Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

Autos nº. 990.10.339643-0

Suscitante: 13ª. Câmara de Direito Público

Objeto: Lei nº 2.202, de 26 de setembro de 2001, do Município de Morro Agudo

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 13ª Câmara de Direito Público do TJESP, tendo por objeto o art. 1º da Lei nº 2.202, de 26 de setembro de 2001, do Município de Morro Agudo, que “altera a carga horária e a referência dos cargos de Professor I e cria cargos que especifica e dá outras providências”. Alegação de ofensa ao art. 37, inc. XV, da Constituição Federal, tendo em vista a lei impõe aumento da carga de trabalho sem prever o proporcional acréscimo nos vencimentos do cargo. Inexistência de direito adquirido a regime jurídico. Possibilidade de se aumentar, por lei, a carga de trabalho de servidores públicos, desde que observado o limite do art. 7º c.c. o art. 39, § 3º, da CF. Garantia do art. 37, inc. XV, da CF, que, na dicção do STF, apenas impede a redução do valor nominal dos vencimentos. Precedentes. Parecer pela rejeição da arguição, reconhecendo-se a constitucionalidade do ato normativo questionado.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 13ª Câmara de Direito Público, nos autos de Apelação Cível nº 994.09.026662-5, em que figuram como partes MARGARETE APARECIDA SILVA SALES e MÁRCIA MARTINS (apelantes) e PREFEITURA MUNICIPAL DE MORRO AGUDO e INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA MUNICIPAL DE MORRO AGUDO (apelados).

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), eis que se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, da Lei nº 2.202, de 26 de setembro de 2001, do Município de Morro Agudo, que “altera a carga horária e a referência dos cargos de Professor I e cria cargos que especifica e dá outras providências”.

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).

Este é resumo do que consta dos autos.

As apelantes são professoras da rede municipal de ensino e ingressaram com a presente ação para que seus salários fossem aumentados proporcionalmente ao acréscimo de trabalho que lhes foi imposto pela lei municipal.

De fato, por força do art. 1º da Lei nº 2.202/01, o “Professor I” teve a sua carga horária semanal alterada de 20 para 30 horas.

Pelo mesmo dispositivo, a remuneração passou da referência 55 para a referência 83, ficando consignado no v. Acórdão que, embora o salário tenha sido aumentado, o acréscimo pecuniário não foi proporcional ao percentual de horas acrescidas.

Para o Órgão fracionário, a situação gerada pelo art. 1º da Lei nº 2.202/01 caracteriza uma redução indireta do salário, o que seria vedado pela Constituição Federal (art. 37, inc. XV), decorrendo daí a necessidade de se declarar a inconstitucionalidade do referido dispositivo.

Data venia, não comungamos desse entendimento.

Os entes políticos têm autonomia para instituir o regime jurídico de seus servidores e, por critérios de conveniência e oportunidade, alterá-los.

Os servidores públicos, aliás, não têm direito adquirido sobre o regime jurídico vigente ao tempo da nomeação, consoante pacífica jurisprudência do STF:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. SERVIDOR PÚBLICO. DIREITO ADQUIRIDO. REGIME JURÍDICO. INEXISTÊNCIA. 1. A jurisprudência desta Suprema Corte se consolidou no sentido de que não há direito adquirido a regime jurídico. O vínculo entre o servidor e a Administração é de direito público, definido em lei, sendo inviável invocar esse postulado para tornar imutável o regime jurídico, ao contrário do que ocorre com vínculos de natureza contratual, de direito privado, este sim protegido contra modificações posteriores da lei. 2. Agravo regimental improvido.”  (STF, RE-AgR 287261/MG, Relatora Minª. ELLEN GRACIE. Julgado em 28/06/2005)

Desse modo, desde que o Legislador observe o limite constitucional (art. 7º, inc. XIII c.c. o art. 39, § 3º), nada obsta que aumente, como aconteceu no ato normativo em estudo, a carga horária semanal de determinado cargo.

Por outro lado, a Constituição da República não exige que subsídios e vencimentos sejam estabelecidos proporcionalmente ao número de horas trabalhadas.

A garantia do inc. XV do art. 37, de conteúdo jurídico-formal, apenas impede a redução do valor nominal dos estipêndios, tanto assim que não os preserva em face da inflação, da incidência de tributos, etc (nesse sentido, cf. Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, 13ª. Ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 195).

A mesma conclusão se extrai do seguinte julgado:

DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DE VENCIMENTOS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE. AGRAVO. 1. O acórdão recorrido está em conformidade com a jurisprudência desta Corte, inclusive ao repelir a alegada violação ao princípio da irredutibilidade de vencimentos, pois, como se assinalou em precedente desta Corte: "... não há falar-se, no caso, em violação ao princípio da irredutibilidade de vencimentos, já que não tem ele por escopo assegurar o valor real dos estipêndios, não havendo espaço, portanto, para se falar em vencimentos reduzidos, mas simplesmente em expectativa de correção não verificada, coisa diversa. (RE n° 201.026-DF, DJ de 06-09-96, p. 31.869)". 2. Em síntese, não houve redução do valor nominal dos vencimentos. 3. Agravo improvido. (STF, AI-AgR 283302/DF. Relator Min. SIDNEY SANCHES. Julgado em 20/08/2002)

Julgado mais recente nos permite afirmar a prevalência dessa orientação. Confira-se:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. ALTERAÇÃO NA FORMA DE COMPOSIÇÃO SALARIAL. LEI ESTADUAL N. 14.683/03. DIREITO ADQUIRIDO. REGIME JURÍDICO. INEXISTÊNCIA. O Supremo Tribunal Federal fixou jurisprudência no sentido de que não há direito adquirido a regime jurídico-funcional pertinente à composição dos vencimentos ou à permanência do regime legal de reajuste de vantagem, desde que eventual modificação introduzida por ato legislativo superveniente preserve o montante global da remuneração, não acarretando decesso de caráter pecuniário. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.
(RE 602029 AgR, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 02/02/2010, DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-10 PP-02150)

 Em acréscimo, recorde-se que hipótese análoga já foi apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso em Mandado de Segurança nº 8.072 – GO, assim ementado:

ADMINISTRATIVO. FUNCIONÁRIO PÚBLICO ESTATUTÁRIO.

- A Administração pode, desde que observados os limites constitucionais, instituir novo regime jurídico para seus agentes.

- Entendimento reiterado do Colendo Supremo Tribunal Federal de que não há direito adquirido a regime jurídico instituído por lei.

- As alterações instituídas pela Lei nº 12.716/95 do Estado de Goiás não implicam em redução salarial. Não houve ofensa à garantia constitucional da irredutibilidade de vencimentos.

- Recurso desprovido.

(RMS nº 8.072-GO, rel. Min. FELIX FISCHER, j. 16.12.1997).

No precedente, sindicato de funcionários públicos se insurgiu contra ato do Governador do Estado de Goiás, consubstanciado em lei, que majorou a jornada de trabalho de 6 para 8 horas diárias sem a correspondente contraprestação salarial.

O Tribunal de Justiça de Goiás denegou a segurança, por entender não configurada ofensa ao princípio constitucional da irredutibilidade dos vencimentos, “pois estes são inerentes ao cargo, enquanto a jornada de trabalho está ligada à função”.

No STJ, o eminente Relator, após tecer interessantes considerações sobre o instituto da discricionariedade administrativa, concluiu que a garantia constitucional da irredutibilidade de vencimentos não havia sido violada. Segundo o seu pensar:

Na realidade, o legislador quis levar em conta o valor nominal da remuneração, ou seja, ao interpretar o conteúdo do princípio chega-se à conclusão que a intenção da norma foi evitar a redução quantitativa dos ganhos do trabalhador.

(...)

Dessa maneira, razão não assiste aos recorrentes uma vez que a modificação estabelecida no conteúdo do regime jurídico dos funcionários estaduais foi feita para adequar os interesses da coletividade às suas necessidades momentâneas.

O funcionário público tem sim, depois do advento da Constituição de 1988, direito adquirido aos vencimentos já incorporados ao seu patrimônio jurídico, entretanto, não pode exigir da Administração Pública que, ao legitimamente tomar medidas para melhor atender aos interesses sociais, seja obrigada a elevar a remuneração a pretexto de atender a norma constitucional que estabelece o princípio da irredutibilidade.

(...)

Assim, a carga horária dos servidores é fixada tendo-se em conta critérios de conveniência e oportunidade da Administração no exercício de seu poder discricionário.

Diante do exposto, opino pela constitucionalidade da Lei nº 2.202, de 26 de setembro de 2001, do Município de Morro Agudo, que “altera a carga horária e referência dos cargos de Professor I e cria cargos que especifica e dá outras providências”.

 

São Paulo, 4 de agosto de 2010.

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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