Parecer em Incidente de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 000252-68.2013.8.26.0000

Suscitante: 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Ementa: Arguição de inconstitucionalidade. Não conhecimento. Nos termos do art. 480, caput, do Código de Processo Civil, a finalidade do incidente é o exame da inconstitucionalidade de “lei ou ato normativo do poder público”, e não de ato administrativo. A Lei n. 3.443/2011, do Município de Socorro, é nitidamente um ato administrativo concreto, despido de qualquer conteúdo normativo ou regulamentar, tornando-se inviável e desnecessário o controle de sua constitucionalidade. O juízo de valor a propósito desse ato administrativo concreto poderá concluir não pela declaração de sua inconstitucionalidade, mas sim por sua desconstituição. Controle possível quanto à legalidade do ato, para fins de eventual invalidação. Parecer no sentido do não conhecimento do incidente.

 

Colendo Órgão Especial:

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

1.   Relatório.

Trata-se de arguição de inconstitucionalidade suscitada pela C. 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, quando do julgamento da Apelação nº 0001569-96.2011.8.26.0601, cujo relator foi o Desembargador WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI, em 18 de setembro de 2013. A Col. Câmara arguiu a inconstitucionalidade da Lei n. 3.443/2011, do Município de Socorro. Veja-se o teor da ementa:

“Ementa: AÇÃO CIVIL PÚBLICA – PERMUTA. Pretensão do Ministério Público em declarar inconstitucional a Lei Municipal que autorizou permuta de bem público municipal, sob alegação de violação aos princípios constitucionais - Inconstitucionalidade vislumbrada - Princípio da reserva de plenário - Art. 97 da CF/88 e Súmula Vinculante nº 10 do STF - Suspensão do julgamento dos recursos e determinação de remessa ao C. Órgão Especial deste E. Tribunal.”

Objetiva-se atender à cláusula de reserva de plenário (Súmula Vinculante nº 10 do STF).

Não há notícia de pronunciamento anterior do Órgão Especial, do Plenário ou do Supremo Tribunal Federal sobre a questão suscitada (art. 481, parágrafo único, do CPC).

É o relato do essencial.

2. Da inadmissibilidade do incidente de inconstitucionalidade.

Como anota José Carlos Barbosa Moreira, comentando o parágrafo único do art. 481 do CPC, “são duas as hipóteses em que se deixa de submeter a arguição ao plenário ou ao órgão especial: (a) já existe, sobre a questão, pronunciamento de um desses órgãos do tribunal em que corre o processo; (b) já existe, sobre a questão, pronunciamento do plenário do STF. A redação alternativa indica que é pressuposto bastante da incidência do parágrafo a ocorrência de uma delas” (Comentários ao CPC, vol.V, 13ªed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p.44).

 No caso em exame, salvo eventual equívoco, a quaestio iuris não foi examinada pelo Plenário ou Órgão Especial. De outro lado, e de acordo com pesquisa informatizada, não há notícia de que a validade dessa norma foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal ou analisada por esse Sodalício sob a perspectiva aqui abordada.

Assim, considerando que (a) a solução da quaestio iuris é imprescindível para o julgamento do recurso, e (b) ainda não houve declaração de inconstitucionalidade a seu respeito pelo E. STF ou por esse E. Tribunal de Justiça, é de ser admitido o processamento do presente incidente de inconstitucionalidade.

Ocorre, contudo, que não é o caso de conhecimento do incidente de inconstitucionalidade.

A razão é singela: nos termos do art. 480, caput, do CPC, a finalidade do incidente é o exame da inconstitucionalidade de “lei ou ato normativo do poder público”, e não de ato administrativo.

Por essa razão é que José Carlos Barbosa Moreira salienta que o art. 480 do CPC, referindo-se à lei, indica “antes de tudo, o ato formalmente legislativo, quer corresponda, quer não, ao conceito de lei do ponto de vista material” (Comentários ao CPC, vol. V, 12. Ed., Rio de Janeiro, Forense, 2005, p. 36).

A Lei n. 3.443/2011, do Município de Socorro, é nitidamente um ato administrativo concreto, despido de qualquer conteúdo normativo ou regulamentar, tornando-se inviável e desnecessário o controle de sua constitucionalidade, na medida em que autoriza o “poder executivo municipal a efetuar permuta de área de terreno de propriedade do Município com ASSOCIAÇÃO DA FEIRA PERMANENTE DE MALHAS DA ESTÂNCIA DE SOCORRO”. Veja-se, a propósito, o que reza seu art. 1º:

Art. 1.o Fica o Executivo Municipal, autorizado a alienar por permuta, nos termos da alínea “b” do inciso I, do art. 90, da Lei Orgânica do Município, transferindo-o a ASSOCIAÇÃO DA FEIRA PERMANENTE DE MALHAS DA ESTÂNCIA DE SOCORRO, entidade sem fins lucrativos, com sede à Rodovia Pompeu Conti, Box 48, inscrita no CNPJ sob nº 02.421.024/0001-40, uma área de 4.383,44 (quatro mil trezentos e oitenta e três metros quadrados e quarenta e quatro decímetros quadrados), urbana, objeto da matrícula nº 13.588 do CRI local, de propriedade do Município da Estância de Socorro, identificada e descrita como segue”.

Cumpre lembrar, invocando ainda uma vez Hely Lopes Meirelles, que “decretos de efeitos concretos, entretanto, podem ser invalidados em procedimentos comuns, em mandado de segurança, em ação popular, porque já trazem em si os resultados administrativos objetivados. Não são atos normativos gerais, mas, sim, deliberações individualizadas revestindo a forma anômala de lei ou decreto” (Direito Administrativo Brasileiro, cit., p. 721).

Nesse sentido o posicionamento do Colendo Supremo Tribunal Federal:

(...)

"Lei ou norma de caráter ou efeito concreto já exaurido não pode ser objeto de controle abstrato de constitucionalidade, em ação direta de inconstitucionalidade." (ADI 2.980, Rel. p/ o ac. Min. Cezar Peluso, julgamento em 5-2-09, Plenário, DJE de 7-8-09). No mesmo sentido: ADI 2.333-MC, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 11-11-04, Plenário, DJ de 6-5-05

(...)

O juízo de valor a propósito desse ato administrativo concreto poderá concluir não pela declaração de sua inconstitucionalidade, mas sim por sua desconstituição.

Por tais fundamentos, nosso parecer é no sentido do não conhecimento do incidente de inconstitucionalidade.

São Paulo, 18 de dezembro de 2013.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

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