Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Autos nº 0001853-59.2014.8.26.0000

Órgão Especial

Suscitante: 2ª Câmara de Direito Público

Apelante: Municipalidade de Guarulhos

Apelada: (...)

 

Ementa:

1)      Incidente de inconstitucionalidade. Art. 97 da Lei Orgânica do Município de Guarulhos. Previsão de incorporação dos Adicionais por Tempo de Serviço (ATS) para todos os fins.

2)      Inconstitucionalidade. Iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo. Matéria que, nos termos do entendimento assente do STF, deve ser regulada pela legislação ordinária (art. 24, § 2º, n. 4 da Constituição Paulista; art. 61, § 1º, II, “c” da Constituição Federal).

3)      Parecer no sentido do conhecimento e acolhimento da arguição de inconstitucionalidade.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 2ª Câmara de Direito Público, quando do julgamento da Apelação nº 0086983-97.2009.8.26.0224, relatora a Desembargadora Vera Angrisani, na sessão realizada em 10 de setembro de 2013 (v. acórdão às fls. 148/151).

A Col. Câmara suscitou a inconstitucionalidade relativamente ao cômputo do adicional por tempo de serviço previsto na legislação municipal, constando do julgado a seguinte ementa:

 “(...)

SERVIDORA PÚBLICA MUNICIPAL. Recálculo e pagamento de adicional por tempo de serviço (quinquênio), para a incidência sobre os vencimentos ou proventos integrais, com base no art. 97 da LOM. Vício de iniciativa. Incidente de inconstitucionalidade que se impõe. Inteligência do art. 97 da Constituição Federal e Súmula Vinculante 10 do E. Supremo Tribunal Federal. Remessa dos autos ao C. órgão Especial.

(...)”

Do voto da relatora consta a seguinte elucidativa passagem:

“(...)

Pretende a autora, com a presente ação, seja a Municipalidade de Guarulhos condenada a proceder ao recálculo de quinquênios que recebe, considerando como base de cálculo a integralidade de seus vencimentos, nos termos do art. 97 da LOM, vigente desde abril de 1990, além das diferenças não atingidas pela prescrição. Busca ainda o recebimento de diferenças relativas à promoção horizontal prevista na Lei Municipal nº 4274/93, que estaria sendo paga a menor.

(...)

Isso porque o mencionado artigo 97 da Lei Orgânica Municipal está eivado de vício de iniciativa, na medida em que disciplina benefício a ser pago aos servidores públicos. E tal matéria, por resultar em criação e imposição de despesas, é de competência privativa do Poder Executivo.

(...)”

É o relato do essencial.

O incidente deve ser admitido, e deve ser acolhida a arguição de inconstitucionalidade.

O art. 97 da Lei Orgânica do Município de Guarulhos, objeto do incidente de inconstitucionalidade, tem o seguinte teor:

“(...)

Art. 97. Ao servidor municipal é assegurado o percebimento do adicional por tempo de serviço, sempre concedido por quinquênio, bem como a sexta parte dos vencimentos integrais, concedido após 20 (vinte) anos de serviço exclusivamente municipal, que serão incorporados aos vencimentos, para todos os efeitos legais.

(...)”

Evidencia-se, no conteúdo do referido dispositivo legal, a inconstitucionalidade.

A razão é singela.

Trata, a norma questionada, do regime jurídico do servidor público municipal, matéria que, seja por disposição da Constituição Estadual (art. 24, § 2º, n. 4), seja por disposição da Constituição Federal (art. 61, § 1º, II, “c”), é de iniciativa legislativa privativa do Chefe do Poder Executivo.

Daí a impossibilidade de regulação dessa temática no âmbito da Lei Orgânica do Município.

Ao suscitar o incidente de inconstitucionalidade a C. 2ª Câmara de Direito Público apontou diversos precedentes, desse C. Órgão Especial, que apoiam seu entendimento (fls. 150/151).

Essa mesma solução é reafirmada pela jurisprudência do C. STF, que destaca, em precedentes que são aplicáveis à hipótese “mutatis mutandis”, que a matéria de iniciativa privativa do Chefe do Executivo deve ser tratada por meio da legislação ordinária, excluída, assim, a sua regulamentação na Constituição do Estado ou mesmo na Lei Orgânica da entidade federativa. Confira-se:

(...)

“Tratando-se de criação de funções, cargos e empregos públicos ou de regime jurídico de servidores públicos impõe-se a iniciativa exclusiva do chefe do Poder Executivo nos termos do art. 61, § 1º, II, da CF, o que, evidentemente, não se dá com a Lei Orgânica." (ADI 980, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 6-3-2008, Plenário, DJE de 1º-8-2008.)

(...)

"Dentre as regras básicas do processo legislativo federal, de observância compulsória pelos Estados, por sua implicação com o princípio fundamental da separação e independência dos Poderes, encontram-se as previstas nas alíneas a e c do art. 61, § 1º, II, da CF, que determinam a iniciativa reservada do chefe do Poder Executivo na elaboração de leis que disponham sobre o regime jurídico e o provimento de cargos dos servidores públicos civis e militares. Precedentes: ADI 774, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 26-2-1999, ADI 2.115, Rel. Min. Ilmar Galvão e ADI 700, Rel. Min. Maurício Corrêa. Esta Corte fixou o entendimento de que a norma prevista em Constituição estadual vedando a estipulação de limite de idade para o ingresso no serviço público traz em si requisito referente ao provimento de cargos e ao regime jurídico de servidor público, matéria cuja regulamentação reclama a edição de legislação ordinária, de iniciativa do chefe do Poder Executivo. Precedentes: ADI 1.165, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 14-6-2002 e ADI 243, Rel. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, DJ de 29-11-2002. Ação direta cujo pedido se julga procedente." (ADI 2.873, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 20-9-2007, Plenário, DJ de 9-11-2007.) No mesmo sentido: ADI 2.856, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 10-2-2011, Plenário, DJE de 1º-3-2011; ADI 3.167, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 18-6-2007, Plenário, DJ de 6-9-2007.

(...)

"Processo legislativo: normas de lei de iniciativa parlamentar que cuidam de jornada de trabalho, distribuição de carga horária, lotação dos profissionais da educação e uso dos espaços físicos e recursos humanos e materiais do Estado e de seus Municípios na organização do sistema de ensino: reserva de iniciativa ao Poder Executivo dos projetos de leis que disponham sobre o regime jurídico dos servidores públicos, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria (art. 61, II, § 1º, c)." (ADI 1.895, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 2-8-2007, Plenário, DJ de 6-9-2007.)

(...)

Por todo o exposto, nosso parecer é no sentido do conhecimento e acolhimento da arguição, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 97 da Lei Orgânica do Município de Guarulhos.

São Paulo, 28 de janeiro de 2014.

 

Nilo Spinola Salgado Filho

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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