Parecer em recurso extraordinário
Incidente de inconstitucionalidade
Autos nº149.684.0/0-01
Recorrente: (...) e outra
Recorrida: Municipalidade de São
Paulo
Ementa: 1)Incidente
de inconstitucionalidade. Recurso extraordinário contra o acórdão do C. Órgão
Especial que julgou o incidente. 2)Não
admissão do recurso. Decisão da “causa” ou “recurso” completa-se com a
conclusão do julgamento pelo órgão colegiado fracionário do Tribunal.
Precedentes. Doutrina. Súmula nº513 do E. STF. 3)Mérito. Reiteração
de posicionamento anterior. Parecer no sentido da constitucionalidade da EC
nº29/00 e da Lei Municipal nº13.250/01, de São Paulo. Precedentes. |
Parecer do Ministério Público
Colendo Supremo Tribunal Federal
Insignes Ministros
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
1)Relatório.
Trata-se de recurso extraordinário
interposto com amparo no art.102 III a da
CR/88, contra o v. acórdão proferido às fls.228/237, posteriormente declarado
às fls.252/259, em sede de incidente de inconstitucionalidade instaurado
no curso de apelação, contra decisão proferida em ação declaratória de
inexigibilidade de tributo.
Os
recorrentes se insurgem contra o v. acórdão proferido pelo C. Órgão Especial do
Tribunal de Justiça de São Paulo, na sessão de julgamento realizada em 23.01.2008,
rel. des. Viana Santos, por ocasião da apreciação de incidente de
inconstitucionalidade. Na oportunidade se afirmou a inexistência de
ilegitimidade constitucional do ato normativo examinado no feito, por votação
unânime.
Em
suas razões, alegam os recorrentes que: (a) a matéria apresenta o requisito da
repercussão geral das questões discutidas; (b) a decisão recorrida contrariou o
art.145 §1º, e art.182 §§2º e 4º da CR/88 (fls.263/277).
É
o relato do essencial
2)Não admissão do recurso – irrecorribilidade da decisão que julga o
incidente de inconstitucionalidade.
Como se sabe, o procedimento relativo
ao incidente de inconstitucionalidade tem por escopo, em última análise, a
observância da denominada “cláusula de reserva de plenário”, prevista no art.97
da CR/88, pela qual “somente pelo voto da
maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial
poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
do Poder Público”.
Essa
regra define a competência funcional e absoluta do Tribunal (Pleno ou Órgão
Especial), bem como o quorum mínimo para a deliberação, quando for o caso de
reconhecimento de incompatibilidade entre determinado ato normativo e o texto
constitucional.
Em
razão disso é que o Código de Processo Civil estabelece o procedimento previsto
nos seus art.480 a 482.
Ocorre
que o procedimento relativo ao incidente de inconstitucionalidade é dividido em
três fases: (a) a primeira, com a manifestação do órgão colegiado fracionário,
determinando a instauração do incidente por vislumbrar a possibilidade de
declaração da insconstitucionalidade do ato normativo; (b) a segunda perante o
Tribunal ou respectivo Órgão Especial, para exame efetivo da questão
constitucional; (c) a terceira, com o retorno dos autos ao órgão fracionário,
para conclusão do julgamento do recurso, com aplicação do direito à espécie.
Isso
é decorre expressamente do CPC, na medida em que: (a) o art.481 caput prevê que se for acolhida, no
órgão fracionário, a alegação de inconstitucionalidade, “será lavrado acórdão, a fim de ser submetida a questão ao tribunal pleno”;
e (b) tratar o art.482 e §§ do procedimento relativo ao julgamento do incidente
no Tribunal Pleno ou Órgão Especial.
Esse
sistema estabelece, nesse caso, o julgamento como um ato complexo, na medida em
que o resultado final será formado pela manifestação de vontade de diferentes
órgãos, todos eles com competência funcional e absoluta: (a) primeiro, a
deliberação do colegiado fracionário, imprescindível à instauração do
incidente; (b) depois, a deliberação do Tribunal, que se limita a examinar a quaestio iuris consubstanciada na
discussão constitucional; (c) por último, o retorno dos autos com o acórdão
relativo ao incidente ao colegiado fracionário, a quem caberá concluir o
julgamento.
A
supressão dessas fases, v.g. com declaração de inconstitucionalidade
diretamente pelo órgão fracionário, ou julgamento do recurso pelo Tribunal
Pleno diretamente, significa violação da regra procedimental, e, mais que isso,
da regra de competência funcional e absoluta relativa ao julgamento complexo
previsto para a hipótese nos art.481 a 482 do CPC.
Esse
é o ensinamento de José Carlos Barbosa Moreira (Comentários ao CPC, vol.V, 12ªed., Rio de Janeiro, Forense, 2005,
p.42), para quem:
“(...) Ocorre uma cisão funcional da competência: ao plenário, ou ao ‘órgão especial’, caberá pronunciar-se sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade, e ao órgão fracionário, depois, decidir a espécie, à luz do que houver assentado quanto à prejudicial. Suspende-se, portanto, o julgamento do recurso ou da causa pelo órgão fracionário, sem prejuízo daquilo que já se tenha decidido independentemente da argüição.”
Entretanto, ressalta o mesmo autor
que:
“Incumbe ao plenário ou ao ‘órgão especial’ pronunciar-se acerca da prejudicial de inconstitucionalidade da lei ou ato do poder público, ou da parte de uma ou de outro, a cujo respeito lhe houver sido submetida a argüição pelo órgão fracionário. O plenário (ou o ‘órgão especial’) não tem competência para manifestar-se sobre o que não haja sido acolhido na argüição (...) Da própria redação do art.481, caput, 2ª parte, claramente ressalta que o acolhimento da argüição pelo órgão fracionário é pressuposto inafastável do conhecimento da questão pelo tribunal.”(obra citada, p.46).
No mesmo sentido Nelson Nery Júnior e
Rosa Maria de Andrade Nery (Código de
Processo Civil comentado, 9ªed., São Paulo, RT, 2006, p.669, nota n.2 ao
art.481 do CPC).
Essa
solução – cisão funcional de competência, para formação de julgamento complexo
– também tem sido reconhecida pelo E. STF. Confira-se, por exemplo, julgados
recentes: AI 591.373-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 18-9-07, DJ
de 11-10-07; AI 577.771-AgR, Rel. Min. Celso De Mello, julgamento em 18-9-07,
DJE de 16-5-08; RE 509.849-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em
4-12-07, DJE de 1º-2-08.
Aliás,
esse raciocínio, realizado de forma completa, reconhecendo a divisão de
competências entre o órgão fracionário do Tribunal e o Pleno ou Órgão Especial,
foi que acabou rendendo ensejo à edição da súmula vinculante nº10 do E. STF.
Assim,
após a conclusão do julgamento do incidente de inconstitucionalidade, o feito
deve ser restituído ao colegiado fracionário, para que prossiga, julgando a causa
ou recurso, aplicando o direito à espécie.
Isso
conduz à inevitável conclusão no sentido de que, como o Órgão Especial não
julga o recurso ou causa, mas apenas o incidente de
inconstitucionalidade, na verdade a decisão só estará completa com a conclusão
do julgamento por parte do colegiado fracionário.
Daí
se extrai a irrecorribilidade da decisão que julga o incidente.
Invocando
ainda uma vez o pensamento de José Carlos Barbosa Moreira (Comentários ao CPC, vol. V, cit., p.48/49), anota referido autor
que:
“À semelhança da decisão que fixa a interpretação a ser observada no incidente de uniformização, também o pronunciamento do tribunal pleno (ou do ‘órgão especial’), declarando ou não a inconstitucionalidade, é irrecorrível, salvo por embargos de declaração. Qualquer outro recurso unicamente poderá caber, satisfeitos os respectivos pressupostos, contra o acórdão do órgão fracionário que decidir a espécie, pois só com esse acórdão se completará o julgamento do recurso ou da causa, cindido com o acolhimento da argüição.”(g.n.)
A propósito, a matéria foi pacificada
pelo E. STF, conforme verbete nº513 da respectiva súmula de jurisprudência
dominante, com a seguinte redação:
“Súmula nº513: A decisão que enseja a interposição de recurso ordinário ou extraordinário, não é a do plenário que resolve o incidente de inconstitucionalidade, mas a do órgão (Câmara, grupos ou turmas) que completa o julgamento do feito”.
Por tais motivos, como a causa ainda
não foi decidida, como exige o art.102 III da CR/88, torna-se incabível o
recurso extraordinário interposto.
3)Mérito.
Caso
seja admitido o recurso, no mérito não comportará provimento.
Cabe-nos,
nesta oportunidade, reiterar nossa manifestação anterior (fls.215/220), no
sentido da improcedência do incidente.
Por
apego à brevidade, pedimos vênia para transcrever parte relevante de nosso
parecer:
“(...)
1. Consoante restou decidido no venerando acórdão de fls. 205/206, a Colenda 15ª Câmara de Direito Público do Egrégio Tribunal de Justiça, suscitou o presente Incidente de Inconstitucionalidade da Lei 13.250, de 27 de dezembro de 2001 do município de São Paulo, que “Altera a Lei 6.989, de 29 de dezembro de 1966, e dá outras providências”.
Em síntese, esse é o relatório.
2. Para os recorridos, autores da demanda veiculada na inicial de fls. 02/17, o imposto exigido pela recorrente é indevido, pois a lei que lhe dá suporte, de número 13.250/01 padece de inconstitucionalidade.
3. Os apelados discordam da própria sistemática criada pela Carta da República que autorizou a instituição da progressividade – art. 156, § 1º, com a redação da Emenda Constitucional 29, de 13 de setembro de 2000. Em conseqüência, discordam da aplicação da legislação local.
4. Inicialmente, cumpre destacar que o objeto do controle deve estar restrito ao texto normativo que permite a progressividade de alíquotas tributárias.
5. O ordenamento jurídico-constitucional passou a prever a possibilidade da progressividade do IPTU. Nesse ponto, a Constituição Federal assim dispõe:
“Art. 156- Compete aos Municípios
instituir impostos sobre:
I-
propriedade predial e territorial urbana;
...
§
1º- Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º,
II, o imposto previsto no inciso I poderá:
I-
ser
progressivo em razão do valor do imóvel; e
II-
ter alíquotas
diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.”
6. Clara a dicção do texto constitucional ao modificar o regime constitucional da progressividade tributária. Essa progressividade não mais se resume à extrafiscal inscrita no art. 182, § 4º, I e II, da CF, mas acabou estendida ao IPTU, como expressamente está contido no art. 156.
7. Sobre o tema, Alexandre de Moraes afirma:
“A redação do art. 156 dada pela Emenda Constitucional nº 29/00 possibilitou nova hipótese de progressividade do IPTU, diversa da hipótese diretamente ligada à função social da propriedade, prevista no art. 182, § 4º, II.
A alteração constitucional afastou a necessidade de pertinência entre a progressividade do IPTU e a função social da propriedade, permitindo ao Imposto Predial e Territorial Urbano ser progressivo em razão do valor do imóvel, ou mesmo, ter alíquotas diversas em razão da localização do imóvel.”[1]
8. Lembra Hugo de Brito Machado que o tema da progressividade levou a adoção de duas correntes, uma mais restritiva e outra ampliativa. Pela primeira, que era seguida pelo Pretório Excelso, apenas a progressividade em razão da função social da propriedade podia ser admitida. A segunda admitia outra espécie de progressividade, além da prevista no art. 182. Segundo o mesmo autor “como riqueza, a propriedade cumpre sua função social na medida em que o seu titular contribui para o custeio das despesas públicas de forma mais equânime. Todos os tributos do sistema devem ser, quanto possível, graduados em função da capacidade econômica do contribuinte, e a progressividade inegavelmente atende melhor a esse preceito constitucional.”[2]
9. Com a superveniência da Emenda Constitucional 29/00 esse panorama sofreu sensível modificação, pois aquilo que era fruto de respeitáveis posicionamentos doutrinários, acabou sendo expresso pelo ordenamento constitucional. Ou seja, a progressividade do IPTU acabou autorizada pelo constituinte.
10. Nesse sentido, foi editada a Súmula 668, do STF, cuja redação é a seguinte:
“É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade.”
11. Não bastasse, em julgamento de Recurso Extraordinário que ainda não se findou, o Pretório Excelso vem reconhecendo a constitucionalidade da EC 29/00 e da Lei 13.250/01 do município de São Paulo, em decisão do relator o Ministro Marco Aurélio, seguida pelos Ministros Carmem Lúcia, Eros Grau, Joaquim Barbosa e Sepúlveda Pertence, que foi assim destacado no Informativo 433:
“O Tribunal iniciou julgamento de recurso extraordinário interposto pelo Município de São Paulo contra acórdão do extinto Primeiro Tribunal de Alçada Civil do referido Estado-membro que, ao prover apelação em mandado de segurança, declarara a inconstitucionalidade da Lei municipal 13.250/2001 – que, dando nova redação à Lei municipal 6.989/66, estabeleceu alíquotas progressivas para o IPTU tendo em conta o valor venal e a destinação do imóvel – ao fundamento de terem sido violados os princípios da isonomia e da capacidade contributiva, e de que a EC 29/2000, ao prever as citadas alíquotas, ofendeu o art. 60, § 4º, IV, da CF. O Min. Marco Aurélio, relator, conheceu do recurso e deu-lhe provimento, para, reconhecendo a constitucionalidade da EC 29/2000 e da Lei municipal 6.989/66, na redação dada pela referida Lei 13.250/2001, restabelecer a sentença que indeferira a segurança. Após mencionar os diversos enfoques dados pela Corte em relação à progressividade do IPTU, concluiu, ante a interpretação sistemática da Constituição Federal, com o cotejo do § 1º do seu art. 156 com o § 1º do seu art. 145, que a EC 29/2000 veio tão-só aclarar o real significado do que disposto anteriormente sobre a graduação dos tributos, não tendo abolido nenhum direito ou garantia individual, visto que a redação original da CF já versava a progressividade dos impostos e a consideração da capacidade econômica do contribuinte. O relator reafirmou sua convicção, exposta em julgamentos anteriores ao advento da EC 29/2000, de que o § 1º do art. 145 possui cunho social da maior valia, tendo como objetivo único, sem limitação do alcance do que nele está contido, o estabelecimento de uma gradação que promova justiça tributária, onerando os que tenham maior capacidade para pagamento do imposto. Asseverou, no ponto, que a capacidade econômica do contribuinte há de ser aferida sob os mais diversos ângulos, inclusive o valor, em si, do imóvel. Ressaltou, também, que a lei impugnada foi editada ante a competência do Município e com base no § 1º do art. 156 da CF, na redação dada pela EC 29/2000, concretizando a previsão constitucional, e que o texto primitivo desse dispositivo não se referia ao valor do imóvel e à localização e ao uso respectivos, mas previa a progressividade como meio de se assegurar o cumprimento da função social da propriedade. Após os votos dos Ministros Carmem Lúcia, Eros Grau, Joaquim Barbosa e Sepúlveda Pertence, que acompanhavam o voto do relator, pediu vista dos autos o Min. Carlos Britto. RE 423768/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 28.6.2006.
12. Em precedente anterior, esta Procuradoria-Geral firmou idêntico entendimento, e acabou por recomendar a rejeição da argüição de inconstitucionalidade da mesma espécie normativa no Incidente número 149.510.0/5-00.[3]
13. Logo, não se vislumbra a alegada inconstitucionalidade do art. 156, § 1º, I e II, da Constituição Federal – aqui adotado como parâmetro, tampouco da Lei 13.250/01, do município de São Paulo.
14. Nestes termos, opino pela improcedência do presente incidente de inconstitucionalidade.”
Esses fundamentos, em nosso sentir,
são suficientes para a manutenção da decisão recorrida.
4)Conclusão.
Diante do exposto, nosso parecer é no
sentido da não admissão do recurso extraordinário.
Caso
seja admitido, deverá ser negado provimento a ele, mantendo-se o v. acórdão
recorrido por seus corretos fundamentos.
São Paulo, 12 de novembro de 2008.
Maurício Augusto Gomes
Procurador de Justiça
no exercício de função delegada
pelo Procurador-Geral de Justiça