Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 994.06.097337-4 (617.580-5/8-00)

Suscitante: 15ª. Câmara de Direito Público

Objeto: Lei Complementar nº 6, de 21 de Dezembro de 2001, do Município de Elias Fausto/SP

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade suscitado pela 15ª. Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo da Lei Complementar nº 6, de 21 de Dezembro de 2001, do Município de Elias Fausto/SP. Ato normativo que instituiu a Taxa de Fiscalização de Ocupação e de Permanência em Áreas, em Vias e em Logradouros Públicos. Exação que, nos termos legais, mostra-se desvinculada de contraprestação estatal, consistente no exercício do poder de polícia ou na prestação de um serviço público, estando, pois, em desacordo com o arquétipo constitucional (art. 145, inc. II, CF). Parecer pela declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos questionados.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 15ª Câmara de Direito Público, nos autos de Recurso Ex-Officio em que figuram como partes a COMPANHIA PAULISTA DE FORÇA E LUZ e o SECRETÁRIO DA FAZENDA DO MUNICÍPIO DE ELIAS FAUSTO.

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), eis que se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, da Lei Complementar nº 6, de 21 de Dezembro de 2001, do Município de Elias Fausto/SP, que instituiu a Taxa de Fiscalização de Ocupação e de Permanência em Áreas, em Vias e em Logradouros Públicos, pelo confronto com o art. 145, inc. II, da Constituição Federal (fls. 143/147).

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).

Este é resumo do que consta dos autos.

A Lei Complementar nº 6, de 21 de Dezembro de 2001, do Município de Elias Fausto/SP, criou a Taxa de Fiscalização de Ocupação e de Permanência em Áreas, em Vias e em Logradouros Públicos, como deflui dos dispositivos adiante transcritos:

Artigo 1º – A Taxa de Fiscalização de Ocupação e de Permanência em Áreas, em Vias e em Logradouros Públicos, fundada no poder de polícia do Município, concernente ao ordenamento da utilização dos bens públicos de uso comum, tem como fato gerador a fiscalização por ele exercida sobre a localização, a ocupação e a permanência de móveis, equipamentos, veículos, utensílios e quaisquer outros objetos, em observância às normas municipais de posturas relativas à estética urbana, aos costumes, à ordem, à tranquilidade, à higiene, ao trânsito e à segurança pública.

Artigo 2º – O fato gerador da taxa considera-se ocorrido com a localização, a ocupação e a permanência de móveis, equipamentos, veículos, utensílios e quaisquer outros objetos em áreas, em vias e em logradouros públicos.

 

Referidos dispositivos, conforme o v. Acórdão de fls. 144/147, devem ser cotejados com o art. 145, inc. II, da Constituição Federal, verbis:

Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;

 

Como se vê, os dispositivos legais em análise tratam da definição do tributo e do fato gerador da exação.

O primeiro deles sugere a vinculação da taxa criada à contraprestação estatal, consistente na fiscalização exercida pelo Município sobre a localização, a instalação e a permanência de móveis, equipamentos, veículos, utensílios e quaisquer outros objetos, em observância às normas municipais de posturas relativas à estética urbana, aos costumes, à ordem, à tranquilidade, à higiene, ao trânsito e à segurança pública.

O dispositivo seguinte traz a definição do fato gerador absolutamente desvinculada do valor dispendido pelo exercício do poder de polícia ou na prestação de um serviço público, o que não se admite, eis que a taxa existe para que os administrados remunerem as despesas dos atos ou diligências de polícia que os alcançaram  ou ressarçam os serviços públicos divisíveis efetivamente prestados ou postos à disposição dos usuários (cf. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 23ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p. 528).

De fato, a competência tributária dos municípios - consubstanciada na capacidade de instituir tributos - encontra limite nas normas da Constituição Federal referentes ao Sistema Tributário Nacional (art. 145 e ss.), que foram, aliás, reiteradas pelo constituinte estadual, pois a matéria envolve princípios incontornáveis.

Apesar de a Constituição Federal não ter criado tributos, é certo que, além de discriminar competências, ela traça a “norma padrão de incidência” de cada um dos tributos que podem ser criados pelos entes federativos.

Em outras palavras, a Constituição Federal, no art. 145, ao conferir competência às pessoas políticas para instituir impostos, taxas e contribuições de melhoria, traça o modelo de cada um deles, vinculando o legislador ordinário.

Sobre o tema, diz a doutrina: 

“A Constituição, ao discriminar as competências tributárias, estabeleceu - ainda que, por vezes, de modo implícito e com uma certa margem de liberdade para o legislador - a norma padrão de incidência (o arquétipo genérico, a regra matriz) de cada exação. Noutros termos, ela apontou a hipótese de incidência possível, o sujeito ativo  possível, o sujeito passivo possível, a base de cálculo possível e a alíquota possível, das várias espécies e subespécies de tributos. Em síntese, o legislador, ao exercitar a competência tributária, deverá ser fiel à norma padrão de incidência do tributo, pré-traçada na Constituição. O legislador (federal, estadual, municipal ou distrital) enquanto cria o tributo, não pode fugir deste arquétipo constitucional.” (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 23ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p. 494-496).

A matriz constitucional das taxas (CF, art. 145, II) fixa como hipótese de incidência uma atuação estatal (poder de polícia ou serviço específico e divisível) direta e imediatamente referida ao obrigado (cf. Geraldo Ataliba, Hipótese de Incidência Tributária, 2º ed., pág. 164).

No mesmo sentido, salienta José Afonso da Silva, em Curso de Direito Constitucional Positivo, 11º ed., pág. 645, que “o fato gerador da taxa é uma situação dependente de atividade estatal: o exercício do poder de polícia ou a oferta de serviço público ao contribuinte.”

Desse modelo destoaram os dispositivos legais em exame, que estabelecem uma taxa cujo fato gerador está desvinculado da contraprestação estatal, violando, assim, o art. 145, II, CF, de observância obrigatória pelos municípios, inclusive por força do art. 144, da Carta Paulista.

Diante do exposto, o parecer é pela declaração da inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 6, de 21 de Dezembro de 2001, do Município de Elias Fausto/SP, que instituiu a Taxa de Fiscalização de Ocupação e de Permanência em Áreas, em Vias e em Logradouros Públicos.

 

São Paulo, 1º de março de 2010.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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