Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 990.10.343592-3

Suscitante: 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

Objeto: Lei nº 3.434/93, do Município de Jacareí

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade, suscitado pela 7ª. Câmara de Direito Público do TJSP, do art. 1º da Lei nº 3.434/93, do Município de Jacareí, que isentou das contribuições previdenciárias os servidores estatutários que estavam na ativa na vigência de regime jurídico anterior. Benesse que não se sustenta diante do caráter contributivo e solidário da previdência (arts. 40 e 201, caput, da Constituição Federal). Ato normativo municipal que, sendo anterior às Emendas Constitucionais nº 20/98 e 41/03, não foi por elas recepcionado.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 7ª. Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos de Apelação Cível em que figuram como partes o INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO MUNICÍPIO DE JACAREÍ – IPMJ (apelante) e (...) e CÂMARA MUNICIPAL DE JACAREÍ (apelados).

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), cogitando-se do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, da Lei nº 3.434/93, do Município de Jacareí.

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).

Este é resumo do que consta dos autos.

A Lei nº 3.434/93, do Município de Jacareí, isentou servidores públicos municipais do pagamento das contribuições previdenciárias, nos seguintes termos:

Art. 1º - Ficam isentos da contribuição prevista no inciso I do art. 4º da Lei Municipal nº 3.410, de 7/10/1993, os servidores que já eram regidos pelo regime estatutário antes da criação do Instituto de Previdência do Município de Jacareí.

À época da edição da lei, “não se exigia contribuição dos servidores públicos”, embora determinados Estados, como São Paulo, a demandassem para a constituição do direito de seus dependentes (cf. José Afonso da Silva, Comentário contextual à Constituição, 4ª. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 364).

Atualmente, a isenção de que trata a lei não se sustenta, de fato, diante das regras incorporadas à Constituição Federal pelas Emendas nº 20/98 e 41/03.

É que, a partir de EC 20/98, a previdência social foi organizada em forma de regime geral, de caráter contributivo e filiação obrigatória, de modo a preservar o equilíbrio financeiro e atuarial (cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional, 23ª. ed., São Paulo, Atlas, 2008, p. 809), como faz ver o art. 201, caput, da Constituição Federal:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

(...)

Nessa feição constitucional, não se admite a concessão de benefícios sem a correspondente contribuição: o funcionamento da previdência pressupõe o recolhimento antecipado de recursos financeiros provenientes dos segurados e de repasses do ente estatal ao qual estes se vinculam.

Essa concepção foi reforçada com a promulgação da Emenda Constitucional nº 41/03, pela qual se alterou o art. 40 da Carta Política, cujo teor se transcreve:

Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)

O cotejo desse comando com o art. 1º da lei questionada conduz à convicção de que, atualmente, é defeso ao Município desonerar determinados servidores estatutários, inclusive aqueles que se encontravam na ativa na vigência das regras anteriores, do desconto mensal da contribuição penitenciária. Se o faz, não atende aos princípios contributivo e solidário da previdência, de assento na Carta Republicana.

O caráter contributivo, explica José Afonso da Silva, “é regra que veio com a Emenda Constitucional 20/1998”. Esse regime “é aquele que se fundamenta em contribuições para o seu custeio”, contrapondo-se ao regime retributivo, que onera o conjunto da sociedade (Comentário contextual à Constituição, 4ª. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 364).

Já o caráter solidário implica na redistribuição de rendas, segundo as necessidades de cada um.

A contribuição dos servidores tem natureza de tributo. É uma espécie de taxa, dado que é compulsória – para todos – e vinculada à atividade do Poder Público. Na dicção do STF, aliás, a obrigatoriedade se estende aos inativos, ainda que tenham se aposentado na vigência de regime jurídico que não previa a contribuição:

“O sistema público de previdência social é fundamentado no princípio da solidariedade (art. 3º, I, da CB/1988), contribuindo os ativos para financiar os benefícios pagos aos inativos. Se todos, inclusive inativos e pensionistas, estão sujeitos ao pagamento das contribuições, bem como aos aumentos de suas alíquotas, seria flagrante a afronta ao princípio da isonomia se o legislador distinguisse, entre os beneficiários, alguns mais e outros menos privilegiados, eis que todos contribuem, conforme as mesmas regras, para financiar o sistema. Se as alterações na legislação sobre custeio atingem a todos, indiscriminadamente, já que as contribuições previdenciárias têm natureza tributária, não há que se estabelecer discriminação entre os beneficiários, sob pena de violação do princípio constitucional da isonomia.” (RE 450.855-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 23-8-2005, Primeira Turma, DJ de 9-12-2005)

 

“Magistrados e pensionistas de magistrados aposentados que entraram na magistratura quando vigente a Constituição da República de 1946. Reiteração dos argumentos de que a EC 20/1998 e a EC 41/2003 não alcançariam os servidores que ingressaram na carreira antes da promulgação da Constituição da República de 1988. Ausência de norma de imunidade tributária absoluta que assegure aos Agravantes o direito adquirido de não se sujeitarem à contribuição previdenciária. Descumprimento da ADI 3.105. Precedentes.” (Rcl 4.486-MC-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 28-8-2008, Plenário, DJE de 26-9-2008.)

"Inconstitucionalidade. Ação direta. Seguridade social. Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária, por força de Emenda Constitucional. Ofensa a outros direitos e garantias individuais. Não ocorrência. Contribuição social. Exigência patrimonial de natureza tributária. Inexistência de norma de imunidade tributária absoluta. Regra não retroativa. Instrumento de atuação do Estado na área da previdência social. Obediência aos princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial, bem como aos objetivos constitucionais de universalidade, equidade na forma de participação no custeio e diversidade da base de financiamento. Ação julgada improcedente em relação ao art. 4º, caput, da EC 41/2003. Votos vencidos. Aplicação dos arts. 149, caput, 150, I e III, 194, 195, caput, II, e § 6º, e 201, caput, da CF. Não é inconstitucional o art. 4º, caput, da EC 41, de 19-12-2003, que instituiu contribuição previdenciária sobre os proventos de aposentadoria e as pensões dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações." (ADI 3.105 e ADI 3.128, Rel. p/ o ac. Min. Cezar Peluso, julgamento em 18-8-2004, Plenário, DJ de 18-2-2005.) No mesmo sentido: AI 406.460-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 14-12-2004, Primeira Turma, DJ de 18-2-2005; AI 669.223-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 30-6-2009, Primeira Turma, DJE de 21-8-2009; AI 532.770-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 23-9-2008, Primeira Turma, DJE de 27-2-2009; ADI 3.188, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 18-10-2006, Plenário, DJ de 17-11-2006.

A isenção, que privilegia poucos, não se sustenta diante do art. 40 da CF acima transcrito, que reclama a contribuição dos servidores ativos e inativos.

A benesse, aliás, também não se confunde com a isenção da contribuição previdenciária prevista no art. 8º, § 5º, da EC 20/98, ou com o “abono permanência” nascido com a EC 41/03. Esses institutos foram previstos para os servidores que preencheram os requisitos para a aposentadoria e que optaram por permanecer em atividade, situação bastante diversa daquela contemplada pelo Legislador Municipal.

Disso se conclui que o ato normativo em análise, de fato, não se harmoniza com a Constituição Federal.

Como a edição da lei municipal precede as EC 20/98 e 41/03, não há, propriamente, inconstitucionalidade, mas revogação da norma local pela sua incompatibilidade com a Lei Maior, o que, a rigor, dispensaria o pronunciamento do C. Órgão Especial:

“a cláusula de reserva de plenário somente é aplicável na hipótese de controle difuso em que deva ser declarada a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, não se aplicando aos casos em que se reputam revogadas ou não recepcionadas normas anteriores à Constituição vigente. Nestes casos, não há que se falar em inconstitucionalidade, mas sim em revogação ou não-recepção” (STJ – 5ª. T, Resp 439.606-SE, rel. Min. Félix Fischer, j. 25.2.2003. Não conheceram, v.u., DJU 14.4.2003, p. 242, g.n.).

Diante do exposto, e se conhecida, opino pelo acolhimento da presente arguição, por reputar revogada a Lei nº 3.434/93, do Município de Jacareí, na parte em que isenta determinados servidores estatutários da contribuição previdenciária.

 

São Paulo, 11 de agosto de 2010.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

jesp