Incidente de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº.  994.09.223039-4 (185.631-0/0-00)

Suscitante: Décima Segunda Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça   

Objeto: Art. 2º, da Lei Santista n. 1.780, de 01 de julho de 1999, no ponto que inseriu a alínea “f” ao art. 5º , da Lei Santista n. 2.232, de 02 de janeiro de 1960.

 

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade do art. 7º, alínea “c”, do Decreto Municipal n. 1.932/60 e art. 2º, da Lei Santista n. 1.780, de 01 de julho de 1999, no ponto que inseriu a alínea “f” ao art. 5º, da Lei Santista n. 2.232, de 02 de janeiro de 1960. Impossibilidade de exigência de contribuição previdenciária de servidor inativo, no período que medeia as Emendas Constitucionais nºs. 20 e 41, ante a expressa vedação constitucional. No que diz respeito à contribuição quanto à assistência médica hospitalar,  violação do art. 5º, XX, art. 149,§1º e 195, §4º, todos da Constituição Federal. Parecer pelo reconhecimento parcial da inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

  (...), funcionário público municipal aposentado, interpôs Ação Ordinária, com pedido de Tutela Antecipada, em face da CAIXA DE PECÚLIOS E PENSÕES DOS SERVIDORES MUNICIPAIS DE SANTOS-CAPE, objetivando, em síntese, o direito de suspender os descontos de 3% (três por cento), a título de custeio de assistência médica, instituído pela Lei n. 1.780, de 1º de julho de 1999, do Município de Santos, de 7% (sete por cento), a título de contribuição previdenciária, instituída pela Lei Santista n. 2. 232, de 02 de janeiro de  1960, incidentes sobre os seus proventos, com a devolução de todos os valores indevidamente descontados.

A ação foi julgada procedente pela r. Sentença de fls. 65/71, sendo determinado a Caixa de Pecúlios e Pensões dos Servidores Municipais de Santos – CAPE, a suspensão dos descontos  mensais referentes a contribuição social e assistência médica, julgadas indevidas, sem prejuízo do gozo da assistência médica disponibilizada pela ré, bem como,  à devolução de todos os valores descontados a esses títulos, observada a prescrição qüinqüenal atualizados, desde os indevidos descontos, e acrescidos de juros simples de mora, à taxa anual de 12%, contados do trânsito em julgado (CTN, art. 167, par. único).

 A Caixa de Pecúlios e Pensões dos Servidores Municipais de Santos e a Prefeitura Municipal de Santos interpuseram recurso de apelação, pleiteando a reforma da r. sentença recorrida, para que a presente ação seja julgada  improcedente, fls. 74/77 e 80/87.

 As contra-razões foram apresentadas às fls. 109/112, tendo o requerente recorrido adesivamente da r. sentença, fls. 113/114.

A Caixa de Pecúlios e Pensões dos Servidores Municipais de Santos e a Prefeitura Municipal de Santos, igualmente, apresentaram contra-razões contra o recurso adesivo apresentado pelo autor, fls. 117/118 e 120/121.

Pelo v. Acórdão de fls. 140/145, a Décima Segunda Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça, determinou a remessa dos autos a este Colendo Colegiado em decorrência do disposto nos arts. 480 e 481, do Código de Processo Civil; art. 97 da Constituição Federal e Súmula Vinculante n. 10 do E. Supremo Tribunal Federal.

Eis, em breve síntese, o relatório.

Da admissibilidade do incidente de inconstitucionalidade.

A questão de direito deve ser solucionada para que seja possível concluir-se o julgamento da apelação interposta pela Caixa de Pecúlios e Pensões dos Servidores Municipais de Santos- CAPEP.

Como anota José Carlos Barbosa Moreira, comentando o parágrafo único do art. 481 do CPC, “são duas as hipóteses em que se deixa de submeter a argüição ao plenário ou ao órgão especial: (a) já existe, sobre a questão, pronunciamento de um desses órgãos do tribunal em que corre o processo; (b) já existe, sobre a questão, pronunciamento do plenário do STF. A redação alternativa indica que é pressuposto bastante da incidência do parágrafo a ocorrência de uma delas” (Comentários ao CPC, vol.V, 13ªed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p.44).

No caso em exame, salvo eventual equívoco, a quaestio iuris – que se restringe à verificação da constitucionalidade do art. 2º da Lei Santista n. 1.780, de 01 de julho de 1999, no ponto que inseriu a alínea “f” ao art. 5º, da Lei Santista n. 2.232, de 02 de janeiro de 1960, – não foi examinada pelo Plenário ou Órgão Especial.

De outro lado, e, de acordo com pesquisa informatizada, não há notícia de que a validade dessa norma foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal ou analisada por esse Sodalício sob a perspectiva aqui abordada.      

Assim, considerando que (a) a solução da quaestio iuris é imprescindível para o julgamento do recurso de apelação, e (b) ainda não houve declaração de inconstitucionalidade a seu respeito pelo E. STF ou por esse E. Tribunal de Justiça, é de ser admitido o processamento do presente incidente de inconstitucionalidade.

Fundamentação.

Depreende-se dos autos que a Caixa de Pecúlios e Pensões dos Servidores Municipais de Santos é pessoa jurídica de direito público interno, de natureza autárquica, criada pela Lei n. 2.232/60 e regulamentada pelo Decreto Municipal n. 1.932/60.

Os descontos combatidos pelo autor são oriundos do art. 7º, alínea “c”, do Decreto Municipal n. 1.932/60 e art. 2º, da Lei Santista n. 1.780, de 01 de julho de 1999, no ponto que inseriu a alínea “f” ao art. 5º, da Lei Santista n. 2.232, de 02 de janeiro de 1960.

Nosso posicionamento é pela impossibilidade da cobrança da contribuição, no período que medeia as Emendas Constitucionais nºs. 20 e 41, justamente por haver expressa vedação constitucional, sendo inconstitucionais as leis autorizadoras, na época em que vigoraram no período que medeia as duas Emendas Constitucionais. Com efeito, com a promulgação da EC n.º 20, de 15/12/1998, o art. 195, inciso II, passou a dispor que:

 “Art. 195 - A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - ...........

II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201.”

 

A EC n.º 20/98 também alterou substancialmente a redação do art. 40 da Constituição da República (“Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.”), ao qual foi acrescido o § 12, ‘verbis’:

“Além do disposto neste artigo, o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social.”

                                                                                                                          

Ao apreciar o pedido de Medida Cautelar na ADIn n.º                      2.010-2/DF, proposta pelo Conselho Federal da OAB, o Supremo Tribunal Federal ementou que: “O regime de previdência de caráter contributivo, a que se refere o art. 40, caput, da Constituição, na redação dada pela EC n.º 20/98, foi instituído, unicamente, em relação ‘Aos servidores titulares de cargos efetivos...’, inexistindo, desse modo, qualquer possibilidade jurídico-constitucional de se atribuir, a inativos e a pensionistas da União, a condição de contribuintes da exação prevista na Lei n.º 9.783/99. Interpretação do art. 40, §§ 8.º e 12, c/c o art. 195, II, da Constituição, todos com a redação que lhes deu a EC n.º 20/98.”

Naquela assentada, o Min. CELSO DE MELLO fez constar no seu Voto condutor que: “... a instituição da contribuição pertinente à seguridade social, referentemente aos servidores inativos e aos pensionistas, ofende, de um lado, a cláusula constitucional da não-incidência (CF., art. 40, § 12, c/c o art. 195, II, na redação dada pela EC n.º 20/98) e transgride, de outro, o princípio constitucional do equilíbrio atuarial (CF., art. 195, § 5.º), evidenciando que essa exação, quanto a aposentados e a pensionistas, apresenta-se destituída da necessária causa suficiente, consoante observa, com inquestionável procedência, a ilustre Professora MISABEL DERZI (‘Da Instituição de Contribuição Sobre os Proventos dos Servidores Inativos’, in ‘Enfoque Jurídico’, n.2, p. 13 - Suplemento)”

Na linha desse precedente, somos forçados a concluir que as leis complementares municipais – nos pontos em que supostamente autorizam a cobrança e fixam como contribuintes obrigatórios os inativos e pensionistas -- não foi recepcionado pela EC n.º 20/98, o que – pedimos licença para ingressar no mérito da questão -- desautorizaria a cobrança de contribuição previdenciária do Autor desta ação no período compreendido entre a promulgação da EC n.º 20 (15/12/98) e a promulgação da EC n.º 41/03 (19/12/2003), que permitiu a cobrança de contribuição previdenciária dos inativos e pensionistas. Inclusive, apreciando caso idêntico, o Supremo Tribunal Federal entendeu legítima a cobrança de contribuição previdenciária de inativos no período anterior à promulgação da EC n.º 20/98 e determinou a restituição dos valores pagos pelos inativos e pensionistas somente com relação ao período posterior à referida emenda (REAgRg 367.094-RS, Rel. Min. SEPULVEDA PERTENCE).

Assim sendo, devem ser devolvidos os valores indevidamente cobrados a título de contribuição previdenciária do servidor inativo, no período que medeia as Emendas Constitucionais ns. 20 e 41, ante a expressa vedação constitucional.

Por outro lado, a letra “f” do art. 2º, da Lei n. 1.780, de 01 de julho de 1999, prevê a contribuição mensal dos mutuários e pensionistas à base de 3% (três por cento) sobre a remuneração, proventos ou pensão, para custeio exclusivo e obrigatório da assistência médica e hospitalar e do auxílio natalidade previstos nas alíneas “b” e “d”, art. 2º desta lei.

Como se demonstrará a seguir, realmente a contribuição previdenciária de 3% (três por cento), instituída pelo art. 2º, da Lei Santista n. 1.780, de 1º de julho de 1999, no ponto que inseriu a alínea “f” ao art. 5º, da Lei Santista n. 2.232, de 02 de janeiro de 1960 é inconstitucional.

Em primeiro lugar, insta observar  que de acordo com o inciso XX do art. 5º da Constituição Federal, ninguém é obrigado a se associar ou permanecer associado.

Daí porque, nem os servidores públicos ativos, inativos  e pensionistas, não podem ser compelidos a associarem-se à Caixa de Pecúlios e Pensões dos servidores Municipais de Santos -CAPEP, responsável pela assistência médica-hospitalar, se assim não desejarem, em pese o dispositivo impugnado, considerá-los contribuintes obrigatórios.

Acrescente-se, ainda, que o dispositivo legal impugnado, viola o parágrafo 1º do art. 149, da Constituição Federal, que admite a instituição de contribuição, cobrada de seus servidores, apenas para o custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social  mas, não de assistência à saúde.

Prevê, ainda, o art. 195, II, com a redação dada pela Emenda Constitucional n. 20, de 15.12.98, que “o regime de previdência dos servidores públicos titulares de cargo efetivo observará, no que couber, os requisitos e critérios fixados para o regime geral de previdência social”.

Neste sentido, dos três elementos integrantes da seguridade Social (previdência, assistência social e saúde, apenas os dois primeiros (previdência e assistência social) podem ser organizados por qualquer dos entes federados, ao passo que saúde encontra forma de prestação própria, unificada, universal, genérica para todos, nos termos do art. 198, da Constituição Federal, mais conhecido como Sistema Único de Saúde.  

 

Por essas razões, o parecer é pela inconstitucionalidade  do art. 2º, da Lei Santista n. 1.780, de 1º de julho de 1999, no ponto que inseriu a Alínea “f” ao art. 5º , da Lei Santista n. 2.232, de 02 de janeiro de 1960 e pela inconstitucionalidade parcial, do art. 7º, alínea “c”,  do Decreto Municipal n. 1932/60, determinando-se a devolução dos valores indevidamente cobrados a título de contribuição previdenciária da servidora inativa, no período que medeia as Emendas Constitucionais nºs. 20 e 41, ante a expressa vedação constitucional.

 

                            São Paulo, 16 de março de 2010.

 

 

Maurício Augusto Gomes

Subprocurador-Geral de Justiça

- Assuntos Jurídicos -

vlcb