Parecer
Autos nº. 994.09.225436-8
(183.793-0/4-00)
Suscitante: 15ª Câmara de Direito Público
Objeto: Lei nº 10.736/2000, do Município de Campinas
Ementa: Incidente de inconstitucionalidade da Lei nº 10.736/2000, do Município de Campinas, suscitado pela 15ª. Câmara de Direito Público. Progressividade do IPTU. Norma posterior à EC 29/00. Previsão constitucional. Parecer pela constitucionalidade da norma.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 15ª Câmara de Direito Público, nos autos de Apelação Cível em que figuram como partes PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPINAS e (...).
ObjAetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), eis que se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade, da Lei nº10.736/2000, do Município de Campinas, que dispõe sobre descontos escalonados por faixa de IPTU (progressividade às avessas).
Esta é a síntese dos autos.
É incontroversa a instituição da progressividade do IPTU
(mesmo que "às avessas", constituído por descontos escalonados).
Não se aplica ao caso a Súmula Vinculante nº 10, do STF, porque a Corte Constitucional já se pronunciou sobre a matéria, dizendo que é inconstitucional toda lei municipal que tenha estabelecido, antes da EC 29/00, a progressividade do IPTU sem consideração à função social da propriedade. E a Lei em questão foi editada após a referida Emenda Constitucional.
A progressividade autorizada pelo primitivo § 1º do art. 156 da CF (“§ 1º - O imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade”) era a extrafiscal, com vista exclusivamente à consecução dos objetivos traçados pelo art. 182, § 2º, da Carta Republicana.
Nesse sentido, consolidou-se a jurisprudência do STF:
"No sistema tributário nacional é o IPTU inequivocamente um imposto real. Sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu artigo 145, § 1º, porque esse imposto tem caráter real que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o artigo 156, § 1º (específico). A interpretação sistemática da Constituição conduz inequivocamente à conclusão de que o IPTU com finalidade extrafiscal a que alude o inciso II do § 4º do artigo 182 é a explicitação especificada, inclusive com limitação temporal, do IPTU com finalidade extrafiscal aludido no artigo 156, I, § 1º. Portanto, é inconstitucional qualquer progressividade, em se tratando de IPTU, que não atenda exclusivamente ao disposto no artigo 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§ 2º e 4º do artigo 182, ambos da Constituição Federal." (RE 153.771, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 05/09/97).
Essa realidade perdurou até o dia 13 de setembro de 2000, quando foi promulgada a Emenda Constitucional nº 29. Por ela se alterou o § 1º do art. 156, da Constituição Federal, que passou a vigorar com a seguinte redação:
Art.156 ...
§ 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: (NR)
I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e (AC)
II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel. (AC)
A partir daí, passou-se a entender que:
“o IPTU progressivo pode ser instituído tanto com fundamento no inciso II do § 4º do artigo 182 da Constituição Federal, para, atendendo a um preceito de política urbana, induzir o proprietário a fazer com que seu imóvel cumpra a função social, de acordo com o determinado no inciso XXIII do artigo 5º da Lei Magna, como também com supedâneo no artigo 156, § 1º, I e II, da Constituição da República.
Antes da edição da mencionada Emenda, sim, era vedado à lei municipal estabelecer alíquotas progressivas para o IPTU, ‘salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana’, como de unânime e repetido entendimento do Supremo Tribunal, que até o fez constar da Súmula nº 668.
Colhe-se da Emenda Constitucional nº 29, de 13/09/2000, que constituinte derivado tornou possível a progressividade fiscal no que concerne ao IPTU em razão do valor do imóvel. O que era inconstitucional, de acordo com a jurisprudência, transformou-se em constitucional” (INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE nº 149.510-0/5, j. 14.11.2007, rel. ALMEIDA GUILHERME, v.u., g.f.).
Ademais, o Colendo Supremo
Tribunal Federal tem admitido a progressividade do IPTU, desde o advento da
Emenda Constitucional n.º 29/00:
RE 438794 - RS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO - Relator Min. - CELSO DE MELLO
“DECISÃO: A jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, em contexto normativo que precedeu a promulgação da EC nº 29/2000, e tendo
presente a controvérsia pertinente à progressividade
das alíquotas em tema de IPTU, firmou orientação que restou consubstanciada
na Súmula 668 desta Corte, que
possui o seguinte enunciado: "É inconstitucional a lei municipal que
tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas
progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana."
(grifei) Vê-se, portanto, que a progressividade
constitucionalmente possível, em tema de IPTU, é apenas aquela que se reveste
de caráter extrafiscal, achando-se vinculada, por isso mesmo, à concretização
da função social da propriedade (RTJ 167/661, Rel. Min. CELSO DE MELLO - RTJ
169/362, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, v.g.). Cabe referir que esse entendimento
jurisprudencial encontra apoio em autorizado magistério doutrinário (RICARDO
LOBO TORRES, "Curso de Direito Financeiro e Tributário", p. 328, 2ª
ed., 1995, Renovar; MARCO AURÉLIO GRECO, "Os Tributos Municipais",
"in" "A Constituição Brasileira de 1988 - Interpretações",
p. 332/337, 1988, Forense Universitária; BERNARDO RIBEIRO DE MORAES, "O
IPTU e as Limitações do Legislador Municipal", Repertório IOB de
Jurisprudência nº 4/56-62, 1990; CELSO RIBEIRO BASTOS, "Curso de Direito
Financeiro e de Direito Tributário", p. 269/270, 1991, Saraiva; IVES
GANDRA DA SILVA MARTINS, "Comentários à Constituição do Brasil", vol.
6º, tomo I/548-552, 1990, Saraiva; AIRES FERNANDINO BARRETO, "Imposto
Predial e Territorial Urbano - IPTU", "in" "Curso de
Direito Tributário", vol. 2/299-303, 4ª ed., 1995, Cejup, v.g.). Cumpre
acentuar, de outro lado, que o Supremo Tribunal Federal, depois de sumular o
seu entendimento jurisprudencial pertinente à progressividade
das alíquotas (Súmula 668/STF), veio a examinar questão diversa, relativa ao
tema da diferenciação de alíquotas, reconhecendo, então, a plena
legitimidade constitucional da instituição, pelo Município, da
"duplicidade de alíquotas", desde que essa previsão seja estabelecida
em função da destinação do imóvel - se residencial ou não (AI 472.280/RJ, Rel.
Min. EROS GRAU - AI 478.384/RJ, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE) - ou, ainda, em
razão de tratar-se de imóvel edificado, ou não, conforme ressaltou, quanto a
tal hipótese, a colenda Primeira Turma desta Suprema Corte: "TRIBUTÁRIO.
IPTU. MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO. LEI Nº 5.447/93, ART. 25, REDAÇÃO DA
LEI Nº 5.722/94. ALEGADA OFENSA AO ART. 156 DA CONSTITUIÇÃO. Simples
duplicidade de alíquotas, em razão de encontrar-se, ou não, edificado o imóvel
urbano, que não se confunde com a progressividade
do tributo, que o STF tem por inconstitucional, quando não atendido o disposto
no art. 156, § 1º, aplicado com as limitações expressamente constantes dos §§
2º e 4º do art. 182 da Carta de 1988. Recurso não conhecido." (RE
229.233/SP, Rel. Min. ILMAR GALVÃO - grifei). Impende registrar, por relevante,
que esta Suprema Corte, em recentíssimos julgamentos, reafirmou essa
orientação, admitindo, em conseqüência, a possibilidade constitucional de o
Município instituir, por lei, em sede de IPTU, alíquotas diferenciadas (que não
se confundem com a progressividade
das alíquotas), definidas em razão da natureza ou destinação do imóvel urbano
(AI 497.479-AgR/RJ, Rel. Min. CEZAR PELUSO - RE 450.492-AgR/RJ, Rel. Min. CEZAR
PELUSO, v.g.). O acórdão impugnado nesta sede recursal extraordinária ajusta-se
à orientação que esta Suprema Corte firmou na análise do tema em questão. É que
- insista-se - a mera diferenciação de alíquotas (possível dentro do critério
constitucional referente à função social da propriedade) não se confunde nem se
reduz à noção de progressividade
tributária em tema de IPTU, o que afasta a pertinência da invocação, pelo
contribuinte, dos precedentes jurisprudenciais por ele colacionados. Sendo
assim, e em face das razões expostas, conheço do presente recurso
extraordinário, para negar-lhe provimento. Publique-se. Brasília, 30 de junho
de 2005. Ministro CELSO DE MELLO - Relator.
No caso dos autos, vê-se que a Lei questionada foi editada após a EC 29/00, isto é, a partir de quando a progressividade fiscal tornou-se permitida, pelo que, a questão resolve-se pela sua constitucionalidade, sendo o parecer neste sentido.
São Paulo, 28 de janeiro de 2010.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
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