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº.  990.10.257699-0

Suscitante: Quinta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça   

Objeto: Alínea “b”, do inciso IV do art. 5º da Lei Municipal n. 4.828/99, de São Bernardo do Campo

 

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade da alínea “b”, do inciso IV do art. 5º da Lei Municipal n. 4.828/99, de São Bernardo do Campo.  Impossibilidade de exigência de contribuição previdenciária de servidor inativo, no período que medeia as Emendas Constitucionais nºs. 20 e 41, ante a expressa vedação constitucional. Parecer pelo reconhecimento parcial da inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

(...) e outros, funcionários públicos municipais aposentados, impetraram Mandado de segurança em face de ato ilegal praticado pelo Diretor do Departamento de Recursos Humanos, qual seja, desconto previdenciário em folha de pagamento  do período de janeiro a outubro de 2004.

A ação foi julgada procedente pela r. Sentença de fls. 168/171, sendo que o Município de São Bernardo do Campo interpôs recurso de apelação (fls. 183/188).

Pelo v. Acórdão de fls. 255/259, a Quinta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça, determinou a remessa dos autos a este Colendo Colegiado em decorrência do disposto nos arts. 480 e 481, do Código de Processo Civil; art. 97 da Constituição Federal e Súmula Vinculante n. 10 do E. Supremo Tribunal Federal, tendo em vista o reconhecimento da inconstitucionalidade da alínea “b”, do inciso IV do art. 5º da Lei Municipal n. 4.828/99, de São Bernardo do Campo.

Eis, em breve síntese, o relatório.

Da admissibilidade do incidente de inconstitucionalidade.

A questão de direito deve ser solucionada para que seja possível concluir-se o julgamento da apelação interposta pela municipalidade.

Como anota José Carlos Barbosa Moreira, comentando o parágrafo único do art. 481 do CPC, “são duas as hipóteses em que se deixa de submeter a arguição ao plenário ou ao órgão especial: (a) já existe, sobre a questão, pronunciamento de um desses órgãos do tribunal em que corre o processo; (b) já existe, sobre a questão, pronunciamento do plenário do STF. A redação alternativa indica que é pressuposto bastante da incidência do parágrafo a ocorrência de uma delas” (Comentários ao CPC, vol.V, 13ªed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p.44).

No caso em exame, como não há notícia de que a validade dessa norma foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal ou analisada por esse Sodalício sob a perspectiva aqui abordada, é de ser admitido o processamento do presente incidente de inconstitucionalidade.

Com a advertência de que o parecer se restringe à questão prejudicial, em relação à qual o parecer é no sentido da inconstitucionalidade do dispositivo legal impugnado.

Os descontos combatidos pelos autores são fundamentados na alínea “b”, do inciso IV do art. 5º da Lei Municipal n. 4.828/99, de São Bernardo do Campo.

Nosso posicionamento é pela impossibilidade da cobrança da contribuição, no período que medeia as Emendas Constitucionais nºs. 20 e 41, justamente por haver expressa vedação constitucional, sendo inconstitucionais as leis autorizadoras, na época em que vigoraram no período que medeia as duas Emendas Constitucionais. Com efeito, com a promulgação da EC n.º 20, de 15/12/1998, o art. 195, inciso II, passou a dispor que:

 “Art. 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - ...........

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201.”

 

A EC n.º 20/98 também alterou substancialmente a redação do art. 40 da Constituição da República (“Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.”), ao qual foi acrescido o § 12, ‘verbis’:

“Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social.”                                                                                                                           

Ao apreciar o pedido de Medida Cautelar na ADIn n.º                      2.010-2/DF, proposta pelo Conselho Federal da OAB, o Supremo Tribunal Federal ementou que: “O regime de previdência de caráter contributivo, a que se refere o art. 40, caput, da Constituição, na redação dada pela EC n.º 20/98, foi instituído, unicamente, em relação ‘Aos servidores titulares de cargos efetivos...’, inexistindo, desse modo, qualquer possibilidade jurídico-constitucional de se atribuir, a inativos e a pensionistas da União, a condição de contribuintes da exação prevista na Lei n.º 9.783/99. Interpretação do art. 40, §§ 8.º e 12, c/c o art. 195, II, da Constituição, todos com a redação que lhes deu a EC n.º 20/98.”

Naquela assentada, o Min. CELSO DE MELLO fez constar no seu Voto condutor que: “... a instituição da contribuição pertinente à seguridade social, referentemente aos servidores inativos e aos pensionistas, ofende, de um lado, a cláusula constitucional da não-incidência (CF., art. 40, § 12, c/c o art. 195, II, na redação dada pela EC n.º 20/98) e transgride, de outro, o princípio constitucional do equilíbrio atuarial (CF., art. 195, § 5.º), evidenciando que essa exação, quanto a aposentados e a pensionistas, apresenta-se destituída da necessária causa suficiente, consoante observa, com inquestionável procedência, a ilustre Professora MISABEL DERZI (‘Da Instituição de Contribuição Sobre os Proventos dos Servidores Inativos’, in ‘Enfoque Jurídico’, n.2, p. 13 - Suplemento)”

Na linha desse precedente, somos forçados a concluir que as leis complementares municipais – nos pontos em que supostamente autorizam a cobrança e fixam como contribuintes obrigatórios os inativos e pensionistas -- não foram recepcionadas pela EC n.º 20/98, o que – pedimos licença para ingressar no mérito da questão -- desautorizaria a cobrança de contribuição previdenciária do Autor desta ação no período compreendido entre a promulgação da EC n.º 20 (15/12/98) e a promulgação da EC n.º 41/03 (19/12/2003), que permitiu a cobrança de contribuição previdenciária dos inativos e pensionistas. Inclusive, apreciando caso idêntico, o Supremo Tribunal Federal entendeu legítima a cobrança de contribuição previdenciária de inativos no período anterior à promulgação da EC n.º 20/98 e determinou a restituição dos valores pagos pelos inativos e pensionistas somente com relação ao período posterior à referida emenda (REAgRg 367.094-RS, Rel. Min. SEPULVEDA PERTENCE).

Assim sendo, devem ser devolvidos os valores indevidamente cobrados a título de contribuição previdenciária dos servidores inativos, no período que medeia as Emendas Constitucionais ns. 20 e 41, ante a expressa vedação constitucional.

Por essas razões, o parecer é pela inconstitucionalidade da alínea “b”, do inciso IV do art. 5º da Lei Municipal n. 4.828/99, de São Bernardo do Campo, determinando-se a devolução dos valores indevidamente cobrados a título de contribuição previdenciária da servidora inativa, no período que medeia as Emendas Constitucionais nºs. 20 e 41, ante a expressa vedação constitucional.

                         São Paulo, 13 de setembro de 2010.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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