Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 990.10.287103-7

Suscitante: 15ª. Câmara de Direito Público

Objeto: Lei Complementar nº 40, de 23 de dezembro de 1998, do Município de Itaquaquecetuba

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade, suscitado pela 15ª. Câmara de Direito Público, da Lei Complementar nº 40/98, do Município de Itaquaquecetuba, na parte em que institui a taxa de fiscalização de obras e serviços executados em vias e logradouros públicos quando esta incide sobre as obras executadas na rede de transmissão de energia elétrica. Alegação de afronta à imunidade tributária concernente às operações relativas à energia elétrica (art. 155, § 3º, CF). Imunidade relativa exclusivamente aos impostos, que não inviabiliza a cobrança de taxa fundada no poder de polícia do Município. Parecer pela constitucionalidade do ato normativo.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 15ª Câmara de Direito Público, nos autos de Apelação Cível nº 471.478-5/0-00 em que figuram como partes PREFEITURA MUNICIPAL DE ITAQUAQUECETUBA (apelante) e BANDEIRANTE ENERGIA S/A (apelada).

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), eis que se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, da Lei Complementar nº 40, de 23 de dezembro de 1998, do Município de Itaquaquecetuba, que instituiu a taxa de fiscalização de obras e serviços executados em vias e logradouros públicos quando esta incide sobre as obras executadas na rede de transmissão de energia elétrica.

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).

Este é resumo do que consta dos autos.

A taxa em análise está prevista nos seguintes dispositivos da Lei Complementar n. 40/98, que é o Código Tributário do Município de Itaquaquecetuba:

Art. 251 - A Taxa de Fiscalização de Obras e Serviços Executados em Vias e Logradouros Públicos, fundada no Poder de Polícia do Município, tem como fato gerador a fiscalização por ele exercida sobre as mesmas, em observância às normas municipais de posturas relativas ao uso e ocupação do solo, a tranquilidade, a higiene e o bom estar da população.

(...)

Art. 253 - O sujeito passivo da taxa é a pessoa física ou jurídica sujeita à fiscalização municipal em razão da atividade de obras e serviços executados em vias ou logradouros públicos.

(...)

Art. 255 - A base de cálculo da taxa será determinada em função do custo da respectiva atividade pública especifica.

Parágrafo único - A referida taxa será cobrada conforme a Tabela IV, anexa a esta Lei.

Tabela IV

ATIVIDADE

ALÍQUOTA-UFIR

INCIDÊNCIA

Ligação, religação, supressão, corte e outros de água, esgoto, energia elétrica, gás, telefone, televisão a cabo e assemelhados

20

30 dias ou fração por unidade.

Instalação, remoção, relocação, substituição, manutenção e outros, de equipamentos e assemelhados, de telefonia, correio, energia elétrica, água, esgoto, gás, televisão a cabo e congêneres.

100

30 dias ou fração por unidade.

Implantação, extensão, relocação, substituição, manutenção e outros, de redes e assemelhados de água, esgoto, gás, energia elétrica, televisão a cabo, telefonia e congêneres.

300

30 dias ou fração por Km.

As obras e serviços executados no leito carroçável das vias e logradouros públicos terão acréscimo de 50% (cinqüenta por cento).

 

Pelo ato normativo submetido a exame, tributam-se, mediante taxa, as obras realizadas pela apelada, necessárias para a distribuição de energia elétrica.

Referida taxa é legítima, porque está fundada no poder de polícia do Município, que pode e deve fiscalizar as obras executadas nas vias públicas, inclusive quando realizadas pela concessionária de energia elétrica, visando coibir condutas contrárias às posturas municipais, e, desse modo, preservar o bem-estar da comunidade.

Essa realização da Comuna nada tem a ver com a competência da União de explorar, direta ou indiretamente, os serviços e instalações de energia elétrica (art. 21, XII, b, CF), nem diz respeito à sua competência legislativa (art. 22, IV, CF).

Seu fundamento se encontra, de fato, no art. 145, inc. II, da CF, que possibilita aos entes políticos a instituição de taxas em razão do exercício do poder de polícia, que se manifesta, no caso em apreço, pelo poder-dever da Administração Municipal fiscalizar as obras da apelada feitas em vias e logradouros públicos.

Nesse passo, deve-se atentar para o fato de que a vedação do art. 155, § 3º, da Constituição da República aplica-se, exclusivamente, aos impostos. A redação é bastante clara:

§ 3º - À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País. (Redação da EC 33/01).

Vê-se, assim, que o parâmetro constitucional tido por violado proíbe tão-somente a incidência de “outro imposto” sobre operações de energia elétrica. Não inviabiliza a imposição de outras espécies tributárias, pois, de outra forma, o STF não consideraria legítima a cobrança da COFINS, do PIS e do FINSOCIAL sobre as operações de energia elétrica, como faz nos termos da Súmula nº 659.

O STJ, em pronunciamento recente, admitiu a cobrança de taxa de fiscalização de obras de concessionárias de serviço público:

TRIBUTÁRIO - PROCESSO CIVIL - EXECUÇÃO FISCAL - TAXA DE FISCALIZAÇÃO DE INSTALAÇÕES, EQUIPAMENTOS, INFRA-ESTRUTURA E OBRAS DE CONCESSIONÁRIAS DE SERVIÇOS PÚBLICOS - BASE DE CÁLCULO - EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO - CDA - VALIDADE - PROCESSO ADMINISTRATIVO - EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA - DESNECESSIDADE - ACÓRDÃO - OMISSÃO - NÃO-OCORRÊNCIA - DISSÍDIO INTERPRETATIVO - MATÉRIA CONSTITUCIONAL - AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO.

1. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide.

2. A jurisprudência da 1ª. Seção desta Corte entende ser prescindível a comprovação do efetivo exercício do poder de polícia para viabilizar sua cobrança em juízo. Precedentes.

3. Validade da CDA que possibilita o exercício da ampla defesa pelo contribuinte. Precedentes.

4. É razoável a utilização da quilometragem da rede de telefonia como base de cálculo da Taxa de Fiscalização de Instalações, Equipamentos, Infra-estrutura e Obras de Concessionárias do Serviço Público de Telefonia.

5. A cobrança de taxas pelo exercício do poder de polícia é matéria pertinente à seara com reflexos nos contratos administrativos, que devem ser considerados em ação própria contra o poder concedente ou objeto de aditamento ao contrato de concessão.

6. Inviável conhecer de recurso especial pela divergência se ausente o cotejo analítico ou se utilizado paradigma que declara a inconstitucionalidade de ato normativo local, nos termos do art. 105, III, c, da Constituição Federal.

7. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido.

(REsp 1105270/PR, Rel. Ministra  ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 14/09/2009)

Em conclusão, o art. 155, § 3º, CF não inviabiliza a incidência de taxa tal como prevista na lei municipal, como ficou demonstrado em recente Decisão dessa Corte, que reputou legítima a cobrança de exação análoga criada no Município de Itapevi:

MANDADO DE SEGURANÇA - Taxa de fiscalização de obras e serviços executados em vias e logradouros públicos (TFOS) - Necessidade de autorizações ou notificações para a realização de obras e serviços relativos a distribuição de energia elétrica - Edição da Lei Municipal n° 1.787/2006 que regulamenta o Decreto n° 4.405/2006 - Impetração do "mandamus" com pedido de liminar para suspender a exigibilidade do crédito tributário - Alegada inconstitucionalidade e ilegalidade do tributo - Liminar concedida em primeiro grau - Não Cabimento - Empresa concessionária de serviço público Federal - Atividade essencial - Irrelevância, tratando-se de taxa de polícia - Poder de Polícia municipal - Necessidade de autorização por parte da Municipalidade que não se mostra, em princípio, ilegítima - Proibição do artigo 155, § 3º, da Constituição Federal que só se refere a impostos - Requisitos do art. 7º. da Lei 1533/51 ausentes -Agravo provido (AI n. 661.295.5/9-00, 15ª. Câm. Dir. Público, rel. Des. SILVA RUSSO, j. 14/2/2008).

Diante do exposto, o parecer é pela rejeição da argüição de inconstitucionalidade.

São Paulo, 10 de julho de 2010.

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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