Incidente de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº.  990.10.282910-3

Suscitante: Quinta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça   

Objeto: Art. 71, da Lei n. 710 de 19 de setembro de 2002 e arts. 3º e 4º, da Lei n. 711, de 19 de setembro de 2002, ambas do Município de Pirapora do Bom Jesus.

 

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade do art.71, da Lei n. 710/2002 e arts. 3º e 4º, da Lei n. 711, de 19 de setembro de 2002, ambas do Município de Pirapora do Bom Jesus.  Impossibilidade de exigência de contribuição previdenciária de servidor inativo, no período que medeia as Emendas Constitucionais nºs. 20 e 41, ante a expressa vedação constitucional. Parecer pelo reconhecimento  da inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

  (...), funcionário público municipal aposentado, ingressou com Procedimento Ordinário, em face do INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO MUNICÍPIO DE PIRAPORA DO BOM JESUS objetivando, em síntese, a declaração de nulidade dos descontos previdenciários, com a devolução de todos os valores descontados de seu contracheque, bem como a condenação ao pagamento do ônus da sucumbência, mais os honorários advocatícios.

A ação foi julgada procedente pela r. Sentença de fls. 82/88, tendo sido declarada a inexigibilidade da contribuição previdenciária, condenando-se, ainda, o réu a devolver os valores descontados, parcelas essas corrigidas monetariamente, com juros legais, desde a citação, carreando ao réu os honorários advocatícios de 15% sobre o valor da condenação, como também as custas e despesas processuais.

O Instituto de Previdência do Município de Pirapora do Bom Jesus interpôs recurso de apelação, buscando a improcedência da ação, fls. 91/95.

 As contra-razões foram apresentadas às fls. 99/105.

Pelo v. Acórdão de fls. 03/10, a Quinta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça, determinou a remessa dos autos a este Colendo Colegiado em decorrência do disposto nos arts. 480 e 481, do Código de Processo Civil; art. 97 da Constituição Federal e Súmula Vinculante n. 10 do E. Supremo Tribunal Federal.

Eis, em breve síntese, o relatório.

Da admissibilidade do incidente de inconstitucionalidade.

A questão de direito deve ser solucionada para que seja possível concluir-se o julgamento da apelação interposta pelo Instituto de Previdência do Município de Pirapora do Bom Jesus.

Como anota José Carlos Barbosa Moreira, comentando o parágrafo único do art. 481 do CPC, “são duas as hipóteses em que se deixa de submeter a argüição ao plenário ou ao órgão especial: (a) já existe, sobre a questão, pronunciamento de um desses órgãos do tribunal em que corre o processo; (b) já existe, sobre a questão, pronunciamento do plenário do STF. A redação alternativa indica que é pressuposto bastante da incidência do parágrafo a ocorrência de uma delas” (Comentários ao CPC, vol.V, 13ªed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p.44).

No caso em exame, salvo eventual equívoco, a quaestio iuris – que se restringe à verificação da constitucionalidade do art. 71, da Lei n. 710, de 19 de setembro de 2002 e dos arts. 3º e 4º, da Lei n. 711, de 19 de setembro de 2002, ambos do Município de Pirapora do Bom Jesus, não foi examinada pelo Plenário ou Órgão Especial.

De outro lado, e, de acordo com pesquisa informatizada, não há notícia de que a validade dessa norma foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal ou analisada por esse Sodalício sob a perspectiva aqui abordada.      

Assim, considerando que (a) a solução da quaestio iuris é imprescindível para o julgamento do recurso de apelação, e (b) ainda não houve declaração de inconstitucionalidade a seu respeito pelo E. STF                                                                                                 ou por esse E. Tribunal de Justiça, é de ser admitido o processamento do presente incidente de inconstitucionalidade.

Fundamentação.

Depreende-se dos autos que os descontos combatidos pelo autor são oriundos do art. 71, da Lei n. 710, de 19 de setembro de 2002 e dos arts. 3º e 4º, da Lei n. 711, de 19 de setembro de 2002, ambos do Município de Pirapora do Bom Jesus.

Nosso posicionamento é pela impossibilidade da cobrança da contribuição, no período que medeia as Emendas Constitucionais nºs. 20 e 41, justamente por haver expressa vedação constitucional, sendo inconstitucionais as leis autorizadoras, na época em que vigoraram no período que medeia as duas Emendas Constitucionais. Com efeito, com a promulgação da EC n.º 20, de 15/12/1998, o art. 195, inciso II, passou a dispor que:

 “Art. 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - ...........

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201.”

 

A EC n.º 20/98 também alterou substancialmente a redação do art. 40 da Constituição da República (“Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.”), ao qual foi acrescido o § 12, ‘verbis’:

 

“Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social.”

                                                                                                                          

Ao apreciar o pedido de Medida Cautelar na ADIn n.º                      2.010-2/DF, proposta pelo Conselho Federal da OAB, o Supremo Tribunal Federal ementou que: “O regime de previdência de caráter contributivo, a que se refere o art. 40, caput, da Constituição, na redação dada pela EC n.º 20/98, foi instituído, unicamente, em relação ‘Aos servidores titulares de cargos efetivos...’, inexistindo, desse modo, qualquer possibilidade jurídico-constitucional de se atribuir, a inativos e a pensionistas da União, a condição de contribuintes da exação prevista na Lei n.º 9.783/99. Interpretação do art. 40, §§ 8.º e 12, c/c o art. 195, II, da Constituição, todos com a redação que lhes deu a EC n.º 20/98.”

Naquela assentada, o Min. CELSO DE MELLO fez constar no seu Voto condutor que: “... a instituição da contribuição pertinente à seguridade social, referentemente aos servidores  inativos e aos pensionistas, ofende, de um lado, a cláusula constitucional da não-incidência do art. 40, § 12, c/c o art. 195, II, na redação dada pela EC n.º 20/98) e transgride, de outro, o princípio constitucional do equilíbrio atuarial (CF., art. 195, § 5.º), evidenciando que essa exação, quanto a aposentados e a pensionistas, apresenta-se destituída da necessária causa suficiente, consoante observa, com inquestionável procedência, a ilustre Professora MISABEL DERZI (‘Da Instituição de Contribuição Sobre os Proventos dos Servidores Inativos’, in ‘Enfoque Jurídico’, n.2, p. 13 - Suplemento)”

Na linha desse precedente, somos forçados a concluir que as leis complementares municipais – nos pontos em que supostamente autorizam a cobrança e fixam como contribuintes obrigatórios os inativos e pensionistas -- não foi recepcionado pela EC n.º 20/98, o que – pedimos licença para ingressar no mérito da questão -- desautorizaria a cobrança de contribuição previdenciária do Autor desta ação no período compreendido entre a promulgação da EC

                                                                                  n.º 20 (15/12/98) e a promulgação da EC n.º 41/03 (19/12/2003), que permitiu a cobrança de contribuição previdenciária dos inativos e pensionistas. Inclusive, apreciando caso idêntico, o Supremo Tribunal Federal entendeu legítima a cobrança de contribuição previdenciária de inativos no período anterior à promulgação da EC n.º 20/98 e determinou a restituição dos valores pagos pelos inativos e pensionistas somente com relação ao período posterior à referida emenda (REAgRg 367.094-RS, Rel. Min. SEPULVEDA PERTENCE).

Assim sendo, devem ser devolvidos os valores indevidamente cobrados a título de contribuição previdenciária dos servidores inativos, no período que medeia as Emendas Constitucionais ns. 20 e 41, ante a expressa vedação constitucional.

Por essas razões, o parecer é pela inconstitucionalidade do art. 71, da Lei n. 710, de 19 de setembro de 2002 e dos arts. 3º e 4º, da Lei n. 711, de 19 de setembro de 2002, ambos do Município de Pirapora do Bom Jesus.

             São Paulo, 25 de junho de 2010.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

vlcb