Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade
Processo n. 990.10.258732-0
Suscitante: 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo
Ementa: Constitucional. Administrativo. Incidente de inconstitucionalidade. Leis n. 1.641/97 n. 1.672/98, n. 1.697/99 e n. 1.672/98, do Município de Getulina. Admissão de pessoal para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, II e IX, CF; arts. 111 e 115, X, CE). Inconstitucionalidade. 1. Inconstitucionalidade de leis que, a pretexto do art. 37, IX, CF, comprometem a moralidade e a impessoalidade e a regra de acesso a cargos ou empregos públicos mediante concurso público, permitindo a admissão de pessoal ao exercício de funções burocráticas ordinárias e permanentes ou não descrevem os casos de necessidade temporária de excepcional interesse público, abstendo-se da especificação da contingência fática que evidenciaria a situação de emergência. 2. Inconstitucionalidade também revelada pela sujeição do vínculo temporário ao regime celetista porque o regime da contratação do art. 37, IX, CF é administrativo-especial, não se admitindo o celetista.
Colendo Órgão
Especial:
1. Em ação
civil pública de responsabilidade por improbidade administrativa, a colenda 8ª
Câmara de Direito Público do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
suscita incidente de inconstitucionalidade das Leis n. 1.641/97 n. 1.672/98, n.
1.697/99 e n. 1.672/98, do Município de Getulina, por violação ao art. 37, II e
IX, da Constituição Federal, e aos arts. 111 e 115, X, da Constituição Estadual
(fls. 1300/1305).
2. É o
relatório.
3. As
leis municipais (fls. 78/82) autorizam a Prefeitura Municipal de Getulina a
contratar pelo regime celetista, por tempo indeterminado, para atender a
necessidade temporária de excepcional interesse público, operários, motoristas,
guarda de almoxarifado, merendeiras, e telefonista.
4. A
Constituição Federal (art. 37, IX), assim como a Estadual (art. 115, X),
estabelecem que “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo
determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse
público”.
5. Os
diplomas legais impugnados não indicam qualquer situação extraordinária
justificadora da contratação transitória.
6. É
pacífico o entendimento que sufraga a inconstitucionalidade de lei que, a
pretexto da disciplina do art. 37, IX, da Constituição Federal, compromete a
moralidade e a impessoalidade e a regra de acesso a cargos ou empregos públicos
mediante concurso público, e permite a admissão de pessoal ao exercício de
funções burocráticas ordinárias e permanentes (STF, ADI 2.987, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, DJ 02-04-2004; STF, ADI 3.430, Rel. Min. Ricardo
Lewandowski, DJ 23-10-2009).
7. Para
aquisição de compatibilidade com a Constituição Federal, a lei de cada esfera
federativa deve descrever as situações de necessidade temporária de excepcional
interesse público, de maneira a aviar o seu controle porque é indébita a
inserção de hipóteses que não se amoldam a extraordinariedade.
8. A
jurisprudência da Suprema Corte traça os limites da matéria, como se aproveita
do seguinte precedente:
“CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX.
Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. I. - A regra é a admissão de
servidor público mediante concurso público: C.F., art. 37, II. As duas exceções
à regra são para os cargos em comissão referidos no inciso II do art. 37 e a
contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de
excepcional interesse público: C.F., art. 37, IX. Nessa hipótese, deverão ser
atendidas as seguintes condições: a) previsão em lei dos casos; b) tempo
determinado; c) necessidade temporária de interesse público excepcional. II. -
Precedentes do Supremo Tribunal Federal: ADI 1.500/ES, 2.229/ES e 1.219/PB,
Ministro Carlos Velloso; ADI 2.125-MC/DF e 890/DF, Ministro Maurício Corrêa;
ADI 2.380-MC/DF, Ministro Moreira Alves; ADI 2.987/SC, Ministro Sepúlveda
Pertence. III. - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá
estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas
instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária, não
especificando a contingência fática que evidenciaria a situação de emergência,
atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de
contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade
julgada procedente” (RTJ 192/884).
9. No caso em foco, as leis locais
objurgadas não estabeleceram situações extraordinárias; ao contrário,
empregando a fórmula normativa constitucional autorizaram contratações
temporárias para funções típicas, profissionais e permanentes, e próprias de
cargos públicos, subvertendo o inciso II do art. 37 da Carta Magna. Esse
expediente é completamente censurável segundo cediça jurisprudência:
“CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: ADMISSÃO. CONTRATO ADMINISTRATIVO:
INCONSTITUCIONALIDADE. C.F., art. 37, II e IX. Lei 4.957, de 1994, do Estado do
Espírito Santo, artigo 4º. I. - A investidura em cargo ou emprego público
depende de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos:
C.F., art. 37, II. O art. 4º da Lei 4.957, de 1994, do Espírito Santo, autoriza
o provimento de cargos públicos mediante ‘contrato administrativo’, sem
concurso público, figura estranha de admissão no serviço público, que não se
ajusta à hipótese excepcional de contratação ‘por tempo determinado para
atender a necessidade temporária de excepcional interesse público’. C.F., art.
37, IX. II. - Suspensão cautelar da eficácia do art. 4º da Lei 4.957, de 1994,
do Estado do Espírito Santo” (STF, ADI-MC 1.500-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Carlos Velloso, 18-09-1997, v.u., DJ 17-10-1999, p. 52.489).
10. E também porque é indispensável a
descrição de situações manifestantes da excepcionalidade:
“II. A contratação por tempo determinado, para atender a
necessidade temporária de excepcional interesse público, tem como pressuposto
lei que estabeleça os casos de contratação. C.F., art. 37, IX. Inexistindo essa
lei, não há falar em tal contratação” (STF, RE 168.566-RS, 2ª Turma, Rel. Min.
Carlos Velloso, 20-04-1999, v.u., DJ 18-06-1999, p. 23).
11. Há
outro aspecto a merecer consideração. As leis locais sujeitam o vínculo temporário
ao regime celetista. Pois, segundo a orientação dominante o regime da
contratação estribada no inciso IX do art. 37 da Constituição Federal é
administrativo-especial, e não se admite o celetista, porque não há
possibilidade, na relação jurídica entre o servidor e o poder público,
permanente ou temporária, de regência senão pela legislação administrativa.
Neste sentido:
“Os servidores temporários não estão vinculados a um cargo ou emprego público, como explica Maria Sylvia Zanella di Pietro, mas exercem determinada função, por prazo certo, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. O seu vínculo com o Estado reveste-se, pois, de nítido cunho administrativo, quando mais não seja porque, como observa Luís Roberto Barroso, ‘não seria de boa lógica que o constituinte de 1988, ao contemplar a relação de emprego no art. 37, I, tenha disciplinado a mesma hipótese no inciso IX, utilizando-se de terminologia distinta” (STF, RE 573.202-AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 21-08-2008, m.v., DJe 04-12-2008).
“Constitucional. Reclamação. Ação civil pública. Servidores
públicos. Regime temporário. Justiça do Trabalho. Incompetência. 1. No
julgamento da ADI nº 3.395/DF-MC, este Supremo Tribunal suspendeu toda e
qualquer interpretação do inciso I do artigo 114 da Constituição Federal (na
redação da EC nº 45/04) que inserisse, na competência da Justiça do Trabalho, a
apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele
vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter
jurídico-administrativo. 2. As contratações temporárias para suprir os serviços
públicos estão no âmbito de relação jurídico-administrativa, sendo competente
para dirimir os conflitos a Justiça comum e não a Justiça especializada. 3.
Reclamação julgada procedente” (RTJ 207/611).
12. Face
ao exposto, opino pela declaração de inconstitucionalidade das Leis n. 1.641/97
n. 1.672/98, n. 1.697/99 e n. 1.672/98, do Município de Getulina, por violação
ao art. 37, II e IX, da Constituição Federal, e ao art. 111 e 115, X, da
Constituição Estadual.
São Paulo, 28 de junho de 2010.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj