Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Incidente de Inconstitucionalidade nº 0218394-91.2011.8.26.0000

Suscitante: 8ª Câmara de Direito Público

Apelante: (...)

Apelado: Fazenda do Estado de São Paulo

 

Ementa:

1)      Incidente de inconstitucionalidade. Art. 5º, parágrafo único, da Lei Complementar Estadual nº 909/2001, que determina a concessão do mínimo do “Bônus-Mérito” para os docentes afastados junto ao Programa de Ação e Parceria Educacional Estado-Município (Decreto Estadual nº 40.673/96)

2)      Impossibilidade de reconhecimento de inconstitucionalidade e suprimento de lacuna legislativa daí decorrente, pela atuação direta do Tribunal ao decidir. Hipótese em que o Tribunal atuaria como “legislador positivo”, o que não se mostraria legítimo. Precedentes do Col. STF e do Col. TJSP.

3)      Parecer no sentido da rejeição da arguição.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Desembargador Relator

 

Trata-se de incidente suscitado pela 8º Câmara de Direito Público, quando do julgamento da apelação cível nº 994.06.071817-5, Rel. Des. José Santana, em 29 de junho de 2011, para fins de exame de eventual inconstitucionalidade do art. 5º, parágrafo único, da Lei Complementar Estadual nº 909/2001, que determina o seguinte:

“(...)

Parágrafo único – Aos docentes afastados junto ao Programa de Ação de Parceria Educacional Estado-Município, bem como junto às entidades de classe, será concedido o valor mínimo fixado na escala estabelecida para a concessão do Bônus.

(...) ”.

Como parâmetro de constitucionalidade do dispositivo impugnado foi destacado o art. 124, § 1º da Constituição do Estado, o qual prescreve:

“(...)

§ 1º - A lei assegurará aos servidores da administração direta isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou assemelhados do mesmo Poder, ou entre servidores dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho.”

É o relato do essencial.

Dispõe a Lei Complementar nº 909, de 28 de dezembro de 2001, o seguinte:

“Institui o Bônus Mérito às classes de docentes do Quadro do Magistério e dá outras providências

(...)

Artigo 1.º - Fica instituído, nos termos da presente lei complementar, o Bônus Mérito aos integrantes das classes de docentes, ocupantes de cargo ou função-atividade de Professor Educação Básica I, de Professor Educação Básica II e de Professor II, em exercício nas unidades escolares e órgãos da estrutura básica da Secretaria de Estado da Educação.

Parágrafo único - Vetado.

Artigo 2.º - O Bônus Mérito constitui-se em uma vantagem pecuniária a ser concedida uma única vez, no corrente ano, aos ocupantes dos cargos que esta lei complementar especifica, vinculada diretamente à avaliação do desempenho apresentada pelo profissional, somada à aferição da freqüência, durante o exercício de 2001, na forma a ser regulamentada.

§ 1.º - Vetado.

§ 2.º - Vetado.

Artigo 3.º - A concessão do Bônus de que trata esta lei complementar será devida ao servidor que:

I - estiver em exercício na data-base de 1º de dezembro de 2001, na rede estadual de ensino, em cargos ou funções-atividades do Quadro do Magistério; e

II - contar com no mínimo 200 (duzentos) dias de exercício, consecutivos ou não, em cargo ou função- atividade estadual, especificados no artigo 1º, durante o ano de 2001, em período fixado em regulamento.

Artigo 4.º - O valor do Bônus Mérito assegurado aos integrantes da classe docente que atenderem ao disposto no artigo 3º desta lei complementar será fixado a partir de R$ 1.000,00 (um mil reais), pelo cumprimento da carga horária de 40 (quarenta) horas semanais.

§ 1.º - A retribuição pecuniária a que fará jus o servidor, devida pelo Bônus Mérito, poderá corresponder a valores variáveis superiores ao estipulado no “caput”, fixados proporcionalmente ao número de pontos, aferidos na avaliação do desempenho e da freqüência individual, conforme escala fixada, na forma a ser regulamentada.

§ 2.º - Em qualquer das hipóteses previstas neste artigo, o valor do Bônus Mérito será sempre proporcional à carga horária cumprida pelo docente na data-base, bem como ao total de dias efetivamente cumpridos.

Artigo 5.º - É vedada a concessão do Bônus Mérito ao integrante das classes de docentes que na data-base estiver afastado junto à unidade administrativa não pertencente à estrutura básica da Secretaria de Estado da Educação.

Parágrafo único - Aos docentes afastados junto ao Programa de Ação de Parceria Educacional Estado- Município, bem como junto às entidades de classe, será concedido o valor mínimo fixado na escala estabelecida para a concessão do Bônus.

(...)”

A priori, deve ser afastada a tese da Fazenda do Estado no sentido da inviabilidade do controle concentrado da constitucionalidade do dispositivo legal apontado, uma vez que a lei complementar estadual nº 909/2001 pode ainda ser aplicada às situações fáticas ocorridas no ano de 2001, beneficiando os docentes que preencherem os requisitos legais para a concessão da vantagem pecuniária.

De fato, não havendo revogação da Lei Complementar Estadual nº 909/2001, esta pode ser objeto de controle concentrado de constitucionalidade.

Com efeito, em análise perfunctória, o parágrafo único do art. 5º da Lei Complementar Estadual nº 909/2001 mostra-se inconstitucional, na medida em que não concedeu a vantagem pecuniária denominada “bônus-mérito”, em valor acima do mínimo, a docentes que estavam vinculados à Secretaria de Estado da Educação, porém legalmente cedidos, por convênio, ao Programa de Ação de Parceria Educacional Estado-Município. Vale dizer, os docentes que lecionam na rede municipal de ensino, em razão de convênio entre o Estado e o Município, foram excluídos do recebimento do benefício de “bônus-mérito”, no seu valor integral ou acima do mínimo.

Avive-se que a justificativa da lei complementar estadual nº 909/ 2001, ao instituir o “bônus-mérito” a ser concedido, uma única vez no ano de 2001, aos docentes do Quadro de Magistério, foi estimular o bom desempenho do professor no exercício de suas atribuições, bem como valorizar a sua assiduidade.

Neste cenário, o legislador optou por conferir tratamento desigual aos desiguais, na medida em que os docentes que lecionam na rede municipal de ensino, ainda que cedidos pelo Estado, por conta do Programa referido, estão em situação fática distinta dos docentes que lecionam na rede estadual de ensino. Inocorre, desta maneira, qualquer ofensa ao princípio da isonomia.

Outrossim, como o Poder Judiciário, em sede de controle de constitucionalidade de normas, não pode atuar como legislador positivo, restará inviabilizado o próprio pagamento do valor mínimo do Bônus aos docentes afastados junto ao Programa de Ação de Parceria Educacional Estado-Município, caso o parágrafo único do art. 5º da lei complementar estadual nº 909/2001 seja declarado inconstitucional, até porque estes docentes se amoldariam na situação do caput do art. 5º, estando efetivamente afastados junto à unidade administrativa não pertencente à estrutura básica da Secretaria de Estado de Educação.

Em outras palavras, o reconhecimento da inconstitucionalidade (parágrafo único do art. 5º da lei complementar estadual nº 909/2001) criará um prejuízo ainda maior aos docentes que foram cedidos para o Programa de Ação de Parceria Educacional Estado-Município, os quais passaram a lecionar na rede municipal de ensino, tendo em vista a impossibilidade de suprimento da omissão por outro modo que não a via legislativa.

Anote-se, por oportuno, que no julgamento em 13.04.2011 do Incidente de Inconstitucionalidade 0018627-72.2011.8.26.000, suscitado pela 18ª Câmara de Direito Público, o Col. Órgão Especial, em decisão em que figurou como relator o desembargador Renato Nalini, por votação unânime rejeitou a arguição de inconstitucionalidade, reconhecendo a impossibilidade de atuar o Poder Judiciário como legislador positivo.

No referido precedente ficou consignada no voto do relator, acolhendo a posição desta Procuradoria-Geral de Justiça, a seguinte passagem, aplicável à hipótese em exame mutatis mutandis:

“(...)

Para culminar, o acórdão do STF relatado pelo erudito Ministro Celso de Mello parece perfeitamente adequado à espécie:

‘Os magistrados e Tribunais – que não dispõem de função legislativa – não podem conceder, por isso mesmo, ainda que sob fundamento de isonomia, o benefício da exclusão do crédito tributário em favor daqueles a quem o legislador, com apoio em critérios impessoais, racionais e objetivos, não quis contemplar com a vantagem da isenção. Entendimento diverso, que reconhecesse aos magistrados essa anômala função jurídica, equivaleria, em última análise, a converter o Poder Judiciário em inadmissível legislador positivo, condição institucional esta que lhe recusou a própria Lei Fundamental do Estado. É de acentuar, neste ponto, que, em tema de controle de constitucionalidade de atos estatais, o Poder Judiciário, os magistrados e Tribunais – que não dispõem de função legislativa – não podem conceder, por isso mesmo, ainda que sob fundamento de isonomia, o benefício da exclusão do crédito tributário em favor daqueles a quem o legislador, com apoio em critérios impessoais, racionais e objetivos, não quis contemplar com a vantagem da isenção.

(...)”

Essa é a razão pela qual o Col. STF há muito editou a Súmula 339, com o seguinte teor:

“(...)

Súmula 339: Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia.

(...)”

Os precedentes do Col. STF, no sentido da impossibilidade de declaração de inconstitucionalidade e subsequente suprimento da lacuna normativa, em verdadeira atuação da Corte exercendo o papel de legislador positivo, são inúmeros.

Apenas a título de exemplificação, confira-se: RE 432460 ED-AgR-ED/DF, rel. Min. Cezar Peluso, j. 02/02/2010; AI 360461 AgR/MG, rel. Min. Celso de Mello, j. 06/12/2005; ADI 2554 AgR/DF, rel. Min. Maurício Corrêa, j. 16/05/2002; ADI 1755/DF, rel. Min. Nelson Jobim, j. 15/10/1998.  

Note-se, ainda, que fazê-lo (ou seja, suprir a omissão normativa decorrente do reconhecimento da inconstitucionalidade) significaria, em última análise, contrariar o art. 102, I, a, da CR, que dá ao próprio Col. STF a competência apenas para “anular” a lei inconstitucional, mas não para suprir a omissão normativa.

Em outras palavras, não se mostra possível que Col. Órgão Especial declare a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 5º, da Lei Complementar Estadual nº 909/2001, afastando a regra que concede aos docentes afastados junto ao Programa de Ação de Parceria Educacional Estado-Município o valor mínimo fixado na escala estabelecida para a concessão do bônus, e em seu lugar imponha a concessão do bônus, a estes docentes afastados, nos termos do concedido aos docentes que atuam na rede pública estadual, pois assim agindo estará o Col. Colegiado atuando como legislador positivo.

O exame desse ponto é importante, na medida em que posteriormente à conclusão do julgamento do recurso pelo órgão fracionário do Tribunal (8ª Câmara de Direito Público), será viável analisar a pertinência ou não de interposição de recurso extraordinário, dado o virtual conflito com o disposto no art. 102, I, a, da CR.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da constitucionalidade da norma questionada.

São Paulo, 04 de maio de 2012.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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