Autos n. 990.10.329220-0
Suscitante: Quinta Câmara de Direito Público
Objeto da impugnação: Lei Municipal n. 12.320, de 19
de julho de 2005, do município de Campinas
Ementa: 1) Lei Municipal n. 12.320, de 19 de julho de 2005, do município
de Campinas, que obriga supermercados a fornecer serviço de empacotamento. 2) Legislação que acabou por invadir o campo de competência
legislativa da União, a quem cabe legislar sobre Direito Comercial e do
Trabalho (art. 22, I, da CF). 3) Inconstitucionalidade constatada. 4) Parecer pela declaração de inconstitucionalidade. |
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Relator
Colendo
Órgão Especial
Trata-se
de Acórdão proferido pela Quinta Câmara de Direito Público do Egrégio Tribunal
de Justiça, no julgamento da Apelação Cível n. 994.07.075514-3, que suscitou a
instauração de incidente de inconstitucionalidade, determinando a remessa dos
autos ao Excelso Órgão Especial, por força da Súmula Vinculante n. 10 do
Supremo Tribunal Federal, após concluir pela inconstitucionalidade da Lei
Municipal n. 12.320, de 19 de julho de 2005, do município de Campinas, que
obriga supermercados a fornecer serviço de empacotamento.
Ocorre
que, iniciado o julgamento da apelação, foi questionada a validade
jurídico-constitucional da Lei Municipal n. 12.320, de 19 de julho de 2005, que
obriga os estabelecimentos a prestarem serviço específico de empacotamento dos
produtos neles adquiridos.
Por
força de ser considerada prejudicial a questão da eventual inconstitucionalidade,
bem como por força do princípio da reserva de plenário esculpido no art. 97 da
Lei Maior, suscitou-se o incidente de inconstitucionalidade previsto nos arts.
480/482 do CPC.
É
o breve relatório.
Com
a advertência de que o parecer se restringe à questão prejudicial, tem-se que é
inconstitucional a Lei Municipal n. 12.320, de 19 de julho de 2005, por
violação ao art. 22, I, da CF. Vejamos.
A
Lei Municipal impugnada, de fato, acabou por invadir o campo de competências da
União.
Com
efeito, ao exigir dos supermercados e estabelecimentos similares, nas condições
que especifica, a presença de empacotadores, dita legislação acabou por invadir
o campo de competência legislativa da União, a quem cabe legislar sobre Direito
Comercial e do Trabalho (art. 22, I, da CF).
Sobre
o tema, Alexandre de Moraes (Constituição
do Brasil interpretada, São Paulo: Atlas, 2002, p. 743) afirma que “a
Constituição Federal prevê a chamada competência suplementar dos municípios
consistente na autorização de regulamentar as normas legislativas federais ou
estaduais, para ajustar sua execução a peculiaridades locais, sempre em
concordância com aquelas e desde que presente o requisito primordial de fixação
de competência desse ente federativo: interesse local”.
É
evidente que a exigência para que tais empresas passem a contratar
empacotadores não é um problema que deva ser resolvido em um ou outro
Município. É medida que pertine ao interesse geral, cabendo somente à União
legislar a respeito.
Além
disso, a lei sindicada na presente ação não trata de matéria relativa ao
direito do consumidor, ainda que reflexamente ele possa ser atingido. Essa
legislação, na verdade, está restringindo a livre iniciativa e a livre
concorrência. Leciona José Afonso da Silva (Curso de direito constitucional
positivo, 5ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 662/663) que: “A
liberdade de iniciativa envolve a liberdade de indústria e comércio ou
liberdade de empresa e a liberdade de contrato. Consta do art. 170, como um dos
esteios da ordem econômica, assim como de seu parágrafo único que assegura a
todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de
autorização de órgãos públicos, salvo casos previstos em lei”.
Com
efeito, as atividades econômicas atingidas pela legislação impugnada estarão em
desvantagem em relação a outros municípios que não adotaram idêntica exigência.
Sobre
o tema, o C. Supremo Tribunal Federal (Adin nº 669-0, Rio de Janeiro, Rel. Min.
Octavio Gallotti, decisão de 20/3/1992) já teve oportunidade de examinar
legislação semelhante do Estado do Rio de Janeiro, e à época, em sede cautelar,
decidiu:
“Arguição de
inconstitucionalidade de norma estadual que obriga ‘as organizações de
supermercados e congêneres a manterem pelo menos um funcionário, por cada
máquina registradora, cuja atribuição seja o acondicionamento de compras ali
efetuadas’ (Lei nº 1.914/91, do Rio de Janeiro).
Relevância da
fundamentação do pedido, deduzida perante os artigos 22, I e parágrafo único e
24, § 3º, da Constituição Federal.
Perigo da demora
caracterizado pelo elevado montante da multa estipulada para o caso de
descumprimento da obrigação”.
Nem
se diga se está adotando como objeto paradigma, a Constituição Federal.
É
que, nos termos do art. 144, da Carta Paulista, os municípios têm autonomia
legislativa, mas ficam compelidos a atender os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e na Constituição Estadual.
Esse
Colendo Órgão Especial tem reiteradamente aplicado tal dispositivo como suporte
exclusivo e necessário para a eliminação de regras que hostilizam o texto
fundamental federal.
Nesse
sentido, caminhou decisão relatada pelo eminente Desembargador Oliveira Ribeiro
(Adin nº 097.085-0/1-00, Rel. Des. Oliveira Ribeiro, j. 10/3/2004), em parte
aqui transcrita: “Além disso, é de se ver que em abono do propósito
declaratório da inconstitucionalidade do artigo discrepante, a Constituição do
Estado de São Paulo, sem repetir expressamente a fixação de ‘quorum’ de dois
terços previsto na Constituição da República, não deixou de especificar o seu
entendimento no sentido de impor observância desta exigência, fazendo-o com
clareza posto que de modo indireto.
Eis
o texto do seu artigo 144: ‘Os Municípios, com autonomia política, legislativa,
administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
O
mesmo posicionamento foi adotado na decisão proferida por esse Colendo
Colegiado, na Adin nº 108.578-0/4, em que foi relator o eminente Desembargador
Denser de Sá, julgada em 23/3/2005.
Em
assim sendo, a lei examinada é inconstitucional, por afronta aos arts. 1º e
144, da Constituição Bandeirante como, aliás, já se decidiu, em situação
idêntica, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 123.776-0/8.
Em
tais circunstancias, o parecer é no sentido da declaração da inconstitucionalidade
da Lei Municipal n. 12.320, de 19 de julho de 2005, do município de Campinas.
São Paulo, 2 de agosto
de 2010.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
/md