Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo n.º 990.10.531175-0

Suscitante: 3.ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

                        EMENTA: Incidente de Inconstitucionalidade – Art. 130 da Lei Orgânica Municipal de Votorantim, com a redação dada pela Resolução 1/2008 – Ampliação do prazo de duração da licença-maternidade por iniciativa parlamentar – Matéria pertinente ao regime jurídico dos servidores, de iniciativa reservada ao Executivo, com reflexo na independência e harmonia entre os Poderes – Caracterizada a violação dos arts. 2.º e 61, § 1.º, inciso II, alínea ‘c’, da Constituição Federal – Acolhimento do incidente.

 

Colendo Órgão Especial

Eméritos Desembargadores:

 

            No Reexame Necessário de sentença que deferiu a ordem ao julgar MS impetrado por servidora municipal – com vistas a garantir o seu direito líquido e certo à prorrogação de licença-maternidade por mais 60 dias, num total de 180 dias, ante o disposto no art. 130 da Lei Orgânica Municipal de Votorantim, com a redação determinada pela Resolução n.º 1/2008 –, o Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Relator LAERTE SAMPAIO suscitou incidente de inconstitucionalidade por entender que norma desse jaez, ao dispor sobre matéria concernente ao regime jurídico dos servidores públicos municipais, só seria válida se derivasse de projeto de lei de iniciativa reservada ao Executivo.

         ‘Data venia’, a solução deste incidente encaminha à procedência.

         É certo que há uma PEC em tramitação no Congresso Nacional que visa ao aumento do prazo de duração da licença-maternidade para 180 dias, mas a matéria ainda não foi votada, em definitivo, pela Câmara dos Deputados e, portanto, deve prevalecer o prazo de 120 dias, que vem expressamente consignado no art. 7.º, inciso XVIII, da Carta Federal.

         Nada impede, porém, que o legislador ordinário disponha sobre a matéria de modo diverso, desde que, é óbvio, respeite o mínimo essencial à preservação desse típico direito social, o que, noutras palavras, significa dizer que é possível a elevação do prazo de duração da licença-maternidade, mas por iniciativa do Executivo, consoante o disposto no art. 61, § 1.º, inciso II, alínea ‘c’, da Carta Fundamental, ‘verbis’: ‘São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que disponham sobre servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria’.

         Por regime jurídico dos servidores público entende-se ‘o conjunto de regras que disciplinam os diversos aspectos das relações, estatutárias ou contratuais, mantidas pelo Estado com os seus agentes. Tal expressão, que é ampla, abrange todas as normas relativas: a) às formas de provimento; b) às formas de nomeação; c) à realização do concurso; d) à posse; e) ao exercício, inclusive hipótese de afastamento, de dispensa de ponto e de contagem de tempo de serviço; f) às hipóteses de vacância; g) à promoção e respectivos critérios, bem como avaliação do mérito e classificação fina (cursos, títulos, interstícios mínimos); h) aos direitos e às vantagens de ordem pecuniária; i) às reposições salariais e de vencimentos; j) ao horário de trabalho e ponto, inclusive regimes especiais de trabalho; k) aos adicionais por tempo de serviço, gratificações, diárias, ajudas de custo e acumulações remuneradas; l) às férias, licenças em geral, estabilidade, disponibilidade, aposentadoria; m) aos deveres e proibições; n) às penalidades e sua aplicação; o) ao processo administrativo’ (Cf. JOSÉ CELSO DE MELLO FILHO, ‘Constituição Federal Anotada’, Saraiva, 2.ª edição, 1986, atualizada até a EC n.º 27/85, comentário ao art. 57, pág. 220).

         Nunca é demais lembrar que, consoante jurisprudência assente no STF, ‘as regras básicas do processo legislativo federal são de absorção compulsória pelos Estados-membros (extensíveis também aos Municípios) em tudo aquilo que diga respeito – como ocorre às que enumeram casos de iniciativa legislativa reservada – ao princípio fundamental de independência e harmonia dos poderes, como delineado na Constituição da República’ (ADI 1.434, Rel. Min. SEPULVEDA PERTENCE, j. em 10/11/99, DJ de 25/2/00).

         No caso em análise, verifica-se que a Câmara Municipal de Votorantim ampliou o prazo de duração da licença-maternidade sem a iniciativa do Prefeito, ou seja, com usurpação de prerrogativa própria da função executiva e que é consubstanciada na capacidade de iniciar o processo de formação das leis que versem o regime jurídico dos servidores.

         Assim, na espécie, encontra-se bem configurada a violação dos arts. 2.º e 61, § 1.º, inciso II, alínea ‘c’, da Constituição Federal, pelo art. 130 da Lei Orgânica Municipal de Votorantim, na redação dada pela Resolução n.º 01/2008, que, aliás, é outra possível causa de inconstitucionalidade formal, pois o processo de alteração da lei orgânica não pode se distanciar dos parâmetros estabelecidos no art. 29, ‘caput’, da Constituição Federal.

         Nessa conformidade, o parecer é pelo acolhimento do incidente.

 

                            São Paulo, 25 de novembro de 2010.

 

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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