Parecer em incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 994.08.217573-0

Suscitante: 12ª. Câmara de Direito Público

Objeto: Arts. 19 e 21 Lei Municipal n. 11.154/91, com a redação da Lei Municipal nº 14.256/2006

 

Ementa: Arts. 19 e 21 da Lei Municipal nº 11.154/91, com redação dada pela Lei Municipal nº 14.256/2006.   Imposição de multa aos notários que não exigirem certidões de regularidade do IPTU.   Competência da União para legislar sobre registros públicos (art. 22, inc. XXV, CF.) e transmissão de bem imóvel - Direito Civil (art. 22, inc.I, CF).   Criação de obrigação acessória a não contribuinte do imposto.   Inconstitucionalidade constatada.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de Acórdão proferido pela Colenda Décima Segunda Câmara de Direito Público do Egrégio Tribunal de Justiça, no julgamento da Apelação Cível n. 748.280-5/0-00, que determinou a remessa dos autos, para distribuição, ao Excelso Órgão Especial.

Ocorre que o Acórdão vislumbrou a inconstitucionalidade dos arts. 19 e 21 Lei Municipal n. 11.154/91, com a redação da Lei Municipal nº 14.256/2006.

         Por força de ser considerada prejudicial à questão da eventual inconstitucionalidade, bem como por força do princípio da reserva de plenário esculpido no art. 97 da Lei Maior, suscitou-se o incidente de inconstitucionalidade previsto nos arts. 480/482 do CPC.

É o breve relatório.

Com a advertência de que o parecer se restringe à questão prejudicial, tem-se que são inconstitucionais os questionados artigos da Lei 11.154/91.

              Vejamos:

              Assim dispõem os dispositivos impugnados:

         “Artigo 19 - Para lavratura, registro, inscrição, averbação e demais atos relacionados à transmissão de imóveis ou de direitos a eles relativos, ficam obrigados os notários, oficiais de Registro de Imóveis ou seus prepostos a:

I- verificar a existência da prova do recolhimento do Imposto ou do reconhecimento administrativo da não-incidência, da imunidade ou da concessão de isenção;

II- verificar, por meio de certidão emitida pela Administração Tributária, a inexistência de débitos de IPTU referentes ao imóvel transacionado até a data da operação.

(...)

         Art. 21 - Os notários, oficiais de Registro de Imóveis ou seus prepostos que infringirem o disposto nos artigos 19 e 20 desta Lei ficam sujeitos à multa:

I - R$200,00 (duzentos reais), por item descumprido, pela infração ao disposto no parágrafo único do art. 11 desta lei;

II - R$5.000,00 (cinco mil reais), por item descumprido, pela infração ao disposto nos arts. 19 e 20 desta lei.

Parágrafo único - As importâncias fixas previstas neste artigo serão atualizadas na forma do disposto no art. 2º e parágrafo único da Lei nº 13.105, de 29 de dezembro de 2000."

Pois bem.   Ao transgredir a competência legislativa da União, ao legislar sobre registros públicos e a transmissão de propriedade de bem imóvel (Direito Civil), o art. 19 da Lei Orgânica n. 11.154/91, de fato, se viu maculado pela inconstitucionalidade.

Da mesma forma se ressente de inconstitucionalidade o art. 21 da mesma Lei, na medida em que malfere os arts. 69, II, b e 77 da Constituição do Estado de São Paulo, que confere ao Poder Judiciário, por meio da Corregedoria Geral de Justiça, o poder de aplicar penalidades administrativas aos Tabeliães e Oficiais de Cartórios de Registro Civil ou de Imóveis.

Outrossim, os notários, por não serem sujeitos passivos do IPTU de imóveis pertencentes e negociados por terceiros, não podem sujeitar-se à obrigação fiscal quer de ordem principal, quer secundária, não lhes cabendo, também, a posição de cobradores de tal imposto, ou fiscais de seu recolhimento.   A Fazenda Pública deve valer-se dos procedimentos próprios a tal desiderato.

Veja-se que o V. Acórdão bem resolve a questão que gira em torno da constitucionalidade dos dispositivos invocados, nos termos seguintes:

"A certidão de regularidade do IPTU não pode ser exigida por ocasião de trespasse imobiliário, posto que não materializa 'fato gerador' do tributo municipal, sendo indevida a exigência feita pela Lei Municipal.   Seria absolutamente inviável, por exemplo, que a Receita Federal submetesse a mesma operação de compra e venda de imóveis, à comprovação do imposto de renda, para ter controle sobre a origem dos recursos, alteração patrimonial e para futura análise da ocorrência de lucro imobiliário.   A existência de interesse FISCAL não representa sempre 'interesse público'.

Assim, não se admite qualquer forma de vinculação não necessária.   O fisco municipal deve se utilizar dos mecanismos ordinários para promover a cobrança forçada de seus tributos, sem estorvar negócios jurídicos e imobiliários pautados pelo ideal de liberdade.   A Lei nº 7.433/85, que trazia exigência neste sentido, não foi recepcionada pela nova ordem introduzida em 1988.

Assinale-se, ademais, que os notários não são contribuintes do IPTU dos imóveis transacionados por terceiros, bem como, não podem ser enquadrados como responsáveis em tal relação tributária, pois o art. 134, VI, do CTN, atinge apenas os 'tributos devidos sobre os atos praticados'.

Existe uma lógica que impregna o texto constitucional e o Código Tributário Nacional, que limita as exigências de vinculação ao mínimo indispensável, representado pelos tributos que se formam ou são gerados com a transferência imobiliária.

Não sendo contribuinte ou responsável, os notários não podem experimentar qualquer reprimenda fiscal, seja de obrigação principal ou acessória, o que revela a fragilidade da norma municipal.

Acrescente-se, por fim, que ao impedir ou proibir um 'ato de registro', a Lei nº 11.154/91 ganha sentido registral, e como tal inconstitucional, pois o art. 22, XXV, inadmite lei regional ou local sobre o tema, reservando a matéria para a competência Federal.

É de se ressaltar que a própria Lei de Registros Públicos, em seu art. 289, exige ao notário e registrador, rigorosa fiscalização do 'pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício', reforçando que apenas os impostos gerados com a operação é que podem ser exigidos (mesmo assim, quando tal exigência não venha a vulnerar ou obstar o direito de defesa do contribuinte, que não pode ficar privado do contencioso administrativo junto ao Conselho de Contribuintes, TIT ou órgão municipal).

Portanto, identifica-se nos arts. 19 e 21 da Lei nº 11.154/91, na redação dada pela Lei nº 14.256/2006, desvio de inconstitucionalidade que, nos termos da Súmula Vinculante nº 10, e do art. 97 da Carta Maior, deverá ser pronunciado pelo E. Órgão Especial."

Conquanto sejam os argumentos retro desenvolvidos suficientes para o reconhecimento da inconstitucionalidade que vicia os dispositivos legais apontados, há mais.

O projeto de Lei que culminou com a edição da Lei n. 14.256/2006, que alterou a redação dos arts. 19 e 21 da Lei n. 11.154/91 é de iniciativa do Poder Executivo.

Ocorre que é pacífico o entendimento no E. Supremo Tribunal Federal de que a iniciativa de leis que disponham sobre serventias judiciais e extrajudiciais são de iniciativa privativa dos Tribunais de Justiça, a teor do que dispõem as alíneas "b" e "d" do inciso II do art. 96 da Constituição da República, o que fulmina, por completo, a Lei n. 14.256/2006, que, por sua vez, alterou os arts. 19 e 21 da Lei n. 11.154/91, por inconstitucionalidade formal.

Neste sentido colaciona-se:

ADI 3773 / SP - SÃO PAULO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a):  Min. MENEZES DIREITO
Julgamento:  04/03/2009           Órgão Julgador:  Tribunal Pleno

Publicação

DJe-167  DIVULG 03-09-2009  PUBLIC 04-09-2009

EMENT VOL-02372-01  PP-00132

Parte(s)

REQTE.(S): PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

REQDO.(A/S): GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO

REQDO.(A/S): ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO

INTDO.(A/S): ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO BRASIL -

   ANOREG-BR

ADV.(A/S): RENAN LOTUFO

Ementa

EMENTA Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Estadual (SP) nº 12.227/06. Inconstitucionalidade formal. Vício de iniciativa. Art. 96, II, "b" e "d", da Constituição Federal. 1. A declaração de inconstitucionalidade proferida por Tribunal estadual não acarreta perda de objeto da ação ajuizada na Suprema Corte, pendente ainda recurso extraordinário. 2. Vencido o Ministro Relator, que extinguia o processo sem julgamento do mérito, a maioria dos Julgadores rejeitou a preliminar de falta de interesse de agir por ausência de impugnação do art. 24, § 2º, item 6, da Constituição do Estado de São Paulo, com entendimento de que este dispositivo não serve de fundamento de validade à lei estadual impugnada. 3.
É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que as leis que disponham sobre serventias judiciais e extrajudiciais são de iniciativa privativa dos Tribunais de Justiça, a teor do que dispõem as alíneas "b" e "d" do inciso II do art. 96 da Constituição da República. Precedentes: ADI nº 1.935/RO, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 4/10/02; ADI nº 865/MA-MC, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 8/4/94. 4. Inconstitucionalidade formal da Lei Estadual (SP) nº 12.227/06, porque resultante de processo legislativo deflagrado pelo Governador do Estado. 5. Ação direta que se julga procedente, com efeitos ex tunc.

Por tudo quanto exposto, o parecer é pela declaração de inconstitucionalidade dos arts. 19 e 21 da Lei nº 11. 154/91, com a redação dada pela Lei nº 14.256/2006, do Município de São Paulo.

São Paulo, 9 de fevereiro de 2010.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

        - Assuntos Jurídicos -

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