Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 990.10.311265-2

Suscitante: 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Objeto: art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade. Art. 273, § 1º-B, I, Código Penal. Inexistência de inconstitucionalidade por observância do princípio da proporcionalidade à vista do bem jurídico tutelado. O deslocamento de uma figura típica por pretensa violação ao princípio da proporcionalidade constitui medida só admissível a título excepcionalíssimo, até porque importaria em indevida intromissão em atividade privativa do legislador, a quem incumbe definir a moldura típica e as consequências punitivas do ato.

 

Colendo Órgão Especial:

 

1.                Em julgamento de apelação interposta contra sentença penal condenatória, a colenda 9ª Câmara de Direito Criminal suscita incidente de inconstitucionalidade sustentando, em apertada síntese, a inconstitucionalidade do art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal, por ofensa ao princípio da proporcionalidade ao considerar suas condutas como crime hediondo (fls. 208/216). 

2.                É o relatório.

3.                Assim dispõe o art. 273 do Código Penal na redação dada pela Lei n. 9.677, de 02 de julho de 1998:

“Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais:

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.

§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado.

§ 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico.

§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:

I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;

II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior;

III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização;

IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade;

V - de procedência ignorada;

VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente.

§ 2º - Se o crime é culposo:

Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa”.

4.                O venerando acórdão sustenta que a pena prevista é desproporcional se comparada a outros crimes graves, razão pela qual também aponta a desproporcionalidade em seu predicado como hediondo.

5.                Com efeito, a Lei n. 8.072/90, arrola como crime hediondo a “falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B, com a redação dada pela Lei no 9.677, de 2 de julho de 1998)”, face ao acréscimo do inciso VII-B a seu art. 1º pela redação dada pela Lei n. 9.695, de 20 de agosto de 1998.

6.                No ponto, expressou o parecer da douta Procuradoria de Justiça que a gravidade da conduta incriminada, assim como seus efeitos, “merece especial rigor da legislação, não se podendo falar em violação do princípio da proporcionalidade” (fl. 201).

7.                  A norma sob comento é autorizada pelo juízo de proporcionalidade, porquanto visa a reprimir aquelas condutas típicas que difusamente exponham a sociedade a enormes danos. O legislador optou por atribuir pena elevada a esse crime, erigindo-o também à classificação de hediondo, diante da potencialidade lesiva, capaz de atingir número indeterminado de pessoas, que podem adoecer ou ter agravadas suas enfermidades, vindo até mesmo a óbito, em razão da utilização de medicamentos impróprios ao consumo. Assim, a reprimenda é proporcional aos resultados, em grande escala, que pode produzir.

8.                Ora, a potencialidade lesiva que inspira a sanção prevista no caput do art. 273 do Código Penal também está presente nas situações do § 1º-B e justifica a equiparação das sanções, o que não caracteriza inconstitucionalidade por não haver distinção objetiva no bem jurídico tutelado que converge à situação de perigo construída.

9.                Acrescente-se, ademais, que o deslocamento de uma figura típica por pretensa violação ao princípio da proporcionalidade constitui medida só admissível a título excepcionalíssimo, até porque importaria em indevida intromissão em atividade privativa do legislador, a quem incumbe definir a moldura típica e as consequências punitivas do ato.

10.              Como obtempera Luciano Feldens:

“Um tal juízo, consistente no deslocamento do fato a uma espécie normativa menos rigorosa, por implicar o afastamento, ainda que parcial e in concreto, da lei penal, não pode fazer-se sem mais. Pelo menos, conforme já aventado, não se pode fazê-lo mediante uma constatação eminentemente empírica sobre a desproporcionalidade de uma determinada medida, que nada mais seria do que uma concepção subjetiva de proporcionalidade ostentada pelo julgador. Reitere-se: apesar de não ser absoluta, a regra é, e seguirá sendo, a liberdade de configuração do legislador. Para contrarrestá-la, devemos encontrar pontos de apoio seguros. Não poderá o juiz, simplesmente, suplantar o legislador, limitando-se a dizer que tal ou qual situação é ofensiva do princípio da proporcionalidade porquanto assim lhe parece” (A Constituição Penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 195).

11.              O que não se pode, destarte, é retirar do legislador a primazia da decisão política e seletiva sobre qual o tratamento penal que a conduta deve merecer, colocando-o nas mãos do julgador, por critérios exclusivamente subjetivos. Com relação à (aparente) desproporcionalidade das elevações promovidas pela lei ao crime em estudo, parece-nos que ela não resiste a uma análise cuidadosa e bem refletida. Mais uma vez, recorremos ao pensamento de Luciano Feldens:

“nem tudo que nos escapa à percepção, ou que à primeira vista se apresente como desproporcional, enseja a utilização de um princípio cuja aplicação, a pretexto de restaurar a proporcionalidade, projeta graves efeitos. O exame da coerência endonormativa requer algo mais, seja em termos de fundamentação jurídica, seja em termos de constatação empírica, a realizar-se à luz do caso concreto submetido à avaliação judicial” (A Constituição Penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 201).

12.              Destarte, opino pelo não conhecimento do incidente de inconstitucionalidade ou por sua rejeição. 

São Paulo, 21 de julho de 2010.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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