Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 990.10.333797-2

Suscitante: 14ª. Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Objeto: Lei nº 1.140/2001, do Município de Cotia

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade suscitado pela 14ª. Câmara de Direito Público, da Lei nº 1.140/2001, do Município de Cotia, que aprovou a Planta Genérica de Valores de IPTU para o exercício de 2002. Publicação no Diário Oficial que não abrangeu os anexos da lei. Ofensa ao princípio da publicidade (art. 37, caput, CF). Precedentes. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 14ª Câmara de Direito Público, nos autos de Apelação Cível em que figuram como partes PREFEITURA MUNICIPAL DE COTIA e (...).

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), eis que se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, da Lei nº 1.140/2001, do Município de Cotia.

Esse ato normativo aprovou a Planta Genérica de Valores do IPTU para o exercício de 2002, estabelecendo os valores venais por metro quadrado dos terrenos distribuídos por logradouros do Município de Cotia, nos termos dos Anexos A e B da referida lei.

É certo, entretanto, que os mencionados Anexos não constaram da publicação do Diário Oficial (teriam sido afixados no átrio da Prefeitura), suspeitando-se, com isso, de ofensa ao princípio da publicidade, de assento no art. 37 da Constituição Federal.

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).

Este é resumo do que consta dos autos.

Ao delimitar a questão constitucional, o Órgão Fracionário estabeleceu como fato incontroverso que a Planta Genérica de Valores não foi publicada pela imprensa, tal como ocorreu com o texto da lei.

Essa circunstância, de fato, maculou o ato normativo.

Para que sejam obedecidas, as leis devem ser regularmente publicadas. É a divulgação do ato normativo que aperfeiçoa o processo legislativo, vinculando seus destinatários. A publicação é verdadeira “condição para a entrada da lei em vigência e para que se torne eficaz” (José Afonso da Silva, Processo constitucional de formação de leis, 2ª. ed., São Paulo, Malheiros, 2006, p. 250)

A publicidade faz parte do processo de formação da lei. Garante-lhe notoriedade e consiste em “uma comunicação dirigida a todos os que devem cumprir o ato normativo, informando-os de sua existência e de seu conteúdo” (Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 23ª. ed., São Paulo, Atlas, 2008, p. 659).

Atualmente a publicação da lei se dá pela “inserção do texto promulgado no Diário Oficial” (idem, ibidem, p. 659).

Somente quando não houver Diário Oficial (ou veículo equivalente) no Município é que se confere publicidade à lei pela afixação de seu texto integral na portaria da Prefeitura, em forma de edital acessível ao público (nesse sentido, Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 679).

Essa também é a opinião da Carrazza:

As leis, no Brasil, inclusive as tributárias, só passam a existir depois de publicadas. E publicadas no Diário Oficial (ou órgão equivalente). É de compreensão intuitiva que, se a lei for federal, essa publicação deverá dar-se no Diário Oficial da União; se estadual, no Diário Oficial do Estado; se municipal, no Diário Oficial do Município (ou, na sua falta, em periódico local, isto é, que circule em seu território); se distrital, no Diário Oficial do Distrito Federal (Roque Antonio Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributário, 2ª. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 319-320 – g.n.)

O Município de Cotia está entre aqueles que dispõem de imprensa oficial. A divulgação da lei impugnada, entretanto, foi feita de forma incompleta. Da publicação não constaram os anexos do ato normativo, dos quais derivou o expressivo aumento do IPTU.

Essa irregularidade torna a lei ilegítima à luz do art. 37 da Constituição Federal, por ofensa direta ao princípio da publicidade e aos subprincípios que o sustentam, que são os do direito escrito e da certeza jurídica (cf. Roque Antonio Carrazza, Curso de Direito Constitucional Tributário, 2ª. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 318).

É a orientação do STJ:

TRIBUTÁRIO. IPTU. PLANTA DE VALORES. PUBLICAÇÃO. NECESSIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SÚMULA N. 280/STF.

1. A tabela de valores imobiliários, dado necessário à apuração da base de cálculo do IPTU, deve, necessariamente, ser objeto de publicação oficial. Precedentes.

2. Não se conhece de recurso especial fundado na alínea c, se, para tanto, faz-se necessário interpretar lei local (Súmula n. 280/STF).

3. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.

(RECURSO ESPECIAL nº 253.654/PR - 2000/0030940-0, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 6 Dez. 2005).

E, também, do STF:

IMPOSTO PREDIAL TERRITORIAL URBANO. MODIFICAÇÃO DE TABELAS ESPECIFICADORAS DE BASE DE CALCULO. NÃO PUBLICADAS AS TABELAS A QUE SE REFERE A LEI MODIFICADORA DA PLANTA GENERICA DE VALORES, PARA EFEITO DE APURAÇÃO DA BASE DE CALCULO DO IMPOSTO, ILEGITIMA E A COBRANÇA DESTA. RECURSO NÃO CONHECIDO (RE 108399/SP, rel. Min. CARLOS MADEIRA, j. 27 Mai. 1986, 2ª. T).

Desse último julgado, extrai-se, aliás, preciosa lição, inteiramente aplicável à hipótese em análise:

Na publicação da lei, entretanto, não foram publicados os anexos, aos quais constam os novos valores que servem de base de cálculo do imposto.

No RE 86.763-PI, explicitou o Ministro Moreira Alves o exato sentido do § 2º do art. 97 do CTN, ao dizer:

‘Que é modificação de base de cálculo do tributo que importe em torná-lo mais oneroso? A meu ver, em se tratando de impostos como o predial – que é o que interessa no caso – é a alteração relativa aos elementos que a lei emprega para determinar o valor venal do imóvel, que é a base de cálculo desse tributo. Assim, na espécie sob julgamento, unidade (m2) vezes valor (tanto por cada m2)’ (RTJ 94/714).

Em se tratando de Planta Genérica de Valores, que é ‘um complexo de plantas, tabelas, listas, fatores e índices determinantes dos valores médios unitários de metro quadrado de terreno e de construção, acompanhados de regras e métodos genéricos e específicos, para a apuração do valor dos imóveis’ – segundo a definição de Aires Fernandino Barreto - , vê-se que, cuidando a lei e novas especificações constantes de tabelas, estas deviam forçosamente ser publicadas com a lei. O cálculo do imposto é, sem dúvida, atribuição do Executivo, mas as especificações para esse cálculo se integram a Planta Genérica de Valores, devem integrar a lei. Tais especificações compreendem a localização urbana do imóvel, o seu valor provável, a ainda os fatos que influem ao valor venal.

Qualquer modificação de tais elementos há de constar da lei, para que se concilie com o art. 97, IV, do CTN”.

Diante do exposto, o parecer é pela declaração da inconstitucionalidade do ato normativo em análise.

São Paulo, 3 de agosto de 2010.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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