Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 990.10.396920-0

Suscitante: 15ª Câmara de Direito Público do TJESP

Objeto: Lei Complementar Municipal n. 03/01.

 

 

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade, suscitado pela 15ª. Câmara de Direito Público do TJSP, da Lei Complementar Municipal n. 03/01 (Código Tributário de Tambaú). Alegação de afronta ao art. 156, § 1º, inc. II, da Constituição Federal. Lei que institui alíquotas diferenciadas do IPTU em função do calçamento, ou não, do passeio do imóvel tributado (exercício de 2003). Progressividade extrafiscal que se divorcia do paradigma constitucional, que determina a diferenciação das alíquotas em função da localização e do uso do imóvel. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 15ª Câmara de Direito Público, nos autos de Apelação Cível n.º 994.06.169111-4, em que figuram como partes a PREFEITURA MUNICIPAL DE TAMBAÚ e (...) e (...).

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), eis que se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, dos arts. 158 e 184 da Lei Complementar Municipal n. 03/01 (Código Tributário de Tambaú).

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).

Este é resumo do que consta dos autos.

No caso em análise, foi ajuizada ação declaratória de inexigibilidade de débito em face da Prefeitura Municipal de Tambaú, questionando a cobrança efetuada no exercício de 2003. A demanda foi julgada parcialmente procedente para os fins de declarar nulos o lançamento do Imposto Predial e Territorial Urbano relativo ao exercício de 2003, relativamente ao imóvel do requerente Paulo Januário de Souza.

Nos termos do Acórdão de fls. 214/217, entendeu-se pela inconstitucionalidade dos arts. 158 e 184 do Código Tributário de Tambaú, uma vez que a seletividade permitida pelo art. 156, § 1º, inciso II da Constituição Federal, nos termos da redação dada pela Emenda Constitucional n. 29/00, refere-se unicamente à localização e ao uso dos imóveis.

Cogita-se de que, ao instituir alíquotas diferenciadas do IPTU em função dos imóveis tributados e quanto à existência, ou não, de calçamento nos seus respectivos passeios, a Municipalidade tenha se divorciado dos parâmetros constitucionais do art. 156, § 1º, inc. I e II, da CF.

Para o deslinde da questão constitucional, peço vênia para lembrar que, anteriormente à promulgação da EC 29/00, não se admitia a progressividade fiscal do IPTU, diante do caráter real desse tributo, incompatível com a dosimetria vinculada à capacidade econômica do contribuinte. A progressividade autorizada pelo primitivo § 1º do art. 156 da CF (“§ 1º - O imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade”) era a extrafiscal, com vista exclusivamente à consecução dos objetivos traçados pelo art. 182, § 2º, da Carta Republicana.

Essa realidade perdurou até o dia 13 de setembro de 2000, quando foi promulgada a Emenda Constitucional nº 29. Por ela se alterou o § 1º do art. 156, da Constituição Federal, que passou a vigorar com a seguinte redação:

Art.156 ...

§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: (NR)

I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e (AC)

II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel. (AC)

A partir daí, passou-se a entender que:

“o IPTU progressivo pode ser instituído tanto com fundamento no inciso II do § 4º do artigo 182 da Constituição Federal, para, atendendo a um preceito de política urbana, induzir o proprietário a fazer com que seu imóvel cumpra a função social, de acordo com o determinado no inciso XXIII do artigo 5º da Lei Magna, como também com supedâneo no artigo 156, § 1º, I e II, da Constituição da República” (INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE nº 149.510-0/5, j. 14.11.2007, rel. ALMEIDA GUILHERME, v.u., grifei).

A progressividade que tem em vista a capacidade contributiva é aferível em função do próprio imóvel (e não da fortuna em dinheiro de seu proprietário). É o que se denomina progressividade fiscal, de que trata o art. 145, § 1º, primeira parte, c.c. o art. 156, § 1º, I, da CF.

A outra progressividade, chamada progressividade extrafiscal, decorre do art. 156, § 1º, II, CF. Nada tem a ver com a capacidade contributiva. As alíquotas diferentes são estabelecidas conforme a localização e do uso do imóvel e, segundo a doutrina (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 23ª. ed., rev., ampl. e atual. até a EC 53/2006, São Paulo: Malheiros, 2007, p. 107-115), dependem da edição do plano diretor. Aqui está em jogo a função social da propriedade.

No caso dos autos, o legislador local instituiu progressividade extrafiscal olvidando o modelo constitucional, pois graduou as alíquotas não somente em função de parâmetros constitucionais legítimos como também levando em consideração a questão do passeio ser ou não calçado.

Essa inovação não se ajusta à norma-padrão de incidência do tributo pré-traçada na Constituição Federal, do que decorre a sua inconstitucionalidade, tal como reconhecida no julgamento da Apelação nº 577.021-5/8-00, relatada pelo em. Des. EUTÁLIO PORTO, em cujo Acórdão se cogitou da dupla penalização do contribuinte, “posto que não pode ser dele exigido que pague mais imposto porque usufrui de serviços urbanos de existência obrigatória e que já são remunerados”.

Veja-se, a propósito, o que bem afirmou o juízo monocrático ao sentenciar a presente demanda:

“O fato de haver ou não passeio calçado é ato que se infere nas atribuições do poder de polícia do município. Tem natureza extrafiscal, porquanto incumbe ao poder público fiscalizar os contribuintes que não cumpram com tal determinação, multá-los e ainda edificar a benfeitoria, às expensas do faltoso, sob a forma de contribuição de melhoria, o que é diverso de imposto, porquanto espécies do gênero tributo”

“Entretanto, tal fato não pode engendrar o aumento de alíquota de forma progressiva, na cobrança do IPTU”(fls. 175/176).

Diante do exposto, o parecer é pela declaração da inconstitucionalidade da Lei Complementar Municipal n. 03/01, no que toca à diferenciação de alíquota relativamente à existência ou não de calçamento na propriedade, base utilizada para o lançamento do Imposto Predial e Territorial Urbana de Tambaú no exercício de 2003.

São Paulo, 20 de setembro de 2010.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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