Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo nº 0001407-90.2013.8.26.0000

Suscitante: 12ª Câmara de Direito Público

 

 

Ementa: Incidente de inconstitucionalidade em face do inciso I da Portaria nº 04, de 07 de março de 2012, do Juiz Diretor do Fórum da Comarca de Monte Mor, que limita vista dos autos a cinco processos por vez. Ofensa ao livre acesso à jurisdição, ao exercício da advocacia e à amplitude de defesa. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade do referido diploma legal.

 

 

Colendo Órgão Especial,

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente:

 

 

Trata-se de incidente de inconstitucionalidade suscitado pela C. 12ª Câmara de Direito Público, nos autos do Mandado de Segurança nº 0091189-45.2012.8.26.0000, em que figuram como partes (...) (impetrante) e o Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito (...), Diretor do Fórum da Comarca de Monte Mor (impetrado).

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF), porque se cogita do eventual afastamento, por inconstitucionalidade do inciso I da Portaria nº 04, de 07 de março de 2012, do Juiz Diretor do Fórum da Comarca de Monte Mor, que limita vista dos autos a cinco processos por vez.

Não há notícia de pronunciamento do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).

Este é resumo do que consta dos autos.

Com a advertência de que o exame se restringe à questão prejudicial, o parecer é no sentido da inconstitucionalidade do dispositivo legal impugnado, que conta com a seguinte redação:

“O Dr. Gustavo Nardi, MM. Juiz de Direito Diretor do Fórum da Comarca de Monte Mor, usando das atribuições que lhe são conferidas por lei ,

(...)

R E S O L V E:

I – Limitar ao número de cinco (5) a vista dos autos por advogado ou estagiário, por vez.”

A previsão do inciso I da Portaria nº 04, de 07 de março de 2012, do Juiz Diretor do Fórum da Comarca de Monte Mor é, de fato, inconstitucional, porque impede o livre acesso à jurisdição e o exercício da advocacia e, consequentemente, a amplitude de defesa.

Sem embargo às referências contidas no V. Acórdão aos artigos 5º, inc. XXXV e 133, da Constituição Federal e ainda da lembrada violação ao Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94) e do Código de Processo Civil, que não limita o número de processos a serem retirados para vista do advogado, insta que se consigne que a questionada Portaria acaba por criar embaraço a amplitude de defesa tutelada no inciso LV do art. 5° da Constituição Federal.

Lógico é que se o advogado é intimado a se manifestar em número de processos acima de cinco e não obtém vista dos autos, por exceder o número previsto na Portaria impugnada, a defesa fica comprometida. Desta forma, a restrição criada não pode sobreviver sem arranhar a ordem Jurídica tutelada pela Carta Magna, que garante ao cidadão a ampla de defesa.

Ademais, a Súmula Vinculante nº 14 do Supremo Tribunal Federal, ao dispor que: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício direito de defesa”, não pode ser olvidada para o deslinde da questão.

Colhe-se o seguinte da Suprema Corte a respeito do tema:

“Com efeito, e como tenho salientado em muitas decisões proferidas no Supremo Tribunal Federal, o presente caso põe em evidência, uma vez mais, situação impregnada de alto relevo jurídicoconstitucional, que resultam de injustas restrições impostas ao exercício, em plenitude, do direito de defesa e à prática, pelo Advogado, as prerrogativas profissionais que lhe são inerentes (Lei nº 8.906/94, art. 7º, incisos XIII e XIV).” Medida Cautelar em Reclamação 12.810, Bahia BA, Relator Min. Celso de Mello, DJ 28/10/2011

Portanto, quando o Estatuto da Advocacia, ao dispor sobre o acesso do advogado aos procedimentos estatais, assegura-lhe o direito de ter vista dos autos, o faz sem limitação de número de processos a serem analisados, para que não seja admitida a menor ameaça às prerrogativas profissionais.

Sobre o tema – amplitude de defesa – teve esta E. Corte inúmeras oportunidades de se pronunciar a respeito, como se demonstra:

“O direito à ampla defesa e ao contraditório estão assegurados no art. 5º, XXIV e LV da Constituição Federal e não poderia a D. autoridade coatora impedir a retirada dos autos da sindicância da repartição pública, nem tampouco a extração de cópias, sob pena de afronta àquelas garantias constitucionais.

Não há dúvida de que é prerrogativa do advogado a retirada de autos administrativos ou judiciais pelos prazos dados em lei, assim como a obtenção de cópias dos mesmos, consoante o Estatuto da Advocacia, art. 7º, XIII e XV.” (TJSP, Apelação Cível nº 123.806-5/4-00, Rel. Des. Antonio Rulli, 31/01/2001).

E, ainda:

         “Pois bem. Induvidoso o direito do advogado de examinar ou obter vista de processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, findos ou em andamento, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais, consoante dispõe o artigo 7º, XIII, XV e XVI, da Lei Federal nº 8.906/94.” (Apelação nº 0046981-49.2007.9.26.0000, Rel. Des. Francisco Bianco, 16/05/2011)

Dessa forma, soa desarrazoada a limitação imposta ao advogado quanto ao número de processos que pode obter vista por vez.

Como ensina Alexandre de Moraes:

“O princípio do devido processo legal possui, em seu aspecto material, estreita ligação com a noção de razoabilidade, pois tem por finalidade a proteção dos direitos fundamentais contra condutas administrativas e legislativas do Poder Público pautadas pelo conteúdo arbitrário, irrazoável, desproporcional.

(...)

O princípio da razoabilidade pode ser definido como aquele que exige proporcionalidade, justiça e adequação entre os meios utilizados pelo Poder Público, no exercício de suas atividades – administrativas ou legislativas – e os fins por ela almejados, levando-se em conta critérios racionais e coerentes.”

(in Constituição do Brasil Interpretada, Ed. Atlas, 2002, pág. 367)

Assim posta a questão, verifica-se que a Portaria em estudo além de criar empecilhos ao exercício do advogado, em desalinho com o Estatuto da Advocacia, do Código de Processo Civil e com os princípios basilares pronunciados pelo v. acórdão (arts. 5º, XXXV e 133, da Constituição Federal), mormente no que tange à indispensabilidade do advogado à administração da justiça, acaba por malferir o direito individual do cidadão à amplitude de defesa estabelecido no inciso LV do artigo 5 ° da Constituição Federal.

A par deste entendimento, confira-se o ensinamento de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, aplicável à espécie mutatis mutandis:

Advogado. Retirada de autos. Ampla defesa. Processo administrativo fiscal. A proibição de retirada dos autos de procedimento administrativo do recinto da repartição fiscal, por advogado constituído por quem está sendo objeto de ação fiscal, sob o fundamento de que a negativa se estriba em norma regulamentar ( D 33118/91 617), atenta contra a garantia de que cuida a CF 5º LV, como também contra a L 4215/63 (ex-EOAB) 89 XVII. Disposições regulamentares que não podem invadir o campo da reserva legal, motivo pelo qual a recusa da autoridade impetrada se mostrou ilegal, ensejando a concessão da segurança (JTJ 160/9).” in Constituição Federal Comentada, 2ª edição, RT, 2009, pág. 202

Pelo exposto, opino pela declaração da inconstitucionalidade do inciso I da Portaria nº 04, de 07 de março de 2012, do Juiz Diretor do Fórum da Comarca de Monte Mor, que limita vista dos autos a cinco processos por vez.

 

São Paulo, 13 de março de 2013.

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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