Parecer em incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 990.10.371773-2

Suscitante: 3ª. Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça

Objeto: art. 93 do Decreto-Lei Complementar Estadual nº 3, de 27 de agosto de 1969 - Código Judiciário do Estado de São Paulo

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade do art. 93 do Decreto-Lei Complementar Estadual nº 3, de 27 de agosto de 1969 - Código Judiciário do Estado de São Paulo, que dispõe acerca da Correição Parcial. Expediente de caráter administrativo.   Aceitação pacífica pelo STF.  Parecer pela declaração da constitucionalidade da norma questionada.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

A 6ª Promotoria de Justiça de Praia Grande impetrou mandado de segurança contra ato ilegal do Meritíssimo Senhor Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal de Praia Grande, nos autos do Processo nº 2015/05, que negou seguimento à interposta Correição Parcial.

O v. Acórdão de fls. 52/59 determinou a suspensão do julgamento da apelação, para que, em atenção à cláusula da reserva de Plenário (Súmula vinculante nº 10), o E. Órgão Especial se pronuncie sobre a constitucionalidade do art. 93 do Decreto-Lei Complementar Estadual nº 3, de 27 de agosto de 1969 - Código Judiciário do Estado de São Paulo.

Este é o resumo da questão que nos é dada a estudo.

A discussão doutrinária acerca do art. 93 do Decreto-Lei Complementar Estadual nº 3, de 27 de agosto de 1969 - Código Judiciário do Estado de São Paulo - que trata da Correição Parcial, conquanto sensível, deságua na constitucionalidade da norma.

A posição adotada majoritariamente por essa E. Corte é a de que a Correição Parcial deve ser processada sob o rito do Agravo de Instrumento.   Constitucional, portanto.

É o que se extrai do Acórdão prolatado no Mandado de Segurança nº 990.10.190256-7, da Comarca de Praia Grande, em que é impetrante a 6ª Promotoria de Justiça e impetrado o MM. Juiz de Direito da 1º Vara Criminal da Praia Grande, tendo como Relator Des. Almeida Toledo, cujo texto, por versar da mesma questão que ora se nos apresenta, pede-se vênia para transcrição do que interessa:

"Mandado de segurança.   Pretendido processamento de Correição Parcial, sob o rito do Recurso em Sentido Estrito.   Matéria controvertida.  Admissível o processamento da Correição sob o rito requerido a fim de se evitar cerceamento de defesa do órgão impetrante.  Respeito ao duplo grau de jurisdição.  Segurança concedida.

 

1.  A 6ª Promotoria de Justiça da Comarca da Praia Grande impetra o presente mandado de segurança, com pedido de liminar, contra ato do MM. Juiz de Direito da 1ª Vara Criminal daquela comarca, proferido nos autos da ação penal nº 1498/2006, pleiteando a determinação de processamento da Correição Parcial, interposta perante aquele juízo, sob o rito do recurso em sentido estrito.

Relata a impetrante, que no curso do Processo Criminal nº1498/2006, em trâmite na 1ª Vara Criminal da Comarca de Praia Grande, a prisão preventiva do réu Nivo Almeida Correia Viana foi requerida pelo Ministério Público e indeferida pelo Magistrado.   Alega que contra o indeferimento foi interposto recurso em sentido estrito.   Por sua vez, a autoridade judiciária, encaminhou os autos ao MP e, concedendo prazo, determinou que o Parquet instruísse o recurso com as peças necessárias à formação do instrumento.  Irresignado, o órgão Ministérial apresentou Correição Parcial contra referido ato.

Diante deste recurso, a autoridade coatora negou-lhe prosseguimento, sob o argumento de que foi inadequada a adoção do rito de Recurso em Sentido Estrito na propositura da Correição Parcial, pois que sedimentado o entendimento de que referido recurso deve processar-se como Agravo de Instrumento.  Sustenta que a negativa de prosseguimento ao recurso causa sérios danos ao regular andamento do processo, haja vista a flagrante necessidade da decretação da prisão preventiva do paciente. Pleiteia, assim, liminarmente, a determinação de processamento da Correição Parcial sob o rito do Recurso em Sentido Estrito.

A liminar foi indeferida, dispensadas as informações da autoridade coatora, por tratar-se de matéria exclusivamente de direito (fls. 63/64).

A douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pela concessão da segurança (fls. 66/69).

É o relatório.

(....)

Finalmente, no que tange ao mérito do presente mandado, consta que a autoridade coatora negou prosseguimento à Correição Parcial interposta pelo MP e assim, impediu que o RESE fosse conhecido por este Tribunal de Justiça

A Correição Parcial é recurso que gera controvérsia na seara jurídica paulista, de modo que se colhem diversas vertentes quanto ao tema.

A esse respeito, este Tribunal tem adotado três diferentes posicionamentos:   a)  a correição deve ser processada sob o rito do agravo de instrumento (Correição parcial nº 990.08.191884-6, 12ª Câmara; Correição nº 990.09.208260-4, 3ª Câmara;  b)  a correição pode ser processada sob o rito do recurso em sentido estrito (MS nº 990.09.156337-4, 11ª Câmara) e, c)  a correição não pode ser conhecida pela Câmara porque é recurso que não foi recepcionado pela CF (MS nº 990.10.145764-4, 3ª Câmara Criminal).

Acerca deste dissídio, reitero o posicionamento já manifestado no MS nº 990.08.108248-9, 16ª Câmara Criminal, no qual constou declaração do voto vencido.

Com efeito, a correição parcial constitui expediente de caráter administrativo, destinado a corrigir ato judicial que, por error in procedendo, venha causar inversão tumultuária do processo.

É, enfim, instrumento jurídico-correcional, que não se confunde com os recursos ordinários previstos, genuinamente, na legislação federal.

Encontra previsão no Decreto-lei Complementar nº 3, de 27.8.69 (art. 93), que instituiu o Código Judiciário do Estado de São Paulo.   É prevista, também, no artigo 830 do Regimento Interno desta Corte (atual artigo 208).

Com a devida vênia, a origem da norma, nascida no âmbito estadual, pela via extinta do 'decreto-lei', não torna inválida por afrontar a CF no que diz respeito às regras de competência legislativa entre os entes políticos.   Não obstante a CF estabeleça competência exclusiva da União para legislar sobre matéria relativa a direito processual (art. 22, I), no seu artigo 24, XI, confere, de forma concorrente, competência à União, Estados e Distrito Federal para legislarem sobre 'procedimentos em matéria processual'.

Ampara-se, portanto, a correição parcial, dada sua natureza processual, na competência legislativa concorrente do Estado-membro, de forma que o 'Código Judiciário do Estado de São Paulo', neste aspecto (art. 93), foi recepcionado pela Carta Magna.

Na expressão 'procedimentos', escrita no referido inciso XI, insere-se, também, à luz de uma exegese mais ampla, a idéia de atos destinados à solução de controvérsias, delimitando a forma de atingir determinado objetivo jurídico.   Dentro desse conceito é possível introduzir a correição parcial, tal a sua natureza processual, figurando no ordenamento jurídico como instrumento tendente à correção de decisões que importem error in procedendo, desde que contra as mesmas não haja recurso específico.

Daí porque mantenho o entendimento de que a correição parcial foi recepcionada pela Constituição Federal.

No mais, reputo indispensável o respeito ao Princípio do Duplo Grau de Jurisdição, pois que, não cabe ao Magistrado de Primeira Instância valer-se do juízo de admissibilidade recursal para obstar a reanálise de sua decisão pela Superior Instância.

Com efeito, o apego à posição majoritária, embora não unânime, de que a Correição Parcial deve ser processada sob o rito do Agravo de Instrumento, não é suficiente, por si só, a impedir que o Tribunal conheça da suposta ilegalidade no indeferimento da decretação de prisão preventiva, no curso de ação penal (matéria subjacente).

Portanto, tendo em vista que o procedimento adequado para o processamento da Correição não decorre de disposição expressa de lei, temerário que a autoridade coator se valha de posicionamento não unânime para pôr fim ao processamento de recurso que pretende a decretação da prisão preventiva de réu revel, cujo processo encontra-se suspenso.

3. Em face do acima exposto, pelo meu voto, concedo a segurança para o fim de que a Correição Parcial seja processada sob o rito do Recurso em Sentido Estrito."   g.n.

Tal já seria suficiente para o deslinde da questão.   No entanto, urge que se consigne que em visita ao site do Supremo Tribunal Federal, pode-se concluir que aquela E. Suprema Corte reconhece como constitucional o procedimento posto em estudo, ao deferir-lhe validade jurídica.   Veja-se neste sentido: AP 488/SE - Sergipe - AÇÃO PENAL - Rel. Min. Ellen Gracie, julg. 11/09/2008, Pleno; HC 91024/RN - Rio Grande do Norte - Habeas Corpus - Rel. Min. Ellen Gracie, julg. 05/08/2008, Segunda Turma; RE 407721/DF - Distrito Federal, Recurso Estraordinário, Rel. Min. Gilmar Mendes, julg. 16/11/2004, Segunda Turma; HC 78309/MG - Minas Gerais, Habeas Corpus, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julg. 02/02/1999, Primeira Turma; Rcl 336/DF - Distrito Federal, Reclamação, Rel. Min. Celso Mello, julg. 19/12/1990, Pleno.

A doutrina também abraça a constitucionalidade da norma, ao assim se posicionar:

"Desde a unificação do direito processual, atribuiu-se à União, privativamente, nas sucessivas Constituições, competência para legislar sobre matéria processual.   Assim também na vigente Carta Magna (art. 22, I).  No âmbito dessa competência, incluem-se os recursos, que, sem dúvida, são de natureza processual e, por isso, não podem ser criados por legislação estadual.

Ora, se a correição parcial é recurso, também ela só poderia ser criada por lei federal, nunca por leis estaduais.  Apesar disso, não foi declarada a sua inconstitucionalidade pelos tribunais, e o próprio Supremo Tribunal Federal sempre admitiu recursos extraordinários contra acórdãos proferidos em correição parcial.

Em vários acórdãos afirmou-se a constitucionalidade ou legalidade da correição: RT 572/98, 580/167, 598/307, 610/336; RJTJSP 34/308; JTACrimSP 56/137, 57/155.

Parte da doutrina, por sua vez, esmerou-se em justificar a correição em face do ordenamento constitucional, ressaltando-se a posição de Moniz de Aragão, para que, em virtude de ter sido prevista na Lei Federal 5.010, de 1966, que organizou a Justiça Federal, não haveria mais motivo para acoimá-la de inconstitucional.  Tinha, agora, assento em Lei Federal e, por isso, podia ser utilizada nos Estados.

Outro argumento normalmente apresentado pelos que defendem a constitucionalidade é o fato de ter sido expressamente referida no art. 5º, II, da Lei 1.533, de 31.12.1951, sobre o mandado de segurança.

Com isso, a correição persiste no sistema brasileiro, sendo útil para suprir, em determinadas situações, a falta de recurso para ataque a decisões proferidas durante o desenvolvimento da causa.   Perdeu relevância no processo civil, em face de o CPC de 1973 ter ampliado o uso do agravo de instrumento, admitindo-o para todas as decisões interlocutórias; subsistiu, contudo, nas hipóteses em que o tumulto processual deriva de despacho ou decorre de omissão do juiz.   No processo penal, tem maior possibilidade de ser aplicada ante a índole restritiva do sistema recursal, sendo vários os casos de decisões interlocutórias irrecorríveis; serve mais ao Ministério Público, de vez que o réu conta, em regra, com o habeas corpus, extensivamente acolhido nos tribunais."    "apud" Recursos no Processo Penal, 6ª edição, Ed. RT, 2009, págs. 191/192, Ada Pellegrina Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes

Diante do exposto, o parecer é pela constitucionalidade do art. 93 do Decreto-Lei Complementar Estadual nº 3, de 27 de agosto de 1969 - Código Judiciário do Estado de São Paulo.

São Paulo, 26 de agosto de 2010.

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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