Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 990.10.265129-0

Suscitante: 8ª. Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça

Objeto: arts. 3º, 4º e 5º da Lei Estadual nº 10.995/01 e art. 10 da Lei Municipal nº 11.024/01 (de Campinas)

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade dos arts. 3º, 4º e 5º da Lei Estadual nº 10.995/01 e do art. 10 da Lei Municipal nº 11.024/01 (de Campinas), suscitado pela 8ª. Câmara de Direito Público. Dispositivos que regulamentam, nos âmbitos do Estado de São Paulo e do Município de Campinas, respectivamente, a instalação de antenas transmissoras de telefonia celular. Alegação de ofensa ao art. 22, inc. IV, da Constituição Federal. Preliminar. Lei estadual objeto de ADI no STF, com pedido liminar de suspensão da eficácia negado. Proposta de suspensão do julgamento. Mérito. Leis questionadas que, ao disporem sobre a instalação das antenas, o fazem com o escopo de salvaguardar a saúde pública. Matéria cuja competência legislativa é concorrente (art. 24, inc. XII, CF). Precedentes. Parecer pela rejeição da arguição.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 8ª Câmara de Direito Público, nos autos de Apelação nº 994.05.081455-5, em que figuram como partes TESS S/A (apelante) e SECRETÁRIO MUNICIPAL DE OBRAS E PROJETOS DE CAMPINAS (apelado).

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), para o eventual afastamento, por inconstitucionalidade, dos arts. 3º, 4º e 5º da Lei Estadual nº 10.995/01 e do art. 10 da Lei Municipal nº 11.024/01 (de Campinas), que estariam em desacordo com o art. 22, inc. IV, da Constituição Federal.

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC), cabendo registrar, entretanto, que a Lei Estadual nº 10.995/01 é objeto de ADI proposta pelo Procurador-Geral da República perante o Supremo Tribunal Federal (ADI nº 3.110), ora pendente de julgamento.

Este é resumo do que consta dos autos.

Preliminarmente

A constitucionalidade da Lei nº 10.995/01 está sendo questionada em ADI ajuizada pelo Procurador-Geral da República no Supremo Tribunal Federal.

É certo que o PGR formulou pedido de suspensão liminar do ato normativo estadual e que seu pleito foi negado pelo então Presidente da Corte Constitucional, o Min. MAURÍCIO CORRÊA, nos seguintes termos:

1.       O Procurador-Geral da República, com fundamento no artigo 103, inciso VI, da Constituição Federal, propõe ação direta de inconstitucionalidade da Lei 10995, de 21 de dezembro de 2001, do Estado de São Paulo, que dispõe sobre a instalação de antenas transmissoras de telefonia celular no Estado.

2.       Alega a inconstitucionalidade do ato impugnado em face da sua incompatibilidade com o artigo 22, inciso IV, da Constituição Federal, que fixa a competência da União para legislar privativamente sobre telecomunicações.

3.       Sustenta que esse tema somente seria passível de legislação estadual se a União, mediante lei complementar, delegasse aos estados-membros a prerrogativa de dispor sobre questões específicas, o que não ocorreu no caso concreto. 

4.       Ademais, foi promulgada a Lei Federal 9472, de 16 de julho de 1997, que atribui à ANATEL competência para expedir normas e padrões a serem cumpridos pelos prestadores de serviços de telecomunicações quanto aos equipamentos que utilizarem ( artigo 19, inciso XII), bem como para expedir normas e padrões que assegurem a compatibilidade, a operação integrada e a interconexão entre redes, abrangendo inclusive equipamentos terminais( artigo 19, inciso IV).

5.       Requer a concessão de medida cautelar em razão da existência do fumus boni iuris e do periculum in mora, consubstanciado na possibilidade de o ato normativo em causa dificultar a fiscalização da execução das transmissões, bem como propiciar a não-padronização das redes de telecomunicações no Estado.

5.       Como se verifica, em um exame preliminar, a norma atacada visa estabelecer condições para a instalação de antenas transmissoras de telefonia celular, de modo a fixar limites seguros aptos a inibir a radiação prejudicial à coletividade, impondo à Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo fiscalizar o seu fiel cumprimento. Tendo em vista que a questão envolve a competência legislativa para a normatização de critérios e parâmetros que envolvem a instalação de antenas de telefonia celular que emitem radiação, fato que traz repercussões, tanto para as concessionárias responsáveis, quanto para a comunidade em geral do Estado, com implicações na órbita da saúde pública, entendo que se deva aplicar a regra prevista no artigo 12, da Lei 9868, de 10 de novembro de 1999, a fim de que a decisão que vier a ser tomada seja em caráter definitivo e não nesta fase de delibação cautelar.

         Assim sendo, colham-se as informações das autoridades requeridas e, em seguida, ouçam-se, sucessivamente, no prazo legal, o Senhor Advogado-Geral da União e o Senhor Procurador-Geral da República.

         Intime-se.

         Brasília, 13 de janeiro de 2004.

 

Ministro MAURÍCIO CORRÊA

Presidente

Assim, no que diz respeito à lei estadual, a presunção de constitucionalidade está reforçada.

Tem-se entendido, ademais, que a decisão que indefere pedido cautelar em ADI, quando não se ampara em questões formais, tem efeito vinculante.

Essa orientação decorre da idéia de que, se o STF afastou a inconstitucionalidade da lei, ainda que em juízo preliminar, as instâncias ordinárias não podem decidir em sentido contrário.

A tese foi veiculada na Reclamação nº 2.121, na qual se alegou a usurpação da competência do STF.

O Supremo havia indeferido medida cautelar na ADI nº 1.104, que tinha por objeto a Lei nº 464/93, do Distrito Federal. Depois disso, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal julgou procedente arguição de inconstitucionalidade da referida lei, dando ensejo à reclamação mencionada.

Na Reclamação nº 2.121, o Min. Jobim deferiu liminar, mantendo a “plena eficácia da Lei 464, de 22.06.93, até a decisão de mérito na ADI 1104”.

Em agravo regimental, o Min. Eros Grau, sucessor do Min. Jobim, reconsiderou a decisão liminar e negou seguimento à Reclamação. Novo agravo foi interposto, mas este se reputou prejudicado, por perda de objeto, tendo em vista a revogação da Lei nº 464/93.

De toda sorte, foi consignado no voto-vista do Min. Gilmar Mendes a plausibilidade da Reclamação.

Na doutrina, o caso foi estudado da seguinte forma:

“Como acentuado na decisão da relatoria de Jobim, há casos em que, ao indeferir a cautelar, [o STF] enfatiza ou quase a não-plausibilidade da impugnação. Em outras hipóteses, o indeferimento assenta-se em razões formais, como o tempo decorrida da edição da lei ou não-configuração de urgência.

Na primeira hipótese, é possível justificar a reclamação sob o argumento de violação da autoridade da decisão do Supremo Tribunal. Na segunda, o argumento é mais tênue, uma vez que nem sequer houve uma manifestação substancial do Tribunal sobre o assunto.

É verdade, porém, que em ambas as situações podem ocorrer conflitos negativos para a segurança jurídica, com pronunciamentos contraditórios por parte de instâncias judiciais diversas.

Assim, em semelhantes casos de indeferimento de liminar na ADI com possibilidade de repercussão nas instâncias ordinárias, parece pertinente adotar-se fórmula semelhante à prevista no art. 21 da Lei n. 9.868/99, para a ação declaratória de constitucionalidade: determina-se a suspensão dos julgamentos que envolvam a aplicação da lei até a decisão final do Supremo Tribunal sobre a controvérsia constitucional.

A vantagem técnica dessa fórmula é a de que ela alcança resultado similar, no que concerne à segurança jurídica, sem afirmar, a priori, o efeito vinculante da decisão provisória adotada pelo Tribunal em sede cautelar” (Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes, Controle concentrado de constitucionalidade, 3ª. ed., São Paulo, Saraiva, 2009, p. 616-621, g.n.).

Pelo exposto, propõe-se a suspensão do julgamento, para que se aguarde o pronunciamento definitivo do STF acerca da constitucionalidade da lei paulista.

Mérito

A apelante, empresa que presta serviço de telefonia móvel, se insurge em mandado de segurança contra ato do Secretário Municipal de Obras e Projetos de Campinas fundado nas leis questionadas.

Referidas leis regulamentam a instalação de antenas transmissoras de telefonia celular nos âmbitos Estadual e do Município de Campinas e, segundo a tese em que se apóia a arguição, versam matéria de competência legislativa da União (art. 22, inc. IV, CF), sendo, por isso, inconstitucionais.

Sabe-se que, no exercício da competência determinada pelo art. 22, inc. IV, da Constituição Federal, foi editada a Lei Federal n.º 9.472/97, que “dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 1995”.

O art. 1º da Lei nº 9.472/97 prevê a existência de um órgão regulador dos serviços de telecomunicações, a quem compete a “o disciplinamento e a fiscalização da execução, comercialização e uso dos serviços e da implantação e funcionamento de redes de telecomunicações, bem como da utilização dos recursos de órbita e espectro de radiofreqüências”.

Esse órgão é, segundo se lê no art. 8º da mesma lei, a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, a quem compete “estabelecer limites e definir métodos de avaliação e procedimentos a serem observados quando do licenciamento de estações de radiocomunicação, no que diz respeito à exposição a campos elétricos, magnéticos e eletromagnéticos de radiofreqüências associados à operação de estações transmissoras de serviços de telecomunicações”.

No exercício de sua missão legal, a ANATEL editou a Resolução nº 303, de 2 de julho de 2002, que “aprova o Regulamento sobre Limitação da Exposição a Campos Elétricos, Magnéticos e Eletromagnéticos na Faixa de Radiofrequências entre 9 KHz e 300Ghz”.

Daí que, a priori, não caberia aos Estados ou Municípios editar normas pertinentes a esse assunto, que é estranho às suas competências legislativas, sob pena de inconstitucionalidade.

Digo a priori porque, as leis em análise normatizam a instalação de antenas com o inequívoco escopo de salvaguardar a saúde pública. Versam, destarte, sobre assunto igualmente afeto aos Estados e às comunas (art. 24, inc. XII, CF).

A lei de Campinas contém, em acréscimo, aspectos de regulamentação editalícia que se acomodam no conceito de interesse local ou dizem respeito ao controle do uso e da ocupação do solo urbano (art. 30, inc. I e VIII, CF).

Sintomático, assim, que a Lei nº 10.995/01 faça menção à Organização Mundial de Saúde ao dispor sobre a radiação máxima permitida em “local passível de ocupação humana” (art. 3º) e que a lei municipal contenha diretrizes civis das instalações físicas das ERB’s (art. 5º).

Desse modo, as leis sub judice não padecem de inconstitucionalidade, cumprindo lembrar que esse E. Tribunal de Justiça tem, reiteradamente, afirmado a validade de leis municipais que estabelecem restrições para a instalação das ERB’s, seja pelo prisma do interesse urbanístico, seja pelo viés da proteção ao meio ambiente e da manutenção da saúde (cf., a exemplo, Ap. nº 994.05.022786-1, Jundiaí, j. 4 Mai. 2010, 3ª. Câm. Dir. Público, rel. Des. ANTONIO CARLOS MALHEIROS, com farta indicação de precedentes).

No que pertine à Lei Estadual nº 10.995/01, parece-nos acertado recente pronunciamento desse Sodalício, afirmando-se a sua constitucionalidade com o seguinte argumento:

“ao dispor sobre a instalação de antenas transmissoras de telefonia celular no Estado de São Paulo, visou atenuar os malefícios causados tanto à saúde pública, quanto ao meio ambiente, pelas ondas radioativas emitidas pelos equipamentos de transmissão (antenas)”. Entendeu-se haver competência legislativa concorrente nos termos do art. 24 da Constituição Federal (Apel. nº 994.06.059376-5, j. 8 jun. 2010, 3ª. Câm. Dir. Público, rel. Des. Antonio Carlos Malheiros).

Diante do exposto, opino pela suspensão do processo até o julgamento da ADI nº 3.110 pelo STF e, no mérito, pela constitucionalidade dos arts. 3º, 4º e 5º da Lei Estadual nº 10.995/01 e do art. 10 da Lei Municipal nº 11.024/01.

 

São Paulo, 28 de junho de 2010.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

jesp