Parecer em incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 994.06.177481-3

Suscitante: Décima Quinta Câmara de Direito Público

Objeto: Lei nº 757/98, do Município de Ilhabela

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade. Cobrança das diferenças de alíquotas do ISS incidentes sobre a atividade de hospedagem nos exercícios de 1999 e 2000. Alegação de falta de respaldo legal. Vício insanável na Lei n. 757/98, uma vez que não percorreu os trâmites legais para sua formação (inversão na ordem, com a publicação anterior à sanção e promulgação). Parecer pelo conhecimento do incidente e por seu acolhimento

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela Décima Quinta Câmara de Direito Público, nos autos de Apelação Cível em que figuram como partes  Pousada do Capitão Hotel LTDA e Prefeitura Municipal da Estância Balneária de Ilhabela.

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), eis que se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, da Lei nº 757/98, do Município de Ilhabela.

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).

Este é o resumo do que consta dos autos.

O incidente de inconstitucionalidade deve ser conhecido e merece acolhimento.

Depreende-se dos autos que Pousada do Capitão Hotel LTDA e Maria Inez Ferreira – Ilhabela M.E. propuseram ação declaratória de inexistência de relação jurídica, cumulada com nulidade de lançamento de multas e indenização por perdas e danos em face da Prefeitura Municipal da Estância Balneária de Ilhabela, sob a justificativa de que a cobrança das diferenças de alíquotas do ISS incidentes sobre a atividade de hospedagem nos exercícios de 1999 e 2000 não encontra respaldo legal.

Já no primeiro grau, o juízo monocrático reconheceu vício insanável na Lei n. 757/98, uma vez que não percorreu os trâmites legais para sua formação. Insta transcrever os fundamentos de referido julgado:

“É que, datada de 22 de dezembro de 1998 e publicada na mesma data no órgão oficial da Estância Balneária de Ilhabela, a Lei Municipal n. 757/98 instituiu o Novo Código Tributário do Município.

O projeto de lei do novo código, após percorrer o processo legislativo, foi declarado aprovado em segundo turno na sessão ordinária de 10 de dezembro de 1998. Isso feito, no dia 23 de dezembro de 1998 o autógrafo foi encaminhado ao Chefe do Executivo e nesse dia foi sancionado, convertendo-se na Lei 757/98.

Vale dizer que, nessa cronologia, a sanção ocorreu após a publicação da “lei” no órgão oficial. A ausência de inversão desses atos do processo legislativo contamina de nulidade formal a norma dele resultante”(fls. 121).

Nos mesmos termos, a Décima Quinta Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça reconheceu a existência de vício no processo legislativo que levou à edição do Código Tributário do Município de Ilhabela, na medida em que houve inversão na sua ordem, com a publicação anterior à sanção e promulgação (fls.162/167).

Extrai-se da documentação acostada aos autos que o vício só foi corrigido em 20 de novembro de 2000. Logo, até essa data não poderia haver a incidência do Código Tributário Nacional, sobretudo por ofensa ao princípio da transparência administrativa.

Registre-se que a transparência administrativa não pode ser reduzida ou mesmo equiparada à mera publicidade dos atos, na medida em que tem conotação muito mais abrangente do que a mera publicidade dos atos. De fato, a publicidade é um subprincípio da transparência administrativa. Veja-se o que ensina autorizada doutrina:

“Quando nos debruçamos sobre o princípio da transparência administrativa, a idéia liminar que vem à tona é a publicidade dos atos da Administração Pública. No entanto, numa análise mais detida do princípio da transparência administrativa, importa o questionamento de sua estrutura e de seu conteúdo, operação que não permite sua redução à divulgação dos atos administrativos. Com efeito, a compreensão da transparência administrativa na contemporânea concepção de Administração Pública tem por fundamento a visibilidade do exercício do poder, exigência da legitimidade formal-material da atividade administrativa no quadro do Estado Democrático de Direito”(MARTINS JÚNIOR, Walllace Paiva. Transparência administrativa. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 1).

O art. 37, caput, da CF de 1988, dispõe que a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Nos mesmos moldes, veja-se o art. 150, I, também da Carta Magna, quando afirma que “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I- exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.

O princípio da publicidade, como se vê, está entre os cinco princípios expressamente previstos na CF de 1988, dado que constitui um dos fundamentos da ação administrativa, verdadeiro sustentáculo da atividade pública (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.88).

Pode-se dizer que existe direito subjetivo público de acesso à informação pública, mormente na seara tributária. Paulo Bonavides enumera como direitos da quarta geração o direito à democracia, à informação e ao pluralismo, todos eles centrados no objetivo precípuo de tornar legítima e possível a globalização dos direitos fundamentais, universalizando-os. Com isso, garantir-se-ia o futuro da cidadania (BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 564).

Tanto é assim que a Lei de Introdução ao Código Civil prevê que a vigência da lei só começa após o período de vacância, cujo transcurso só se verifica a partir da respectiva publicação; estabelecendo ainda que nova publicação, para fins de correção do texto, provoca nova vacatio legis (art. 1º, § 3º do Decreto-lei nº 4.657/42).

Nesse sentido Manoel Gonçalves Ferreira Filho pontua que “a publicação é condição da eficácia do ato normativo. (...) Verificada essa condição fixa-se o termo em que se há de tornar efetiva a eficácia do ato normativo, conforme decorre do art. 1º da Lei de Introdução” (Do processo legislativo, 5. Ed., São Paulo, Saraiva, 2002, p. 251).

De igual teor a ponderação de José Afonso da Silva, ao afirmar que “a publicação não é senão uma condição para a entrega da lei em vigência e para que se torne eficaz. (...) Sem um mínimo de eficácia, a lei não passará de mera construção teórica” (Processo constitucional de formação das leis, 2. Ed., São Paulo, Malheiros, 2006, p. 250/259).

Por qualquer ângulo que se observe, a conclusão é de que a publicidade permeia toda a atividade estatal. Percebeu-o com sensibilidade o Ilustre Desembargador Relator, Dr. Eulálio Porto, ao afirmar que “a não publicação do texto legal após sua sanção e promulgação configura violação ao princípio da publicidade a que submetem-se todos os atos administrativos, consoante comando insculpido no art. 37 da Constituição Federal”(fls. 166).

Diante do exposto, à luz do princípio da publicidade, o parecer é pela declaração da inconstitucionalidade da incidência da Lei nº 757/98, do Município de Ilhabela, antes de 20 de novembro de 2000, data em que foi saneado o vício do trâmite legislativo.

São Paulo, 11 de fevereiro de 2010.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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