Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 990.10.411307-5

Suscitante: 3ª. Câmara de Direito Público

Objeto: art. 2º da Lei nº 10.688/88, em sua redação original e naquela decorrente da Lei nº 10.722/89, e art. 4º da Lei nº 11.722/89, do Município de São Paulo.

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 10.688/88, em sua redação original e naquela decorrente da Lei nº 10.722/89, e do art. 4º da Lei nº 11.722/89, do Município de São Paulo, que vinculam o reajuste dos vencimentos dos servidores públicos municipais a determinados índices de correção monetária (OTN, ICV-DIEESE e IPC-FIPE). Ofensa à autonomia municipal e ao juízo político de oportunidade e conveniência do chefe do Poder Executivo, que é irrenunciável. Solução legal que não se acomoda na previsão orçamentária. Precedentes do STF. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade dos referidos dispositivos legais.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 3ª. Câmara de Direito Público, nos autos de Apelação Cível nº 994.04.032408-7, em que figuram como partes (...) E OUTROS (apelantes) e INSTITUTO DE PREVIDÊNCIA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO – IPREM (apelado).

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), porque se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, do art. 2º da Lei nº 10.688/88, em sua redação original e naquela decorrente da Lei nº 10.722/89, e do art. 4º da Lei nº 11.722/89, do Município de São Paulo, que vinculam a remuneração de servidores públicos a índices de correção monetária.

Não há notícia de pronunciamento do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).

Este é resumo do que consta dos autos.

Os dispositivos questionados têm a seguinte redação:

Lei nº 10.688/88

Art. 2º - A partir do mês de fevereiro de 1989, e observado o disposto no art. 3º, os valores dos padrões de vencimentos do funcionalismo municipal serão reajustados, mensal e automaticamente, pelo Executivo, com base nos índices de variação das Obrigações do Tesouro Nacional – OTN, entre o mês do reajuste e o mês imediatamente anterior.

Lei nº 10.722/89

Art. 2º - A partir do mês de março de 1989, os valores dos padrões de vencimentos do funcionalismo municipal serão reajustados, mensal e automaticamente, pelo Executivo, com base na variação do Índice de Custo de Vida do DIEESE-ICVD, entre o mês de reajustamento e o mês imediatamente anterior.

Parágrafo único – No caso de extinção ou suspensão da divulgação do Índice de Custo de Vida do DIEESE, aplicar-se-á, para o reajustamento de que trata o “caput” deste artigo, o Índice de Preços ao Consumidor – IPC e, na hipótese de extinção deste, qualquer outro índice criado, para substituí-lo em suas finalidades, pelo Governo Federal.

Lei nº 11.722/95:

Art. 4º - A partir de 1º de março de 1995, o Executivo reajustará, quadrimestralmente, por decreto, os valores dos padrões de vencimentos do funcionalismo municipal, com base na variação do Índice de Preços ao Consumidor, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da Universidade de São Paulo – IPC – FIPE, ocorrida entre o mês de reajustamento e os 4 (quatro) meses anteriores.

A previsão da Lei nº 10.688/88 é, de fato, inconstitucional, porque vincula o reajuste dos vencimentos do funcionalismo à Obrigação do Tesouro Nacional – OTN, que é índice de correção monetária federal.

Sabe-se que o Município é dotado de autonomia e da capacidade de organizar seus próprios serviços, inclusive para estabelecer vencimentos e vantagens dos servidores.

Essa autonomia, entretanto, não é absoluta. O ente municipal se sujeita nesse campo à observância das normas constitucionais atinentes ao funcionalismo público.

A vinculação do reajuste dos vencimentos do funcionalismo municipal a índice de correção federal está expressamente proibida pelo art. 37, inc. XIII, da Constituição Federal, a seguir transcrito:

XIII – é vedada a vinculação ou equiparação de vencimentos, para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público, ressalvado o disposto no inciso anterior e no art. 39, § 1º.

Em várias ocasiões o STF afirmou a inconstitucionalidade de dispositivos de leis locais que atrelaram despesas de pessoal aos índices do Governo Federal, sempre em nome da autonomia dos entes federados (cf, a exemplo, RTJ 133/578), o que culminou com a aprovação da Súmula nº 681, na sessão plenária de 24.9.2003, nos seguintes termos:

É inconstitucional a vinculação do reajuste de vencimentos de servidores estaduais ou municipais a índices federais de correção monetária.

No que toca aos dispositivos das Leis nº 10.722/89 e 11.722/95, tem-se que eles relacionam o rejauste a índices de correção definidos por entidades privadas, ICV-DIEESE e IPC FIPE, respectivamente.

A utilização de tais índices para o reajuste dos vencimentos, ainda que decorra de projeto de lei subscrito pelo chefe do Poder Executivo, viola, igualmente, a autonomia municipal (arts. 1º; 18; 29 e 34, VII, “a”, CF; art. 144 da CE), que é irrenunciável. A providência subtrai do Prefeito o juízo político de oportunidade e conveniência para deflagrar o processo legislativo que, a seu termo, ensejará o aumento.

Com tais argumentos, que se reputam suficientes para a declaração de inconstitucionalidade das regras em análise, o STF invalidou atos normativos análogos, do Município de Porto Alegre, no RE nº 251.238-9 RS, mencionado, aliás, pelo C. Órgão fracionário. Eis a ementa do julgado:

EMENTA: Constitucional. Administrativo. Servidores Públicos. Reajuste de vencimentos e salários. Reajuste automático vinculado a indexadores futuros viola a autonomia do Município. A fixação de piso de comprometimento da RECEITA CORRENTE com os GASTOS COM PESSOAL, para efeito de reajuste, importa em vincular receita de impostos com despesa (CF, art. 167, IV). Inconstitucionalidade do art. 7º, e seus parágrafos, da Lei 7.428, de 13 de maio de 1994, com as modificações introduzidas pelo art. 2º da Lei 7.539, de 24 de novembro de 1994, ambas do Município de Porto Alegre. Recurso conhecido e provido (RE 251238, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Relator p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 07/11/2001, DJ 23-08-2002 PP-00071 EMENT VOL-02079-03 PP-00499 RTJ VOL-00182-03 PP-01123)

A solução legal configura, igualmente, imperdoável desrespeito à previsão orçamentária. É que, de acordo com o § 1º do art. 169, da Constituição Federal, o aumento de remuneração do funcionalismo só poderá ocorrer se houver (i) prévia dotação orçamentária suficiente para atender às despesas decorrentes e (ii) autorização específica na lei de diretrizes orçamentárias, ressalvadas, quanto a esta exigência, as empresas públicas e sociedades de economia mista (cf. Celso Antonio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo, 27ª. ed., São Paulo, Malheiros, 2010, p. 272).

Tais requisitos, entretanto, são incompatíveis com as fórmulas que determinam reajustes automáticos, quaisquer que sejam os índices adotados.

Pelo exposto, opino pela declaração da inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 10.688/88, em sua redação original e naquela decorrente da Lei nº 10.722/89, e do art. 4º da Lei nº 11.722/89, do Município de São Paulo, que vinculam a remuneração de servidores públicos a índices específicos de correção monetária.

 

São Paulo, 23 de setembro de 2010.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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